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Tragédia em Brumadinho

Vale diz que inspecionou barragem de Brumadinho 3 dias antes de rompimento

Pedro Graminha

Do UOL, em São Paulo

02/02/2019 01h01

Em 22 de janeiro, três dias antes de a barragem 1 de Brumadinho (MG) se romper e causar uma das maiores tragédias humanas do país, a estrutura passou por inspeção periódica da Vale, segundo a própria mineradora. O procedimento não teria detectado nenhuma irregularidade.

A empresa disse ainda fazer inspeções quinzenais em suas estruturas, conforme manda a Política Nacional de Segurança de Barragens, de 2010. Assim, a barragem da Mina do Feijão também teria sido inspecionada em 8 de janeiro.

No sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão fiscalizador de barragens no Brasil, a última inspeção cadastrada para essa barragem data de 21 de dezembro -- pouco mais de um mês antes da queda da estrutura.

O que deu errado, então? Diversos focos de investigação já foram iniciados. A Polícia Civil começou a ouvir sobreviventes, tentando remontar o que aconteceu em 25 de janeiro, e o Tribunal de Contas da União (TCU) prepara uma investigação sobre a atuação da ANM. A Vale diz ser a maior interessada em apurar as causas do vazamento.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, o país precisa de mudanças na maneira como lida com as barragens. Entre elas, exigir a fiscalização por terceiros e criar uma cultura de manutenção e segurança - algo observado pela Vale em outros países em que atua, como Canadá e Austrália.

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Quem fiscaliza? 

Para o professor titular de engenharia de Minas da USP, (Universidade de São Paulo), Sérgio Eston, as barragens deveriam ser vistoriadas por agentes externos -- como o governo. "É a raposa tomando conta do galinheiro", diz, sobre as fiscalizações feitas pelas próprias empresas.

"Eu não acredito em nada do que a Vale diz. Como está Mariana? Pagaram todas as indenizações ou os advogados ainda estão discutindo? Eles estão preocupados com quanto a empresa subiu na bolsa e o bônus da diretoria, não com o que aconteceu lá", diz.

Mas a fiscalização governamental esbarra em deficiências do setor público: falta gente, estrutura e há dúvidas sobre a lisura do processo.

"A gente precisa de uma fiscalização com gente suficiente e competente. Além disso, falta material para os fiscais, carro. Tem que ser feita uma agência de fiscalização de barragens central. Quando se tem muitos órgãos que fiscalizam ninguém é culpado, um vai jogando para o outro", afirma.

A Agência Nacional de Mineração (antigo DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral) tem apenas 34 funcionários para fiscalizar as 205 barragens minerais no país. 

Lei não é exatamente o problema

Para o professor Sérgio Eston, a fiscalização e as normas brasileiras em média, são boas, mas há uma questão cultural de não-cumprimento das normas.

José Marques Filho, vice-presidente do Comitê Brasileiro de Barragens, organização vinculada ao Comitê Internacional para Grandes Barragens (Icold, na sigla em inglês) tem avaliação similar: a legislação nacional poderia ser aperfeiçoada, mas não é esse o ponto central.

"O que precisa é que as questões de segurança sejam percebidas incessantemente, tendo uma mudança cultural que priorize as questões de segurança", afirma.

Marques filho cita também a capacitação da mão de obra como um ponto de atenção.

"Somos um país com muita experiência, tanto que temos obras icônicas, como Belo Monte e Itaipu. Temos tecnologia, mas precisamos garantir que seja disponível e que as empresas contratem apenas aqueles que têm a qualificação adequada", diz.  

Vale está em países 'exemplares'

Marques Filho citou Portugal, Noruega, Canadá e Austrália como bons exemplos em termos de mineração. Canadá e Austrália também são elogiados pelo professor Eston.

Em nenhum desses locais, a lei não é especialmente mais rígida do que a nossa. Mas a aplicação de punições, a fiscalização e a cultura de segurança são mais eficazes.

"Desde o projeto de uma barragem nesses países, está embutido uma série de procedimentos claros e transparentes para que as pessoas não se esqueçam nunca da segurança e que ela continue sendo o ponto focal de todas as ações", avalia Marques Filho.

"Os fiscais não podem só multar, têm que interromper a operação, como é feito na Austrália. Coisas sérias como barragens e explosivos, se você interditar, todo mundo resolve (os problemas)", explica o professor Sérgio Eston.

Uma das maiores mineradoras do planeta, a Vale atua em cerca de 30 países, incluindo o Canadá e a Austrália. Não há registros de grandes problemas nessas localidades.

No Relatório de Sustentabilidade de 2017, a Vale diz que, nas operações brasileiras, além de seguir a legislação internacional, adota "as melhores e mais rigorosas práticas internacionais, cujos padrões ultrapassam as exigências legais". Entre as referências internacionais citadas no Relatório está a Associação de Mineração do Canadá (MAC, na sigla em inglês) e o Icold.

Ao UOL, a Associação de Mineração do Canadá (MAC, na sigla em inglês) disse que a Vale segue as leis e os requisitos de monitoramento e segurança exigidos pelo país, mas não repete os mesmos padrões de segurança em outros países. Questionada, a empresa declarou "cumprir a legislação específica de cada país"

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