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CPI: Terra mente sobre lockdown e omite defesa de imunidade de rebanho

Juliana Arreguy e Beatriz Montesanti

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em São Paulo

22/06/2021 17h58Atualizada em 20/07/2022 21h47

O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) mentiu, em seu depoimento hoje à CPI da Covid no Senado, ao afirmar que a adoção de medidas de isolamento social, como o lockdown, não ajudam a conter a disseminação da covid-19. Evidências científicas contrariam o que disse Terra sobre estes temas.

Terra também omitiu o teor de declarações anteriores suas no sentido de que a imunidade de rebanho seria atingida pelo contágio, antes da vacinação, e repetiu a mentira de que o STF (Superior Tribunal Federal) impediu a atuação do governo de Jair Bolsonaro no combate à pandemia. O deputado federal seria um participante do chamado "gabinete paralelo" que teria prestado consultoria ao presidente da República em questões relacionadas à pandemia. Veja abaixo esclarecimentos sobre alguns dos principais temas citados por Osmar Terra no depoimento à CPI da Covid:

Medidas de isolamento

O deputado afirmou, em seu depoimento, que concorda com Bolsonaro no ponto de que "quarentena e lockdown não funcionam". No entanto, há diversos estudos publicados em revistas científicas de prestígio que atestam que o lockdown funciona para conter o vírus.

O coronavírus é espalhado por meio de gotículas e aerossóis — liberados na fala, em tosses e espirros, por exemplo — e o seu contágio é feito de pessoa a pessoa. Estudos do ano passado indicam que um indivíduo infectado pode transmitir o vírus a outras seis pessoas simultaneamente.

As medidas de distanciamento social buscam reduzir a proximidade entre as pessoas e, com isso, as chances de que troquem gotículas e contraiam o vírus. Já o isolamento visa evitar a maior circulação de pessoas; quanto menos gente circulando, menor o risco de contágio. O lockdown, termo em inglês, significa o bloqueio total de uma área em que o cidadão fica impedido de circular em vias públicas sem apresentar motivos de emergência. É a mais restritiva medida de isolamento social.

Osmar Terra comparou erroneamente as cidades de Araraquara (SP) e Chapecó (SC), que adotaram medidas restritivas para conter a covid-19, para tentar justificar suposta ineficácia das ações: "Está aí o prefeito de Araraquara fazendo o terceiro lockdown, e comparando com Chapecó, que não fechou mais, não tem diferença nenhuma".

A comparação é descabida, pois a Prefeitura de Araraquara anunciou, na semana passada, o segundo lockdown — e não o terceiro — para reduzir o aumento de casos da covid-19. A cidade tem menor quantidade de mortes e maior população em comparação a Chapecó, além de apresentar menor taxa de óbitos a cada 100 mil habitantes. Chapecó adotou restrições pela primeira vez ao fim de fevereiro.

O deputado também afirmou de forma descontextualizada que o contágio "é maior em casa". Segundo especialistas consultados pela BBC, de fato as famílias tomam menos medidas de precaução dentro de suas residências e isso propicia a transmissão do vírus. No entanto, o coronavírus vem de fora do ambiente — ou seja, da rua. Isso reforça a necessidade do uso de máscaras, álcool gel e higienização das mãos quando fora do ambiente.

Imunidade de rebanho

A imunidade de rebanho, defendida por Osmar Terra, se sustenta na ideia de que é possível atingir um ponto em que há uma quantidade suficiente de pessoas em determinada população que sejam imunes ao vírus, interrompendo assim a transmissão comunitária.

No entanto, após mais de um ano de pandemia, a comunidade científica não sabe precisar a proporção da população que deve estar imunizada para que isso de fato aconteça. Além disso, tornou-se consenso o entendimento de que dificilmente o vírus pode ser neutralizado dessa forma, devido a uma série de fatores.

Em janeiro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) alertou para o fato de que, apesar de a vacinação ter começado na maior parte dos países, o mundo não alcançaria esse tipo de imunidade em 2021.

Anthony Fauci, chefe do National Institute of Allergy and Infectious Diseases e um dos médicos que está liderando os esforços contra a covid-19 nos Estados Unidos, estima que pelo menos 70% da população americana precisa estar imunizada. Outros especialistas, no entanto, acreditam que nada menos que 80% a 90% da população total do país precisaria ter sido vacinada para atingir esse objetivo.

