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Dimas contradiz Pazuello e culpa Bolsonaro por atrasar compra da CoronaVac

Andréia Martins, Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral*

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

27/05/2021 04h00Atualizada em 27/05/2021 18h43

Em depoimento de quase sete horas hoje à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, contradisse o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e culpou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pelo atraso nas negociações da compra da vacina CoronaVac pelo governo federal.

O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, senador Renan Calheiros (MDB-AL), considera que o depoimento de Dimas contradisse ainda as falas do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten. Ambos também já depuseram à CPI.

Segundo Dimas Covas, o acordo com o Ministério da Saúde quanto à CoronaVac não prosseguiu no ano passado em razão da manifestação pública de Bolsonaro de que o imunizante não seria comprado.

O dirigente do Butantan afirmou que as tratativas foram iniciadas com Pazuello, então ministro da Saúde. No entanto, as conversas foram prejudicadas após declaração de Bolsonaro contra o imunizante. Foi o episódio em que, após ser desautorizado publicamente pelo presidente, Pazuello disse: "Um manda, o outro obedece", em 22 de outubro de 2020.

Infelizmente, essas conversações não prosseguiram, porque houve, sim, aí, uma manifestação do presidente da República, naquele momento, dizendo que a vacina não seria, de fato, incorporada, não haveria o progresso desse processo"
Dimas Covas

Pazuello nega ter sofrido pressão de Bolsonaro para que não comprasse a CoronaVac. No entanto, declarações gravadas e públicas do presidente mostram o mandatário contra a compra da vacina e sua incorporação ao PNI (Programa Nacional de Imunizações).

O Butantan fez uma oferta de 100 milhões de doses da CoronaVac ao governo Bolsonaro em outubro de 2020, informou Dimas. Mas, até então, não havia "resposta positiva" do Ministério da Saúde em relação às negociações para aquisição do imunizante desenvolvido em parceria com o laboratório chinês Sinovac, disse.

Nesse mesmo período, Bolsonaro contestava publicamente a eficácia da CoronaVac e, num contexto de disputa política com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que não compraria o imunizante.

Durante a audiência, Renan Calheiros exibiu vídeo de live do presidente no qual Bolsonaro dá um recado ao tucano: "Arruma outro para pagar a sua vacina".

Senadores de oposição têm persistido na versão de que houve erro do ministério —e até mesmo crime— durante o processo. Aliados do presidente alegam que, à época, o imunizante não era aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

De acordo com o depoimento de Dimas, enquanto Bolsonaro manifestava sua resistência à CoronaVac, o Ministério da Saúde acabou por protelar as negociações com o Butantan, que pertence à estrutura do governo de SP, e recusou sugestão de apoio financeiro —os recursos seriam utilizados para reformar fábrica destinada à produção própria do imunizante.

"Em 7 de outubro, enviei novamente um ofício ao ministério, historiando e ofertando 100 milhões de doses, sendo que, desses 100 milhões, 45 seriam produzidas no Butantan até dezembro de 2020, 15 milhões de doses no final de fevereiro e 40 milhões adicionais até maio deste ano", afirmou Dimas.

A oferta de 100 milhões foi a segunda enviada ao governo federal pelo Butantan. Em julho de 2020, a entidade já havia se colocado à disposição para produzir 60 milhões de doses, com previsão de entrega no último trimestre do ano passado.

Diante da ausência de um posicionamento por parte do ministério, Dimas relatou que o instituto "reforçou o ofício" em 18 de agosto, com pedido de verba para financiamento dos estudos clínicos.

7.mai.2021 - Adversário político de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), encampou a articulação para a produção da CoronaVac no Brasil - Vinícius Nunes/Agência F8/Estadão Conteúdo - Vinícius Nunes/Agência F8/Estadão Conteúdo
7.mai.2021 - Adversário político de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), encampou a articulação para a produção da CoronaVac no Brasil
Imagem: Vinícius Nunes/Agência F8/Estadão Conteúdo

Ante ao contexto de disputa política, o dirigente do Butantan disse considerar que o Brasil perdeu uma oportunidade ter sido precursor da vacinação contra a covid-19 em escala global.

E afirmou que campanha nas redes sociais contra a CoronaVac foi prejudicial à credibilidade da instituição. Para ele, "questionar o Butantan significa questionar a qualidade da saúde pública brasileira".

