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Eleições: PT, esquerda e mulheres saem derrotados; centro consolida vitória

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

29/11/2020 23h30Atualizada em 30/11/2020 09h53

O segundo turno das eleições municipais pelo Brasil consolidou um cenário que já se apresentava no primeiro: a esquerda e o bolsonarismo saem fragilizados, enquanto o centro se mostra o grande vencedor. A análise foi feita pelos colunistas dos UOL junto a especialistas e políticos durante a live de hoje.

A transmissão da análise começou às 17h de hoje, logo após o fechamento das urnas na maioria das cidades, e terminou às 21h quando boa parte das prefeituras já estavam definidas. Além dos analistas do UOL, participaram cientistas políticos, sociólogos, especialistas em segurança de dados e parlamentares do PSOL e do PSDB.

A primeira observação é de que o PT, um partido tradicional da esquerda, saiu destas eleições como o maior perdedor. Apesar de disputar em 15 cidades, o partido foi derrotado em 11. Levou apenas Contagem-MG, Juiz de Fora-MG, Diadema-SP e Mauá-SP.

Pela primeira vez desde 1985, não elegeu prefeito nas capitais. Disputava em duas: Recife e Vitória. Na última, perdeu para Delegado Pazolini do Republicanos.

PT se deteriorou de tal forma, que vai se aniquilando aos poucos. Josias de Souza, colunista do UOL.

Segundo destacou Tales Farias, a maior derrota do partido foi em Recife, onde a candidata Marília Arraes perdeu para seu primo João Campos (PSB). "Ficou uma disputa familiar ali que não sei se, para a esquerda e para a cidade do Recife, vai ser boa. O menino é totalmente inexperiente", destaca.

Além disso, a esquerda como um todo mostrou que ainda tem muita dificuldade de vencer discursos de "anticomunismo" e as fake news. Além de Arraes, Manuela D'ávila do PCdoB também perdeu em Porto Alegre. Em ambos os casos, as notícias falsas foram a maior estratégia de campanha de seus adversários nessa reta final.

Para a socióloga Flávia Rios, a potência das fake news mostra que, apesar de também ter sido um grande perdedor, o bolsonarismo mostra ainda seus impactos. "Se o bolsonarismo perde do ponto de vista numérico, não perde ainda no debate."

A colunista Maria Carolina Trevisan ressalta que as mulheres foram as maiores vítimas das campanhas de desinformação, e é endossada por Flávia que destaca a derrota nas urnas dessas mesmas mulheres.

As mulheres perderam muito nessas eleições, não houve alteração no percentual de candidaturas de mulheres prefeitas eleitas. Flávia Rios, socióloga.

Apesar de derrota, Boulos vence

Porém, apesar da grande derrota das esquerdas pelo país, o candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo se mostrou como uma novidade e teve seus ganhos nessa eleição. "Não importa o resultado em São Paulo, vencendo ou perdendo, o Guilherme Boulos se consolida como uma grande novidade, abriu-se finalmente uma frincha, uma rachadura, naquela eterna hegemonia do PT", diz Josias de Souza.

Segundo Josias, Boulos se projeta agora como uma candidatura viável para os próximos anos, seja como governador ou como presidente. Além disso, compara a trajetória do psolista com a do ex-presidente Lula, que também perdeu diversas vezes antes de finalmente ocupar a cadeira da presidência.

Boulos mostra que há vida fora da hegemonia petista. Formou-se uma união em torno de Boulos que uniu o próprio Lula, o Ciro Gomes etc. Josias de Souza

Questionada se Boulos deverá ser um nome nas eleições de 2022, a deputada do PSOL Sâmia Bomfim disse que ainda é cedo para dizer, "mas sem dúvidas o Boulos sai muito gabaritado para ser um candidato", diz.

Além da vitória individual de Boulos em termos de projeção, o PSOL também conquistou uma capital. Belém foi a primeira cidade a ter um prefeito eleito hoje, o psolista Edmilson Rodrigues.

"Se antes o PSOL era visto como um partido de parlamentares, agora é visto como partido com 'P' maiúsculo". Comemorou Sâmia Bomfim. Segundo ela, essa eleição foi um "divisor de águas". "Agora teremos uma prefeitura para mostrar o jeito PSOL de governar.

Partidos de centro cada vez mais fortes

Essa eleição consolidou a vitória dos partidos de centro. Mesmo em São Paulo, com a vitória do PSDB com Bruno Covas — um partido tradicionalmente à direita — o discurso foi mais moderado.

"Tivemos uma disputa bastante tradicional em São Paulo", destaca o colunista Reinaldo Azevedo. "Uma frente de centro-direita que sempre disputa em São Paulo e uma frente da centro-esquerda que é uma novidade."

Contando primeiro e segundo turno, o MDB levou cinco capitais e o DEM e PSDB, quatro cada um. Segundo os analistas, esse cenário já projeta como deve ser as eleições presidenciais em 2022 e até a vida do futuro presidente do Brasil, no qual o diálogo com o centrão vai ser fundamental.

