Bolsonaro teria asilo e palanque seguro na embaixada húngara
Bolsonaro, certamente, não passou dois dias na embaixada da Hungria para discutir sobre ter o conde Drácula nascido na Transilvânia magiar ou na romena.
Nem mesmo uma estada para se inteirar a respeito da lapidação heroica de santo Estêvão, primeiro mártir da cristandade e patrono do povo húngaro.
Segundo nota da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, a estadia na embaixada deu-se para "manter contatos com autoridades do país" e atualizar os diplomatas magiares a respeito do "cenário político das duas nações".
A declaração não convenceria nem a personagem crédula da 'Velhinha de Taubaté', criada pelo escritor Luis Fernando Veríssimo.
A verdade é que nem a medida cautelar judicial de apreensão do passaporte surtiu efeito. Bolsonaro continuou a tramar a fuga.
A escolha do lugar
Bolsonaro, depois da derrota eleitoral e da tentativa de golpe no 8 de janeiro, passou a preocupar-se com a escolha de um local para fuga. O seu périplo de escolha de local seguro iniciou-se por Orlando (EUA) e de lá só retornou ao sentir que a sua prisão preventiva não seria imposta.
Com Biden em um novo mandato presidencial, Bolsonaro não se sentiria seguro de não ser extraditado.
Caso Trump vença a eleição, tudo mudará, e o resort Mar-a-Lago, em Palm Beach, poderá num futuro próximo transformar-se em novo domicílio de Bolsonaro, sem pagar pela locação — com o locador na Casa Branca. Com o amigo Trump, Bolsonaro poderia até conseguir ingressar nos EUA sem passaporte.
Itália descartada
Da sondagem de Bolsonaro já fez parte a Itália. Pela constituição italiana de 1948, a cidadania baseia-se no "jus sanguinis" (direito de sangue), e Bolsonaro tinha avós nascidos na região do Vêneto. Sendo assim, poderia postular o reconhecimento da cidadania italiana, aliás, como fez e obteve Eduardo Consentino Cunha, ex-presidente da Câmara cassado e condenado criminalmente.
O "longa manus" de Bolsonaro na Itália é o radical direitista Matteo Salvini, atual vice-primeiro-ministro e líder do partido Lega Nord, já separatista da Itália e hoje federalista.
Pelo que se sabe, Bolsonaro abandonou a ideia num momento em que, em entrevistas, afirmava convicto :"Eu sou também italiano". Falou dos avós embora nunca tivesse pisado na Itália antes de ser presidente.
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Quero receberA desilusão peninsular de Bolsonaro aconteceu quando lembraram-lhe do caso Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil e detentor de dupla cidadania. Para não se extraditado, depois de fuga para a Itália, Pizzolato invocou a condição de cidadão italiano.
Sem titubear, a Itália concedeu a extradição solicitada pelo Brasil sob o argumento de a cidadania brasileira ser a predominante. Afinal, Pizzolato nunca havia residido nem trabalhado na Itália.
Diante do golpismo galopante, inquéritos, discursos ofensivos e atuação como suspeito de autoria de crimes continuados de peculato, no caso das joias sauditas, Bolsonaro teve, como medida cautelar e no âmbito da lei processual penal, de entregar o passaporte. À época suspeitava-se de fuga.
Tal cautela consistente na apreensão do passaporte, como mostram indícios consistentes, levou Bolsonaro a buscar uma outra porta emergencial para evitar a prisão preventiva.
O amigo Orbán
Durante toda as suas permanentes autuações golpistas, Bolsonaro, quando a incriminação dirigia-se para o lado, jogava alguém ao mar, ou melhor, fugia da responsabilização.
No popular, é um fujão. Só que, dada a condição de criminoso habitual, Bolsonaro não para de delinquir, de difundir uma cultura tendente à abolição da democracia e do Estado de Direito.
Nos dois dias de estada na embaixada da Hungria, Bolsonaro testou a opção do asilo político. Os consulados são considerados territórios invioláveis dos países de origem. Da porta ou da janela o asilado pode discursar.
Bolsonaro passaria do cercadinho do tempo de presidente ao cercado diplomático. De Brasília, e não do exterior, teria liberdade para agitar e tumultuar.
A propósito, Bolsonaro é íntimo do autocrata húngaro Viktor Mihaly Orbán, primeiro-ministro há 24 anos. O húngaro já saiu diversas vezes em defesa das posturas antidemocráticas de Bolsonaro.
Internacionalmente, Orbán é um pária, como foi Bolsonaro. Pertence ao grupo antieuropeísta formado pela francesa Marine Le Pen, o britânico Nigel Farage e o já supracitado Matteo Salvini.
Agitador eurocético, o húngaro ficou conhecido por ter cercado com arame farpado as fronteiras com a Sérvia e Romênia. A sua meta foi impedir a passagem de imigrantes, homens, mulheres e crianças, todos famintos e foragidos de guerras e calamidades, procedentes da Síria e do Afeganistão.
Por temer na Hungria a influência de George Soros, filantropo com nacionalidades húngara e americana, Orbán fechou a Universidade Central Europeia — fundada e mantida por Soros, acuso pelo autocrata de ser pró-globalização e um humanista a favor da imigração.
Atenção: Bolsonaro promoveu na avenida Paulista um encontro onde o mote era a luta pela democracia. Tem a garantia de asilo com Orbán, um ditador, radical de direita, embora tenha militado na juventude comunista magiar.
O exemplo de Julian Assange
Em sua busca, Bolsonaro não deve ter descartado o exemplo do jornalista Julian Assange, que fugiu para a embaixada do Equador, em Londres.
Só que Assange, em julho de 2019, foi tirado à força da embaixada e restou colocado em presídio inglês de segurança máxima. No momento, aguarda decisão de extradição para os EUA.
Com efeito, Bolsonaro não projetou a longo prazo uma eventual queda de Orbán e a chegada de um novo governo, como aconteceu no Equador, resultando na revogação do asilo de Assange e seu despejo.
Prisão preventiva
Não se pode juridicamente descartar a decretação da prisão preventiva de Bolsonaro. Moraes pode impor a medida, após ouvir a Procuradoria-Geral da República.
Afinal, Bolsonaro buscou, quando teve o passaporte apreendido, outros caminhos de fuga, sem necessidade do referido passaporte.
A lei processual autoriza, na fase de inquérito, a imposição da prisão preventiva para "assegurar a aplicação da lei penal" (artigo 312 do CPP).
Basta ter olhos de ver para perceber estar Bolsonaro tentando buscar um refúgio a garantir impunidade. Por outro lado, o ex-presidente não para de agitar, perturbar, difundir uma cultura golpista, tudo a afetar a ordem pública e tirar a tranquilidade social. Esses motivos também autorizam a custódia preventiva.
Pano rápido
A prisão preventiva de Bolsonaro já tarda. A continuar a ser adiada essa decretação, os cultores do Estado de Direito e de uma sociedade democrática correrão o risco de em breve lamentar o "leite derramado".
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