Pai de vítima de voo da Air France diz que não achar corpos gera 'angústia e ilusão'
A notícia, dada na segunda-feira pela Malásia, de que o voo MH370 teria caído no oceano Índico, deve dar início a uma nova etapa no sofrimento dos parentes das vítimas: o luto pela perda, sem que de fato o avião ou os corpos tenham sido encontrados.
Essa dor foi enfrentada por muitos dos familiares dos passageiros do voo AF447, da Air France, que caiu no Atlântico em 2009.
"Temos de ver o caixão e fazer o funeral. É fundamental fazer o enterro. Isso é um alento e permite que os parentes comecem a se conformar", disse à BBC Brasil Nelson Faria Marinho, presidente da Associação Brasileira de Familiares das Vítimas do Voo 447, a AFVV447.
Seu filho Nelson, de 40 anos, foi um dos 18 brasileiros identificados por legistas franceses no final de 2011, dois anos e meio após a tragédia que matou 228 pessoas.
O avião Airbus da Air France caiu no Atlântico enquanto percorria a rota Rio de Janeiro-Paris.
Marinho afirma que é mais difícil alguém viver a fase de luto se não conseguiu enterrar o membro da família. Há também um sentimento de apreensão por não saber onde está o parente falecido, afirma.
"Quem não conseguiu reaver os restos mortais de seu parente vive hoje uma angústia permanente e também uma ilusão. A pessoa ainda tem a esperança de que o familiar não morreu e que ele vai voltar um dia", afirma Marinho.
"É isso que 74 famílias estão sentindo hoje", diz o presidente da AFVV447, se referindo ao número de corpos que foram deixados definitivamente no fundo do Atlântico, entre eles os de 23 brasileiros.
As autoridades francesas alegaram, durante a operação de resgate, em 2011, que apenas os restos mortais que não estavam muito degradados e que tinham condições de ser entregues "decentemente" aos parentes seriam retirados do oceano, o que foi criticado por familiares, principalmente no Brasil.
Para as autoridades francesas, não havia condições técnicas de retirar os 74 corpos restantes, que haviam ficado dois anos a quase 4 mil metros de profundidade, sem danificá-los ainda mais.
Na época, Marinho já havia dito à BBC Brasil que "independentemente de seu estado de conservação, os restos mortais são importantes para finalizar a vida por meio de um enterro".
Identificação
Poucos dias após a tragédia, em 31 de maio de 2009, apenas 50 corpos que estavam flutuando no mar haviam sido resgatados, sendo 20 deles brasileiros.
Dois anos depois, após a localização da fuselagem, as autoridades francesas conseguiram resgatar 103 corpos.
Iniciou-se então um longo processo de identificação dos restos mortais, que durou cerca de seis meses e causou uma nova etapa de sofrimento para os familiares.
Além da grande expectativa para saber se os restos mortais do parente estariam entre os que haviam sido resgatados, também havia famílias que haviam perdido mais de um parente e que temiam que nem todos tivessem sido retirados do oceano.
O presidente da AFVV447 espera criar, com o apoio do governo federal, um museu no Rio de Janeiro. O objetivo, segundo ele, é criar um local de recolhimento para as famílias que não conseguiram enterrar seus parentes.
Voo MH370
O desaparecimento do voo MH370 da Malaysia Airlines, em 8 de março, trouxe à tona lembranças tristes para os parentes das vítimas do voo da Air da France.
"Quem perdeu um familiar no voo AF 447 vai se lembrar para o resto da vida. Dizem que com o tempo as coisas vão melhorando, mas isso não é verdade. Cada ano que passa o drama piora e a minha saudade aumenta", afirma Marinho.
"É uma dor que não dá para traduzir. Só vai acabar no dia em que eu morrer", diz ele.
Para Marinho, há várias semelhanças entre o voo AF 447 e o MH370 da Malaysia Airlines, que desapareceu após decolar de Kuala Lumpur rumo a Pequim com 239 pessoas a bordo.
"O número de passageiros é praticamente o mesmo. Ambos sumiram enquanto sobrevoavam o oceano e, nos dois casos, as autoridades deixaram as famílias perdidas e exasperadas com a falta de informações", diz.
Autoridades da Malásia afirmaram na segunda-feira que o voo MH370 caiu no sul do oceano Índico e que não deve haver sobreviventes.
Após 17 dias de angústia, a notícia provocou grande comoção entre os familiares chineses reunidos em um hotel em Pequim. Alguns foram levados em macas para ser socorridos.
Muitos familiares ainda acreditavam que seus parentes poderiam estar vivos no caso de um suposto sequestro do avião.
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