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Candidato sem celular, Lula troca rua pelo digital só no fim da campanha

Lula no Flow Podcast: participação neste tipo de programa foi intensificada no segundo turno - RICARDO STUCKERT
Lula no Flow Podcast: participação neste tipo de programa foi intensificada no segundo turno Imagem: RICARDO STUCKERT

Do UOL, no Rio

29/10/2022 04h00

A entrevista com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Flow Podcast no último dia 18 já estava acabando quando o apresentador Igor 3K perguntou como as pessoas fazem para encontrar o candidato à Presidência da República nas redes sociais. O ex-presidente esperou alguns segundos e respondeu categoricamente: "não sei".

A reação espontânea de Lula gerou risos entre os presentes e no apresentador. Aos 77 anos recém-completados, o ex-presidente segue sem celular próprio, sem mexer em redes sociais e não esconde o gosto pelo "jeito analógico de fazer campanha" —um desafio para seu grupo no começo da corrida presidencial.

Ó, lá em casa quem cuida [das redes sociais] é a Janja [da Silva, esposa]. No PT, é o [assessor José] Chrispiniano. Eu não me preocupo... Quer dizer, eu não quero. Eu sou um cara que não tem essa preocupação mais, sabe?"
Lula, no Flow Podcast

"Então, ó, procura 'Lula' aí no Google, que você acha", continuou Igor, para um público acostumado a buscar qualquer tipo de informação pelo celular —bem diferente de Lula.

O petista sempre deixou claro que prefere "olhar no olho" do eleitor. Foi incentivado a ir para as ruas e viajar o país —e fez isso na campanha do primeiro turno. No segundo turno, a estratégia mucou —tanto que, na última semana, ele desistiu de viagens e decidiu focar em encontros digitais e um pouco de descanso antes do debate de ontem (28).

A própria entrevista ao Flow faz parte da estratégia da campanha de se aprofundar nas redes sociais na reta final.

Lula ficou à vontade nos podcasts dos quais participou —para aliados, essa espontaneidade presencial funcionou também nas transmissões online e foi considerada fundamental para despertar simpatia dos jovens para uma figura pública que não faz questão de usar internet em pleno 2022.

O candidato analógico. Quando o telefone da senadora Simone Tebet (MDB-MS) tocou na segunda-feira pós-primeiro turno, era Lula quem falava, mas o aparelho era de Janja —além das redes sociais, a esposa também permanece como a conexão mais próxima pelo celular.

No palco dos comícios, não é raro ver o fotógrafo Ricardo Stuckert levar o smartphone até o ex-presidente e mostrar uma foto ou algum registro. Lula coloca os óculos, dá uma olhada e devolve o aparelho. Diferente da grande maioria dos políticos hoje, ele não faz ou supervisiona postagens em seus perfis.

Um conselheiro da campanha conta em tom bem-humorado que, uma vez, quando pediram que ele "logasse" no Instagram, em referência a entrar na conta, e ele não tinha a mínima ideia do que significava.

Rumo ao digital. A estratégia digital da campanha petista começou um pouco conturbada. Com disputa interna pela área de comunicação, o petista tinha três vezes menos seguidores que o presidente Jair Bolsonaro (PL) no fim de abril. Seis meses depois os números melhoraram, mas o digital seguiu por muito tempo como um desafio para o grupo petista.

Segundo interlocutores, isso não se dá só pela resistência do ex-presidente pelo assunto —que não esconde de ninguém ter total desconhecimento de causa— como também por uma tomada de decisão de perfil da campanha. Para os petistas, é consenso que Lula é um dos maiores comunicadores do país ao vivo.

Por isso, o caminho mais natural foi participar de comícios e atos públicos. Nesses eventos, a equipe responsável por produzir conteúdo digital foi junto —mas as principais redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter) eram voltadas a reproduzir agenda, repercutir falas e transmitir eventos ao vivo do ex-presidente.

Muito pouco conteúdo era criado exclusivamente para o meio digital. Uma exceção foi o "Lulaverso", iniciativa que, a princípio, não era assumida como da campanha, mas que tinha uma estratégia totalmente digital, voltada ao público jovem, com memes, piadas, montagens e ilustrações com cores fortes e conteúdo voltado à viralização. Com o tempo, a equipe petista "assumiu" a página.

Guinada na reta final. Segundo a própria campanha petista, o cenário mudou nas redes do ex-presidente após a entrada do deputado reeleito André Janones (Avante-MG), no início de agosto. Institucionalmente, o principal conselheiro do ex-presidente para as redes sociais trouxe especialmente a expertise de massificação e popularização de conteúdos já produzidos e se tornou peça-chave da disputa nesta reta final.

O ex-presidente tem participado de podcasts (com recorde de audiência), feito lives com Janones e artistas e usado os programas para gerar recortes e conteúdo voltados unicamente para o meio digital —algo raro durante o primeiro turno.

A campanha entende que, para a reta final, a presença de Lula em atos presenciais reuniria apoiadores e quem já votou nele —e o ex-presidente precisava convencer indecisos e reduzir a abstenção.

O deputado federal André Janones (Avante-MG) mostra seu celular para Lula - Reprodução/Twitter/André Janones - Reprodução/Twitter/André Janones
O deputado federal André Janones (Avante-MG) mostra seu celular para Lula
Imagem: Reprodução/Twitter/André Janones

Os petistas também se ampararam na expertise de criadores de conteúdos digitais. Foram duas reuniões —uma no fim de setembro, às vésperas do primeiro turno, no Rio, e outra online no último domingo (23).

Com nomes fortes como Felipe Neto —que soma mais de 15 milhões de seguidores apenas no Twitter—, Lula ouviu opiniões e dicas diferentes de como crescer no meio digital, enquanto a campanha fazia anotações. Além disso, os próprios influenciadores passaram a publicar conteúdos para desmentir fake news e promover a candidatura do ex-presidente.

Se está na chuva...Com Janones e os influenciadores, falas, vídeos antigos e mentiras de Bolsonaro também foram mais exploradas e impulsionadas no meio digital. Só no segundo turno, a campanha se aproveitou da viralização de pelo menos quatro temas:

O PT e a campanha avaliam que o impulsionamento nas redes sociais —grande parte por influência de Janones— foi crucial para que esses assuntos tomassem a imprensa e pautassem o QG de Bolsonaro que, pela primeira vez desde 2018, se viu mais na defensiva do que no ataque.

Lula, mesmo que não interagindo diretamente com as iniciativas, tem gostado das apostas. Fala com prazer às redes sociais, grava vídeos empolgados como grava para a televisão e participa das lives cheias de disposição. A pergunta que fica aos mais próximos é quando ele terá um aparelho próprio, embora todos saibam a resposta.