Agenda vazia, 'teatro' e articulação: os bastidores da reunião golpista
Quando alguns dos participantes da reunião convocada pelo Palácio do Planalto receberam a notificação de que os ministros deveriam estar no encontro com o então presidente Jair Bolsonaro (PL) em meados de 2022, um fato causou estranhamento — ao contrário das demais reuniões ministeriais, esta não tinha agenda ou pauta oficial.
Ao iniciar o encontro, aqueles que não sabiam o motivo da convocatória logo entenderam a razão pela qual a agenda estava vazia. E, perplexos, também entenderam que havia uma organização de quem tomaria a palavra.
O UOL conversou com três funcionários do governo de Jair Bolsonaro que estavam na sala no momento das falas que apontaram caminhos antidemocráticos e golpistas. Na condição de anonimato, todos disseram que sentiram que havia, de fato, um objetivo com a reunião e que nem a filmagem teria sido um sinal de amadorismo.
A reunião aconteceu em 5 de julho de 2022. O vídeo do evento fechado foi encontrado no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Agora, seu conteúdo faz parte das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado. Em vários momentos do encontro, o então presidente pede a seus ministros que atuem para impedir a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição de outubro do mesmo ano.
Segundo um dos funcionários do então governo, o intuito do encontro começou a ficar claro à medida que Bolsonaro e alguns de seus ministros mais próximos tomavam a palavra. Para quem não sabia o que iria acontecer, houve a impressão de que nada daquilo era espontâneo. Segundo um deles, era um "teatro" para tentar escalar e ampliar a ideia de contestar os resultados da eleição.
"A impressão de alguns de nós era de que tudo aquilo já havia sido combinado antes", disse outra fonte. "Não tinha agenda, mas tinha um script pré-acertado".
"Era como se eles soubessem quem era o próximo na fila para falar e o que deveriam dizer", afirmou o terceiro deles.
Para os funcionários que estavam no local, havia um sentimento de que o encontro serviria para criar um ambiente de articulação e de que a iniciativa seria "carimbada" pelo gabinete.
As três fontes que atuavam no Palácio do Planalto confirmaram ao UOL que, naquele dia, a reunião de Bolsonaro com os embaixadores estrangeiros já tinha sido decidida e que um pequeno grupo de pessoas no Executivo já atuava nesse sentido.
Durante o encontro, Bolsonaro sugere que faria o evento — no dia 18 daquele mês, os diplomatas estrangeiros em Brasília seriam chamados à sede do Poder Executivo. Na ocasião, ele criticou as urnas eletrônicas e acusou o sistema de não ser seguro — sem apresentar qualquer tipo de prova. No ano seguinte, o TSE condenou Bolsonaro e o tornou inelegível até 2030.
Para quem estava na reunião de julho e fora do grupo mais restrito de Bolsonaro, nem a filmagem e as falas "está filmando?" ocorreram por acaso. Para dois deles, existia uma esperança de que, de fato, o encontro fosse usado para dar uma espécie de respaldo ministerial para uma eventual ação — o que acabou sendo frustrado.
Ao final do encontro, quem pôde deixou rapidamente o local, dizem as testemunhas ouvidas pela coluna. "Foi um pesadelo", finalizou um deles.
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