As porcentagens também podem variar de acordo com a situação epidemiológica de cada localidade, como mostrou um estudo feito pelo grupo Ação Covid sobre o Brasil, formado por pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras.

Cientistas que já falaram ao UOL chamam atenção ainda para o fato de que o caminho para se chegar à imunidade coletiva deve ser pela vacinação da população, e não pela contaminação, que tem consequências desastrosas, com esgotamento de sistemas de saúde, sequelas e milhares de mortes.

Hoje, na CPI, Osmar Terra afirmou que nunca houve proposta para "deixar a população se contaminar livremente" para atingir a imunidade de rebanho, e que ele nunca defendeu essa estratégia. Mas em outubro do ano passado, o deputado fez um post no Twitter sugerindo — de forma enganosa — que pandemias acabam por meio da disseminação da doença, não com vacinas. Segundo levantamento do site Aos Fatos, desde o início da pandemia, Terra publicou 135 tweets com teses incorretas sobre imunidade de rebanho.

Outra questão importante em relação a essa possibilidade é a de que não se sabe o tempo de duração da imunidade, tanto no caso da vacina, quanto após a infecção. O cenário torna-se ainda mais incerto com o surgimento de novas variantes, mais agressivas e contagiosas, e que já mostraram contaminar mesmo pessoas que contraíram o vírus anteriormente. Por isso, as pessoas que já contraíram o vírus precisam tomar a vacina.

Um exemplo é o caso de Manaus. Após a primeira onda na capital amazonense, em 2020, acreditou-se que como grande parte da população já havia sido infectada, a tendência seria de os casos caírem devido a uma suposta imunidade de rebanho. Com isso, a cidade relaxou medidas de isolamento social e, como consequência, uma segunda onda atingiu Manaus de forma muito mais letal.

Especialistas também alertam para o fato de que mesmo com a vacinação é necessário manter medidas de contenção da doença. Além do isolamento, a higiene das mãos e o uso de máscaras são cruciais para reduzir a circulação do vírus e, consequentemente, o surgimento de novas mutações.

STF não impediu governo federal de atuar na pandemia

O STF (Supremo Tribunal Federal) não impediu ou limitou a atuação do governo federal no combate à pandemia, como afirmado por diversas vezes por Osmar Terra e também pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Supremo decidiu que, de acordo com a Constituição, estados, municípios e União têm competência compartilhada no combate ao coronavírus.

O tribunal já rebateu declarações feitas nesse sentido, em uma nota divulgada em janeiro deste ano, após sofrer ataques de Bolsonaro. "Conforme as decisões, é responsabilidade de todos os entes da federação adotarem medidas em benefício da população brasileira no que se refere à pandemia", dizia o texto.

As decisões de duas ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e uma ADPF (Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental) deram a estados e municípios a autonomia para fixar medidas de prevenção à Covid-19. Na prática, a corte impediu o presidente de flexibilizar o isolamento social e adotar medidas não recomendadas por cientistas e estudiosos na área, mas não o eximiu de agir no combate à pandemia.

Dados sobre outros países

O deputado fez comparações equivocadas citando casos de países que, segundo ele, demonstram que o lockdown não é efetivo. A maioria dos lugares adotou alguma medida restritiva e, em outros, como na Coreia do Sul, houve políticas de testagem em massa e isolamento de casos com sintomas.

  • Coreia do Sul

A Coreia do Sul tem 151.901 casos e 2.006 mortes, segundo o painel da universidade americana Johns Hopkins. Embora não tenha adotado lockdown, investe desde o ano passado na testagem em massa da população, no isolamento de pessoas com sintomas da covid e no uso de máscaras e respeito às medidas de distanciamento social nos locais.

Quando uma pessoa recebe resultado positivo para o vírus, todas as outras pessoas que tiveram contato com ela são contatadas e orientadas a se isolarem, mesmo que não apresentem sintomas. O país tem uma taxa de 3,9 óbitos por covid-19 a cada 100 mil habitantes. A taxa brasileira é de 239,2 mortes por 100 mil habitantes.

