Topo

Esse conteúdo é antigo

'A gente começa a colocar operações em dúvida', diz ex-Lava Jato

Do UOL, em São Paulo*

26/05/2020 17h54Atualizada em 27/05/2020 18h12

O ex-procurador da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou hoje que operações da Polícia Federal poderão ser colocadas em dúvida se forem usadas para projetos políticos. A declaração foi feita hoje, em entrevista aos colunistas do UOL Tales Faria e Chico Alves, após ser questionado sobre a Operação Placebo, no Rio de Janeiro, que envolve o governador Wilson Witzel (PSC).

Carlos Fernando relevou ainda ter votado em Jair Bolsonaro (ex PSL, hoje sem partido) no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, mas disse acreditar que o impeachment do presidente "está atrasado". Segundo o ex-procurador, Bolsonaro já cometeu alguns crimes de responsabilidade durante seu mandato.

"Olha, nessa operação de hoje, eu acredito até porque ela teve origem no STJ, foi uma investigação feita nos inquéritos de Brasília, pela equipe de Brasília. Eu acredito que nada tenha a ver efetivamente com uma perseguição política ao governador Witzel", iniciou ele.

Na manhã de hoje, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão no Palácio das Laranjeiras, residência de Witzel, e no escritório de advocacia onde trabalha sua mulher, entre outros endereços.

"Quando você coloca a deputada [Carla] Zambelli [PSL] e o próprio Bolsonaro, que começam a politizar essa operação com a PF, a gente começa a colocar em dúvida operações que, a princípio, seriam legítimas. Hoje, nós vimos uma investigação séria comandada pelo ministro do STJ, mas, infelizmente, já tingida desta natureza política que, infelizmente, o governo Bolsonaro deu à Polícia Federal", disse.

Ontem, em entrevista à Rádio Gaúcha, a deputada disse ter conhecimento de que havia investigações contra governadores estavam em andamento, por conta dos gastos para combater a covid-19, e que em breve operações seriam lançadas — hoje a parlamentar negou ter informação prévia.

O ex-procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima atuou na força-tarefa da Lava Jato entre 2014, quando foi deflagrada a primeira fase da operação, até setembro de 2018. Em março do ano passado, ele se aposentou de seu cargo no Ministério Público.

Reunião ministerial de 22 de abril

Carlos Fernando disse na entrevista que a reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo na íntegra foi divulgado na última sexta-feira (22), o "aterrorizou" e deixou "claro" o desejo do presidente de interferir na PF.

"O aspecto chavista da reunião [do presidente, cercado de militares, falando em armar a população] me deixou muito assustado. Eu não acreditava na possibilidade de nós estarmos em um risco institucional. Olhando pelo aspecto da acusação do [ex-ministro Sergio] Moro, a reunião deixa claro que o objetivo do Bolsonaro era interferir na PF com interesse em informações. Informações para evitar problemas para seus filhos, seus amigos. Me preocupa muito toda vez que um político se aproxima da polícia — ele tem normalmente três objetivos: ter informações úteis na vida política, proteger a si, seus parentes e família, e usar como perseguição política", afirmou.

Segundo o ex-procurador, Bolsonaro não consegue diferenciar seu papel como presidente da pessoa Jair Bolsonaro. "Isto deve ser apurado, inclusive, esse serviço de informações paralelo, que me parece esse o objetivo de intervenção na PF. Mas eu não tenho dúvida de que crimes aconteceram e já vêm acontecendo há um tempo."

Para Carlos Fernando, o argumento do presidente de que ele se referiu à segurança pessoal de sua família é "ilógico".

"A segurança não envolve os amigos. Em conjunto com as próprias mensagens que ele trocou com Moro antes da reunião, depois da reunião, não tem como desqualificar aquela prova", disse o ex-procurador. "O interesse de Bolsonaro em intervir na PF para proteger filhos e amigos me parece certo. Se isso foi obstado por Sergio Moro até aquele momento, é uma questão. Mas quando ele fala em 'serviço de inteligência particular', aí eu fico na dúvida."

Lava Jato e voto em Bolsonaro

Um dos procuradores que chefiavam a operação, Carlos Fernando saiu também em defesa da força-tarefa de Curitiba, criticou o STF e o foro privilegiado de autoridades.

"Infelizmente, o foro privilegiado e uma certa tendência do Supremo em desmembrar a Lava Jato de Curitiba interromperam muitas boas investigações que aqui ocorriam. A Lava Jato de Curitiba procurou focar no que era mais importante. Os fatos envolvendo PSDB estão em São Paulo, na Lava Jato", disse, rebatendo a acusação de Carla Zambelli, de que Moro, então juiz no comando da operação, tinha predileção em investigar o PT e que protegia tucanos.

Questionado sobre seu posicionamento nas eleições de 2018, Carlos Fernando diz que, no primeiro turno, votou em Marina Silva, e que, no segundo, não teve "escolha, senão votar em Bolsonaro".

Não teria condições de votar em [Fernando] Haddad [PT]. Seria como virar a arma para o meu rosto e apertar o gatilho. Iria contra a Lava Jato. Bolsonaro era uma dúvida que se transformou neste governo terrível. Não digo que Haddad seria melhor, mas, na questão da pandemia, seria um governo melhor

Impeachment

O ex-procurador disse ainda que vê o impeachment como "esperança" e que o impedimento de Bolsonaro "está atrasado", uma vez que presidente, na sua avaliação, já teria cometido crime de responsabilidade. "Muitas vezes, o impeachment é a solução. Hoje eu vejo que o impeachment de Bolsonaro já está atrasado. Há crimes de responsabilidade diversos, não só neste fato envolvendo a PF, mas também como na própria condução do combate à pandemia", afirmou.

Nós temos dois crimes: a intervenção na PF com interesses particulares — eu ainda não tenho certo a existência de um aparato paralelo de inteligência, para mim isso é crime de responsabilidade também — e, para mim, o pior, a morte de milhares de brasileiros por uma sabotagem do presidente. Ele está em uma sabotagem do seu próprio governo

Pandemia de coronavírus

O ex-procurador diz ver o que chama de "sabotagem" do presidente como "responsável pelo número excessivo de mortes" por covid-19 no país. "[Bolsonaro trava] Uma disputa com prefeitos e governadores para empurrar o custo da pandemia. Fazer de vidas uma disputa política é inadmissível. Esse foi o meu ponto de rompimento absoluto com esse governo. Nesse ponto não se transige", disse.

Bolsonaro, nessa briga toda, se coloca contra a vida de pessoas. Seres humanos não são meros números. São histórias, são famílias

Decepção com o Exército

Santos se diz decepcionado com os militares que atuam no governo Bolsonaro, não apenas pelo pouco apelo científico que rege as decisões do presidente, mas também por ficarem calados quando Bolsonaro sugere armar a população.

"O que me preocupa é a ideia de que eles estão calados com a proposta de Bolsonaro de armar a população para fazer valer o seu discurso perante prefeitos e governadores. Permitir essa ideia, trazer o caos para as ruas brasileiras, permitir que qualquer maluco que, em vez de dar uma bandeirada na cabeça do jornalista, como estão agora acostumados a fazer, comece a usar armas de fogo para se fazer valer suas opiniões, é uma coisa que eu não entendo como os militares endossam. A lealdade que devem é ao Brasil, não ao presidente."

Veja a íntegra da entrevista com o ex-procurador da Lava Jato:


*Participaram desta produção Diego Henrique de Carvalho, Talyta Vespa, Ana Carolina Silva e Gilvan Marques