EUA criticam proposta de trégua e apresentam emendas para voto na ONU
Com mais de 50 apoios de várias partes do mundo e o provável voto favorável do Brasil, a Assembleia Geral da ONU se reúne nesta sexta-feira (27) para votar uma resolução que vai pedir uma "trégua" na Faixa de Gaza e uma negociação para o fim da guerra.
O governo de Israel já indicou que não concorda com o texto, enquanto os EUA classificaram a resolução como "ultrajante" e exigem mudanças. Nesta tarde, o governo do Paquistão anunciou que fará campanha contra as propostas americanas de modificação do texto.
O debate começou ontem, numa sessão marcada por ataques mútuos entre palestinos e israelenses, ameaças por parte do Irã e até a transmissão de um vídeo no qual um membro do Hamas decapitava uma vítimas.
O documento inicial do projeto de resolução falava em um "cessar-fogo imediato" e não citava os crimes cometidos pelo Hamas — o que levou o governo de Israel a atacar a ONU. Segundo a diplomacia israelense, quem defende um cessar-fogo quer que as "mãos de Israel sejam amarradas", permitindo espaço para o Hamas se rearmar.
Mas, em negociações na madrugada de hoje, os países árabes aceitaram uma mudança no texto, na esperança de atrair um maior número de votos e isolar americanos e israelenses.
O novo texto pede:
uma trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada que leve ao fim das hostilidades.
O pedido de "trégua humanitária" vem num momento em que a ONU alerta que corpos estão sendo empilhados em Gaza e que a ajuda que entra pelo Egito não atende nem a 4% da necessidade dos 2,2 milhões de palestinos. Hoje, a ONU também qualificou a situação como "crime de guerra".
O documento que será votado hoje também foi modificado para condenar a morte de civis israelenses. Mas não cita os autores palestinos dos massacres — o Hamas.
Diz a resolução:
Expressando grande preocupação com a mais recente escalada de violência desde o ataque de 7 de outubro e a grave deterioração da situação na região, em particular na Faixa de Gaza e no restante do Território Palestino Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e em Israel,
Condenando todos os atos de violência contra civis palestinos e israelenses, incluindo todos os atos de terror e ataques indiscriminados, bem como todos os atos de provocação, incitação e destruição.
EUA rejeita texto e exige emenda
Antes de sua votação, uma proposta de emenda do Canadá e EUA também será votada. Ottawa e Washington querem que o texto originalmente desenhado pelos países árabes traga uma referência explícita ao Hamas e a uma liberação imediata dos reféns.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberPara a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, o mundo "precisa condenar atos terroristas do Hamas". "Eles estão determinados a matar judeus. Nunca estiveram preocupados com as pessoas que dizem representar", disse. "É um absurdo que essa resolução não nomeie os autores dos ataques."
O projeto de emenda, portanto, estabelece que a ONU:
Rejeita e condena inequivocamente os ataques terroristas do Hamas que ocorreram em Israel a partir de 7 de outubro de 2023 e a tomada de reféns, exige a segurança, o bem-estar e o tratamento humano dos reféns em conformidade com o direito internacional e pede sua libertação imediata e incondicional;
Para a embaixadora, aceitar esse trecho "deveria ser fácil". "Isso é o mínimo", insistiu. De acordo com a diplomata, os palestinos são "descartáveis" para o Hamas e são usados como escudos humanos.
Outro problema para os EUA é a ausência de uma referência aos reféns feitos pelo Hamas. "Ela não fala dos inocentes, inclusive de muitos que vêm dos países de vocês", disse a embaixadora aos demais governos. "São omissões que dão poder para a brutalidade do Hamas."
"A ONU precisa mandar mensagem clara", afirmou Linda, lembrando que seu projeto no Conselho de Segurança já ia na mesma direção. Para ela, resoluções que lidam com apenas um lado da guerra "não vão ajudar". "São documentos retóricos que apenas nos dividem", completou.
Imediatamente depois do anúncio americano, a delegação do Paquistão fez um apelo aos governos na Assembleia Geral para que votem contra as emendas.
Aprovação serve como instrumento de pressão e isolamento dos EUA
Recorrer à Assembleia Geral foi a forma que os países árabes encontraram para romper com o impasse que passou a dominar o debate no Conselho de Segurança da ONU. No órgão que vota hoje o texto, basta uma maioria absoluta de votos — o que deve ser conquistado sem dificuldade.
Mas o texto, ainda que politicamente seja relevante, tem apenas um aspecto de recomendação, uma regra na ONU desde 1945.
Seu maior impacto será o de mostrar o isolamento de EUA e Israel no debate e, assim, aumentar a pressão para que o Conselho de Segurança da ONU destrave as negociações para uma resolução com maior poder.
Nesta semana, numa cena descrita por diplomatas como "circo macabro", o Conselho não conseguiu chegar a um acordo sobre como responder à crise em Gaza. Um texto proposto pelos EUA foi vetado por Rússia e China, que acusaram Washington de nem sequer pedir um cessar-fogo.
Instantes depois, foi Moscou quem sugeriu um novo texto. Mas sem qualquer referência ao direito de autodefesa de Israel, a proposta foi derrubada por não contar com o apoio mínimo de nove votos. EUA e Reino Unido votaram contra.
Outros dois projetos — um deles do Brasil — já tinham sido vetados na semana passada, ampliando a crise.
Diante do impasse, a solução encontrada pelos países árabes foi a de levar o tema para a Assembleia Geral, fórum no qual nenhum país tem poder de veto. Basta, portanto, o voto da maioria dos 192 países para que uma resolução seja aprovada.
Negociação e próximos passos
Ninguém na ONU acredita que Israel vai interromper seus ataques ou que os reféns serão soltos graças ao texto que será votado agora em Nova York. Mas um dos objetivos é de colocar pressão para que as potências cheguem a um acordo.
Nos bastidores, um grupo formado por Brasil, França, Suíça, Malta, China e outros países que fazem parte do Conselho tentam resgatar o projeto de resolução do Itamaraty como base de uma nova negociação.
O governo brasileiro busca um texto de consenso e espera que o grupo consiga circular uma proposta nos próximos dias.
O último texto brasileiro, segundo a versão da Casa Branca, não teve o apoio americano por não incluir a tese da autodefesa de Israel. Mas, para russos, esse termo significaria um sinal verde para continuar atacando, sem que não haja uma referência explícita sobre um cessar-fogo.
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