  • Japão

Embora não tenha implementado um lockdown, o Japão adotou rígidas medidas de restrição diversas vezes desde o ano passado. À medida que o contágio reduzia, o país abria novamente o comércio e, diante da maior circulação da população, enfrentava novo aumento de casos e mortes. Em janeiro deste ano, o país emitiu um alerta para 11 de 47 prefeituras — onde mais da metade da população do país se concentra —, pedindo que as pessoas ficassem em casa e evitassem deslocamentos desnecessários.

Em abril, o Japão decretou novas medidas restritivas em Tóquio e outras regiões. A partir do dia 20 de junho, iniciaram a suspensão do novo estado de emergência, mas mantiveram restrições de horários em Tóquio em função dos Jogos Olímpicos. O país já registrou 787.997 infectados e 14.451 óbitos e tem taxa de 11 mortes a cada 100 mil habitantes.

  • Suécia

O país adotou políticas de isolamento menos restritivas no início de 2020 e teve a quantidade de casos e mortes agravada ao longo do ano, segundo checagem feita pela agência Lupa. Em dezembro, após resistência à adoção de restrições, houve superlotação de leitos de UTI em Estocolmo, capital do país.

No mês de junho, uma investigação parlamentar direcionou várias críticas ao governo pela forma com a qual lidou com a pandemia. O Parlamento sueco afastou o primeiro-ministro, após votação realizada ontem (21), após uma série de insatisfações de aliados e opositores com o combate ao vírus. A gota d'água foi a decisão do premiê de suspender uma lei que congelava preços de aluguéis e que havia sido adotada para auxiliar a população durante a crise. O país tem 1.088.014 casos e 14.608 óbitos pela covid, e a taxa de 144 mortes a cada 100 mil habitantes.

  • Reino Unido

O Reino Unido teve grande redução de notificações por covid-19 após a adoção, mais de uma vez, de lockdowns, além de apresentar vacinação avançada da população — o governo britânico estima que três em cada quatro adultos já receberam ao menos uma dose dos imunizantes. O país soma 4.656.538 casos e 128.245 mortes, e apresenta a taxa de 188 óbitos a cada 100 mil habitantes.

  • Argentina

Com 4.277.395 casos e 89.490 mortes, e taxa de 198 mortes a cada 100 mil habitantes, a Argentina vê o aumento de notificações por covid desde abril. O governo decretou, em 2020, medidas restritivas durante três meses e manteve o contágio relativamente baixo. No entanto, com a flexibilização do comércio os casos voltaram a crescer e levaram o governo a, novamente, endurecer restrições no país. Além disso, o atraso no início da vacinação e a lentidão com que ela ocorre também são fatores apontados como decisivos no aumento de casos e mortes.

Mortes em asilos

Terra afirma que, caso o isolamento funcionasse, as taxas de mortalidade não seriam altas em asilos, e citou dados sobre EUA, Canadá e Suécia, sem revelar fontes. O deputado ignora, no entanto, que idosos em asilos não estão isolados em muitos casos, tento contato, por exemplo, com funcionários e familiares em espaços confinados. Além disso, o fato de pertencerem ao grupo de risco faz com que os índices de letalidade sejam elevados.

O New York Times estimou no começo de junho que as mortes de moradores e funcionários de asilos representam quase um terço dos óbitos por covid-19 nos EUA. Este número chegou a ser maior —43% das mortes no país— mas diminuiu desde que a vacinação começou.

O jornal destacou, no entanto, que segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, residentes de asilos têm mais risco de serem infectados e morrerem pelo coronavírus. Isso porque a doença é particularmente letal entre maiores de 60 anos com comorbidades. Além disso, o vírus se espalha com maior facilidade em ambientes compartilhados.

Um artigo publicado por acadêmicos suecos diz que, em maio de 2020, as mortes em asilos representavam 70% dos óbitos por covid-19 no país, mas o estudo também diz que o contágio é facilitado pelo fato de os funcionários de asilos servirem como ponte entre o ambiente externo e interno; e que os idosos, em altas proporções têm comorbidades como hipertensão e diabetes — ou seja, os idosos são mais frágeis e não ficam totalmente isolados em asilos.

No Canadá, o governo local estimou, em junho de 2020, que 80% das mortes por covid-19 no país tinham ocorrido em asilos. No entanto, um documento do próprio governo canadense recomendava que a resposta deveria ser reforçar a prevenção ao contágio em asilos junto com medidas de isolamento na sociedade mais ampla.

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