Tragédia em Brumadinho: O que significa, na prática, a decisão da Vale de acabar com barragens como a que desmoronou
Medida que vai custar R$ 5 bi à Vale não é imediata, depende de licenciamento ambiental e não a deixa imune a novos acidentes; especialistas dizem que decisão pode estimular novos métodos de mineração e uso de rejeitos.
A decisão da mineradora Vale de paralisar operações de exploração de minério e desativar dez barragens que usam método de armazenamento de rejeitos similar ao da mina Córrego do Feijão, que rompeu na semana passada em Brumadinho (MG), foi classificada pelo presidente da empresa, Fábio Schvartsman, de "plano definitivo" e "drástico".
A medida prevê, na prática, aposentar o método de barragem a montante - igual à de Brumadinho, que é considerado mais barato e de licenciamento mais fácil, mas também o menos seguro. Nele, os alteamentos (ou seja, a ampliação da estrutura de contenção) são feitos com o próprio rejeito.
Barragens são estruturas que contêm rejeitos de operações de beneficiamento de minério de ferro, feitas com o uso de água e produtos químicos. Para ampliar a capacidade de armazenamento dessas estruturas há três tipos de métodos mais comuns: além da montante, há a jusante - que usa outros materiais, como pedras e argila para conter os rejeitos - e linha de centro - que é uma mescla dos dois métodos.
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"(A decisão da Vale) significa que eles irão usar apenas barragens com alteamento pelos métodos de linha de centro e jusante. Além disso, vão partir para deslamagem e para técnicas alternativas", afirma o engenheiro e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Eduardo Marques.
No entanto, a medida não é imediata e ainda depende de licenciamento ambiental. Segundo Schvartsman, os processos de interrupção e desativação já estão prontos e serão enviados para licenciamento do órgão ambiental nos próximos 45 dias. Se aprovados, devem durar de um a três anos.
A decisão da empresa tampouco a deixa imune a novos acidentes - apesar de ter conseguido autorização para expandir a operação em dezembro do ano passado, a barragem de Brumadinho não recebia rejeitos desde 2015 e, ainda assim, virou o mar de lama que deixou centenas de desaparecidos e, até a tarde desta quarta-feira, 99 mortos.
A operação de desativação das barragens precisa ser revista, monitorada e fiscalizada com rigor, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Apesar de serem mais seguros, os métodos a jusante e linha de centro podem causar impacto ambiental maior na hora da construção, com, por exemplo, maiores áreas desmatadas.
Para a engenheira Rafaela Baldí, a decisão da Vale não necessariamente leva a mais segurança.
Segundo ela, prevalece "o entendimento equivocado de que banir um método resolve um acidente ou vários".
Baldí diz que barragens de rejeitos que usam o método montante registraram mais acidentes que as que fizeram o alteamento com base nos outros dois métodos. Mas, segundo a engenheira, não se tem informações sobre maioria dos 268 acidentes catalogados entre 1910 e 2001 - não se sabe, portanto, se essas barragens eram ou não do modelo a montante.
Ela cita o levantamento do Comitê Internacional de Barragens de Grande Porte (ICOLD, na sigla em inglês) contabilizou 87 acidentes em barragens a montante, 27 a jusante e 11 por linha de centro. Há ainda 110 casos sem informação e outros contabilizados como retenção de água.
"A falta de investigação, de informações e de lições apendidas ainda são os maiores vilões da geotecnia", diz Rafaela Baldí.
A engenheira afirma que todos os métodos têm risco se mal projetados, executados e monitorados - e igualmente podem ser seguros se bem feitos e fiscalizados. E, ainda segundo ela, é melhor investir em produção de informação e de conhecimento sobre causas de acidentes em vez de banir um ou outro método de represamento de resíduos.
Impacto econômico
O processo de paralisação da produção e do uso das barragens também representa impacto econômico para a empresa. A operação deve custar cerca de R$ 5 bilhões.
Ao descontinuar as barragens similares à que rompeu em Brumadinho, a Vale afirma que vai cortar até 10% da produção de minério por ano, o equivalente a 40 milhões de toneladas.
Ao mesmo tempo, a decisão de mudar o método de estocagem de rejeitos pode representar também novos tipos de negócios para a Vale.
O professor da UFV Eduardo Marques lembra que, pouco antes do rompimento da barragem em Brumadinho, a Vale tinha anunciado a compra de uma empresa brasileira que desenvolve novas formas de mineração, entre elas a seco - o que elimina a necessidade de barragens para conter os resíduos fruto do processo de beneficiamento que usa água.
A New Steel, startup brasileira que usa separadores magnéticos para beneficiar o minério, foi comprada por US$ 500 milhões ( R$ 1,9 bilhão) em um negócio anunciado em dezembro e autorizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A empresa também desenvolve uso alternativo para os rejeitos - entre eles, na construção civil.
E as outras barragens?
Não há garantia, contudo, que outras mineradoras que operam usando a mesma técnica de barragem vão adotar as mesmas medidas que a Vale.
Pressão não falta. Depois que a barragem da mina do Fundão se rompeu em Mariana, há três anos, o Ministério Público Federal em Minas Gerais enviou uma recomendação à Agência Nacional de Mineração, o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral, para que não autorizasse mais novas barragens a montante no Brasil, alegando que a técnica é insegura.
Uma portaria chegou a ser publicada na tentativa de dificultar novos empreendimentos, mas pouco foi feito para tratar das barragens em operação ou já desativadas.
Na Assembleia Legislativa de Minas, está parado o projeto de lei que propõe endurecer as regras de licenciamento para barragens de mineração.
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