Como o PCC fez da Bolívia o 'QG do pó' exportado para África e Europa
A Bolívia tornou-se a maior produtora da cocaína exportada aos países da Europa pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) nos últimos sete anos, segundo indicam investigações conduzidas pelo Ministério Público e informações obtidas com fontes ouvidas pelo UOL Notícias.
A relevância do vínculo entre a principal facção criminosa do Brasil e o país vizinho ficou novamente em evidência em meio à descoberta de um plano para resgatar Marco Willians Herba Camacho, o Marcola, apontado como a principal liderança do PCC.
Com a operação boliviana, o PCC se tornou o que especialistas chamam de "cartel", estabelecendo a principal rota alternativa do tráfico de drogas no mundo, atrás apenas dos cartéis mexicanos e colombianos, que exportam drogas para os Estados Unidos.
Devanir de Lima Moreira, o Deva, homem apontado pela investigação da Polícia Federal e do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) como o encarregado pelo plano de resgate de Marcola do presídio federal, é citado como o encarregado pelas ações do PCC na Bolívia.
A relevância dele em uma ação estratégica que envolve a cúpula da organização criminosa jogou novamente luz sobre a importância do país vizinho nas operações envolvendo o tráfico de drogas.
Quem são os encarregados pelo PCC da operação na Bolívia? Deva hoje é o encarregado pelas operações do PCC no país vizinho, segundo indicam investigações da Polícia Federal e Ministério Público.
Segundo a desembargadora Ivana David, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), ele faz parte de uma nova geração de chefes do PCC. "O Deva é o representante do PCC na Bolívia. Ele tem uma relação de muita proximidade com o Marcola", disse a magistrada, especializada em investigações sobre o crime organizado.
Deva é apontado como o sucessor de Gilberto Aparecido dos Santos, 49, o Fuminho, preso em abril de 2020 pela Polícia Federal em Moçambique. Na época, ele era apontado como o criminoso mais procurado do Brasil e planejava expandir a sua atuação para o sul da África, para onde o PCC exporta drogas graças à parceria com os bolivianos.
O UOL Notícias não localizou os representantes legais deles para que pudessem se posicionar.
Qual o impacto dessa operação no PCC? Para Márcio Christino, procurador de Justiça de São Paulo, foi justamente essa operação que permitiu a maior expansão da organização criminosa. Christino é um dos principais especialistas em investigações envolvendo a facção.
Com isso, o PCC acabou se tornando o que a gente chama de 'cartel' ou 'narcosul'. A facção enriqueceu com essa rede, com envolvimento desde a produção da cocaína na Bolívia até o transporte ao consumidor final. É o ciclo completo, do plantio, colheita, refino, transporte e venda
Márcio Christino, procurador de Justiça
De acordo com Christino, a produção da cocaína boliviana representa o equivalente a 90% da venda da droga no Brasil.
Como surgiu a aliança entre os traficantes bolivianos e o PCC? A Bolívia é apontada pelas autoridades como a maior fornecedora de cocaína para a facção criminosa.
De acordo com investigações, traficantes locais se associaram com o PCC, que se estabeleceu no país vizinho. Havia ali um interesse em comum:
- como a cocaína não é produzida no Brasil, a facção criminosa precisava de um local de produção em massa em um país vizinho.
- já os bolivianos buscavam ter uma forma de distribuição em larga escala.
Transporte por estradas e portos. "Eles [traficantes bolivianos] precisavam de uma rede de distribuição ou de transporte que fizesse a droga chegar aos portos. Para isso, precisariam passar pelo Brasil. Aí, fizeram contato com os maiores distribuidores de drogas do país, que é o PCC", explicou Christino.
Por que a ação na Bolívia se tornou tão próspera? Porque o PCC conseguiu se estabelecer no tráfico internacional de drogas devido à farta produção de cocaína em solo boliviano. Com isso, a facção entrou na rota da exportação de entorpecentes a países da Europa e África.
Foi a brecha encontrada em um mercado dominado por cartéis mexicanos e colombianos, que monopolizam as vendas para os Estados Unidos. "A Europa é o segundo maior mercado consumidor do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos", disse Christino.
"Essa expansão para a Bolívia era esperada, na medida em que o PCC quer se transformar no principal transportador de drogas da América Latina", declarou Rafael Alcadipani, professor de Administração na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e especialista em Segurança Pública.
Quando começou essa operação? Há ao menos sete anos. Um dos primeiros efeitos colaterais foi o assassinato de Jorge Rafaat, um dos chefes do narcotráfico na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, morto a tiros de fuzil em junho de 2016 em Pedro Juan Caballero. Conhecido como o "rei da fronteira", Rafaat havia sido condenado em 2014 pela Justiça brasileira por tráfico de drogas e contrabando.
"Após o acordo entre o PCC e os bolivianos, foi estabelecida uma nova rota, que passava pelo Paraguai. O Rafaat se opôs e acabou sendo assassinado", declarou Christino.
Por que o transporte da cocaína não foi feito desde o início de avião da Bolívia ao Brasil? Não há frequência necessária para fazer a rota da droga de avião, segundo explica o procurador de Justiça de São Paulo especializado em investigações ligadas ao PCC.
"Aí, há rotas em estradas que permitem a distribuição para todos os lugares necessários. Inicialmente, o PCC era responsável pelo recebimento e transporte da droga até os portos no Brasil", esclareceu o procurador Márcio Christino.
Como a droga é produzida na Bolívia? Segundo a Procuradoria de Justiça de São Paulo, o PCC começou a investir em fazendas de cocaína em áreas de mata e com pouca fiscalização do poder público.
"A Bolívia se tornou uma grande produtora de cocaína. Inclusive, fizeram manipulação genética das folhas de coca, para que se tornassem mais ácidas do que o normal", disse Christino.
Em quantos países o PCC atua? Departamentos de inteligência e segurança do Brasil já detectaram a atuação do PCC em outros 16 países.
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