Dimas também mencionou uma suposta demora da Anvisa para aprovar o uso emergencial da vacina. A liberação ocorreu em janeiro deste ano.

"Muitas vezes, declarei de público que o Brasil poderia ser o primeiro país do mundo a começar a vacinação, não fossem os percalços que nós tínhamos que enfrentar durante esse período, tanto do ponto de vista do contrato, como do ponto de vista também regulatório."

Hoje, a CoronaVac responde por mais de 70% de todas as doses contra a covid-19 aplicadas até o momento no Brasil.

China e entrega de insumos

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pediu a parlamentares que não falassem mal da China, um dos principais parceiros econômicos do Brasil e de onde vem os insumos necessários à fabricação da CoronaVac.

O Butantan chegou a ter de parar a produção da CoronaVac por falta de insumos suficientes no início do mês e cidades suspenderam a aplicação da vacina por falta de doses.

Doria acusou o governo federal de estar causando problemas diplomáticos com o país asiático, o que estaria atrasando o envio dos insumos e, assim, retardando ainda mais a vacinação no Brasil.

Quando na CPI, Ernesto Araújo defendeu jamais ter promovido atrito entre o Brasil e a China. Dimas Covas disse hoje:

Cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na imprensa da China. [...] Então, obviamente isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram normalmente resolvidas em 15 dias, e hoje demoram mais de mês para serem resolvidas."
Dimas Covas

Acordo anunciado e, depois, 'inflexão'

Dimas relatou que as conversas para a compra da CoronaVac pela União começaram a evoluir a partir de outubro, com "sinalização" por parte do Executivo federal de "existir uma medida provisória para atender esses pleitos".

Em 20 de outubro de 2020, Pazuello anunciou acordo com o estado de São Paulo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, com a incorporação da vacina ao PNI.

"Tudo, aparentemente, estava indo muito bem, tanto é que, no dia 20 de outubro, fui convidado pelo então ministro da Saúde, general Pazuello, para uma cerimônia no Ministério da Saúde onde a vacina seria anunciada como sendo uma vacina do Brasil", rememorou Dimas.

"Até, na sua fala, [Pazuello] disse: 'Esta será a vacina do Brasil: a vacina do Butantan, a vacina do Brasil'. E [o ex-ministro] anunciou, naquele momento, publicamente, com a presença de governadores, de parlamentares, que iria ser feita uma incorporação de 46 milhões de doses."

Um dia depois do anúncio, no entanto, Bolsonaro desautorizou o então ministro publicamente e disse que havia mandado cancelar qualquer protocolo assinado para a compra da CoronaVac.

Bolsonaro foi às redes sociais e escreveu que o Brasil não compraria "a vacina da China" ou a "vacina chinesa de João Doria".

Ao receber Bolsonaro no dia seguinte, Pazuello disse: "Um manda, o outro obedece".

A partir desse ponto, é notório que houve uma inflexão, e eu digo isso porque, no final da reunião, no dia 20, com a presença de vários governadores, vários parlamentares, saímos de lá muito satisfeitos com a evolução dessas tratativas e achávamos que, de fato, iríamos ter resolvido parte desse problema"
Dimas Covas

O primeiro lote da CoronaVac acabou sendo comprado pelo governo federal apenas em janeiro, numa disputa com o governo paulista para ver quem começaria efetivamente a vacinação no Brasil. A primeira dose da CoronaVac fora dos testes clínicos foi aplicada em São Paulo em evento com a presença de Doria, para dissabor de Bolsonaro.

Pazuello depôs por dois dias à CPI e foi reconvocado ontem. O novo depoimento ainda não tem data marcada, mas deve ficar para depois de 17 de junho.

Sem apoio financeiro

Dimas afirmou aos senadores que o Ministério da Saúde não ofereceu ajuda financeira para a conclusão dos estudos clínicos da CoronaVac.

Segundo Dimas, foram solicitados R$ 60 milhões para a construção da fábrica do Butantan e R$ 45 milhões para o estudo.

Questionado sobre o que motivou as negativas do ministério, Dimas disse ser "uma boa pergunta".

Ao longo da fala, Dimas Covas afirmou ainda que a tese da imunidade de rebanho "foi descartada há muito tempo" e que "tudo indica que haverá necessidade de doses anuais" da vacina contra a covid-19, como reforço, a exemplo da vacina contra a gripe.

*Com a colaboração de Ana Carla Bermúdez

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.