"Seja quem for o presidente eleito em 2022, ele vai ter lidar com essa realidade: o atual já está no colo do Centrão, o próximo também estará", destaca Josias de Souza.

Embora o centro também tenha vencido em Recife com João Campos, os colunistas ressaltam que a campanha na capital se distanciou da proposta de um centro e flertou com a extrema-direita. "Não foi a centro-esquerda que ganhou no Recife, ali quem ganhou foi a extrema-direita", diz Reinaldo Azevedo.

Covas fará um mandato de 4 anos?

Um tema central de discussão foi o histórico do PSDB em abandonar um cargo pela metade para concorrer a outro maior. João Doria prometeu que não o faria quando se elegeu prefeito, mas fez para concorrer a governador, deixando Bruno Covas em seu lugar.

Com isso, uma preocupação surgiu: quem é o vice de Bruno Covas? Logo, acusações contra o vice Ricardo Nunes (MDB) começaram a aparecer. O deputado Samuel Moreira (PSDB) defendeu Covas. "Ele prometeu e deve cumprir", disse.

Moreira também saiu em sua defesa ao ser questionado por Flávia Rios a respeito do "esconde-esconde", seja com dados da covid-19, seja com seu vice, ou com seu padrinho Doria.

A socióloga também questionou o deputado a respeito da futura composição do secretariado de Covas, se haverá diversidade. Moreira não respondeu diretamente, embora tenha dito que é da índole do prefeito promover a diversidade.

No Rio, condução da pandemia deve mudar

No Rio de Janeiro, o vencedor foi o candidato do DEM, Eduardo Paes, que vai fazer um terceiro mandato na cidade. O retorno do ex-prefeito escancara à rejeição a Marcelo Crivella (Republicanos). O derrotado empenhou uma campanha marcada por fake news e negação da pandemia.

Já em seu discurso de vitória, Paes demonstrou que deve mudar a maneira como a cidade lidou com a pandemia até então e sinalizou diálogo com dois representantes inimigos entre si: o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).

"O enfrentamento da pandemia no Rio tem sido pífio", destaca o colunista Chico Alves. "Como vimos nas primeiras palavras do prefeito, ele vai encarar a pandemia com mais realismo, vai fazer política que é o que se espera dele."

"Ele vai chamar muito o Rodrigo Maia a tentar ajudá-lo a conseguir coisas do governo federal e isso vai ser uma encrenca danada", lembra Tales Faria. "Maia e Bolsonaro batem cabeça com frequência. Para conseguir apoio de Bolsonaro para Paes, Maia terá que abrir mão de algumas coisas".

Apesar da vitória folgada, Paes terá muita dificuldade em sua gestão no município. "A situação no Rio está precária", diz a socióloga Flávia Rios. "Isso que não falamos sobre as milícias, sobre o desemprego e sobre as condições de violência. Elas são muito determinantes, especialmente no Rio de Janeiro."

Um 2º turno tranquilo

Após um primeiro turno conturbado por instabilidade nos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral, que inclusive atrasou os resultados, o segundo turno se mostrou mais tranquilo. O problema há duas semanas gerou teorias da conspiração que jogavam suspeição na própria lisura das eleições.

A colunista Carla Araújo ressalta que o TSE tem apostado em segurança em seus sistemas, mas que, para isso, é necessário investimento financeiro, o que encontra uma barreira no próprio presidente da República.

"Se a gente tem um presidente que questiona a urna eletrônica, convenhamos que teremos dificuldade para esses investimentos porque atrapalha a narrativa que o presidente quer encampar até 2022", diz.

Segundo ela, essa é uma tática de Bolsonaro para as eleições de 2022 nas quais, caso perca, sua narrativa de fraude já estará consolidada. Hoje, ao votar, o presidente voltou a defender o voto impresso em detrimento das urnas eletrônicas.

A cientista política Viviane Gonçalves destaca que essas narrativas são um risco para a democracia. "Democracia sempre tem risco, a gente não pode achar que direito adquirido é direito perpétuo, tem que ficar alerta." Ela lembra que as ameaças vistas esse ano ao TSE nunca ocorreram antes na história.

O legado que essas eleições deixa é o da tecnologia cada vez mais presente no pleito. No segundo turno não houve problemas com o aplicativo e-Título e um futuro no qual as votações poderão ser feitas via internet cada vez se torna mais palpável.

"O e-Título é uma demonstração do quanto o TSE tem investido nessa agenda voltada para votação eletrônica", diz a especialista em segurança de dados da FGV, Maria Cecília Gomes. Mas ela destaca que, além de investimento financeiro como citou Carla Araújo, o Brasil tem um problema ainda mais básico para resolver: acesso à internet.

"O Brasil precisa, para avançar para o voto via celular, ter políticas públicas promovam o acesso a internet. Temos um cenário onde milhões de pessoas não têm acesso a internet, a dispositivos móveis."