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Bolsonaro exalta meio ambiente, mas omite cortes e aumento do desmatamento

Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente - Reprodução
Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente Imagem: Reprodução

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

30/09/2020 18h24

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a enaltecer internacionalmente a atual política de gestão do meio ambiente no Brasil, mas omitiu cortes de verbas, tentativas de flexibilizações de regras ambientais e aumento do desmatamento sob seu governo.

Em vídeo gravado para a Cúpula da Biodiversidade da ONU (Organização das Nações Unidas), que foi exibido hoje, Bolsonaro falou em soberania nacional e proteção ambiental e procurou mostrar um quadro de avanço sobre o tema em meio a recordes de queimadas e desmatamento na sua gestão.

Em 2019, Amazônia teve maior área devastada em dez anos

"Desde 2019, meu governo vem adotando políticas de proteção ao meio ambiente de forma consciente, sabendo do duplo desafio que enfrentamos", afirmou o presidente ao citar a necessidade de preservar o meio ambiente e "enfrentar adversidades sociais complexas".

Entre 2018 e 2019, seu primeiro ano de governo, a Amazônia Legal teve a maior área devastada em dez anos. De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), de 1º de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019, 9.762 km² de vegetação nativa foram derrubados na área que compreende nove estados.

Em 2019, a região registrou 89.176 focos de queimadas —um aumento de 30% em relação a 2018 e terceiro pior ano da década, segundo o Inpe.

Amazônia teve pior agosto em dez anos

Como exemplo de medidas protetivas, o presidente citou a Operação Verde Brasil 2, lançada em maio deste ano para combater crimes ambientais e focos de incêndio na Amazônia Legal. Segundo Bolsonaro, a iniciativa "logrou reverter, até agora, a tendência de aumento da área desmatada observada nos anos anteriores".

No entanto, três meses depois do lançamento, a Amazônia fechou agosto com o pior índice de desmatamento nos últimos dez anos. Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, que coordena o Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon, o desmatamento na região subiu 68% no mês passado se comparado ao mesmo período de 2019.

Nos primeiros oito meses do ano, a área de mata nativa que foi perdida chega a 5.190 km² na Amazônia, 23% a mais do que no mesmo período em 2019.

Governo tentou flexibilizar regras de proteção a biomas

O presidente também afirmou, em seu discurso de hoje, que seu governo reforçou ações de vigilância sobre os biomas nacionais e fortaleceu "os meios para combater a degradação dos ecossistemas, a sabotagem externa e a biopirataria".

A fala sobre fortalecimento de biomas se dá três dias depois que o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), presidido pelo ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, derrubou um conjunto de resoluções que delimitam as áreas de proteção permanente de manguezais e de restingas do litoral brasileiro.

Estas regras, que deixariam estes biomas mais vulneráveis, e não mais fortalecidos, só seguem vigentes porque, na última terça (29), a Justiça suspendeu a decisão do Conama por "evidente risco de danos irrecuperáveis ao meio ambiente".

Ibama multou menos em 2020

O discurso sobre vigilância também se mostra frágil. Segundo levantamento feito pela Agência Pública, houve uma redução de 40% na aplicação de multas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) entre janeiro a julho deste ano se comparados ao mesmo período do ano passado, quando Bolsonaro assumiu.

Governo cortou verbas para meio ambiente

Em meio a isso, o presidente, que, no discurso, reforçou o comprometimento com a proteção ambiental, não citou que o Ministério do Meio Ambiente chegou a anunciar o bloqueio de R$ 60 milhões voltados ao combate ao desmatamento em agosto e voltou atrás após uma série de críticas.

Com o corte, todas as operações contra o desmatamento ilegal na Amazônia Legal, bem como todas as operações de combate às queimadas no Pantanal e demais regiões do Brasil, estariam interrompidas.

No discurso, o presidente também deixou lado o corte orçamentário de R$ 184,4 milhões (queda de 5,8%) no Ministério do Meio Ambiente para 2021, enviado ao Congresso no mês passado. O ministério é o responsável pelas principais ações no combate ao desmatamento.

A culpa é das ONGs?

Bolsonaro voltou a apontar culpados pelas queimadas no Brasil. Segundo ele, as queimadas "favorecem algumas organizações que, associadas a algumas ONGs [organizações não-governamentais], comandam os crimes ambientais no Brasil e no exterior".

Até então, não há indícios de que ONGs sejam responsáveis pelas queimadas na Amazônia ou no Pantanal. Na verdade, estudos e investigadores apontam fazendeiros como principais culpados pela devastação.

Em setembro deste ano, pesquisadores do Inpe, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e da Universidade de Estocolmo publicaram uma carta na revista Science em que afirmam que boa parte das queimadas e do desmatamento na Amazônia, entre 2019 e 2020, está relacionada a "apropriação e desmatamento em larga escala" realizados por médios e grandes fazendeiros.

A Polícia Federal teve a mesma suspeita quando investigou o chamado "Dia do Fogo", em agosto de 2019, que triplicou os focos de incêndio no Pará, parte da Amazônia Legal.

Segundo a PF, donos de terra também estão por trás dos incêndios na região do Pantanal, no Mato Grosso, neste ano. Até então, não há indícios da participação de ONGs nas queimadas.

"Gostaria muito de explorar a Amazônia com os EUA"

A soberania nacional no gerenciamento dos nossos recursos naturais foi um dos principais temas do discurso do presidente. "Rechaço, de forma veemente, a cobiça internacional sobre a nossa Amazônia. E vamos defendê-la de ações e narrativas que agridam os interessem nacionais", declarou em uma parte do discurso.

Bolsonaro, no entanto, abordou a soberania nacional sobre a exploração de forma diferente ao encontrar o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, em 2019.

Sem entrar em detalhes, o presidente brasileiro falou ao norte-americano que "gostaria muito" de explorar a Amazônia "junto com os Estados Unidos". A cena foi filmada para o documentário "O Fórum".