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Tragédia em Brumadinho

Com uma semana de atraso, Brumadinho volta às aulas e tenta virar a página

Bernardo Barbosa

Do UOL, em Brumadinho (MG)

11/02/2019 17h40Atualizada em 12/02/2019 09h55

Com uma semana de atraso em relação ao calendário escolar original, as escolas públicas de Brumadinho (MG) iniciaram o ano letivo hoje com o desafio não só de ensinar português e matemática, mas também de acolher e funcionar como espaço de recomeço.

Entre mais de 7.000 alunos da cidade, há relatos de crianças que perderam familiares ou convivem com ruas tomadas pela lama que vazou da barragem da Vale há pouco mais de duas semanas. Já está em 160 o número de óbitos confirmados, e outras 160 pessoas continuam desaparecidas.

Um aluno perdeu o tio, outro o vizinho, o primo está desaparecido. Outros três, pelo menos, perderam o pai

Clélia Ribeiro, diretora de escola em Brumadinho

Diante desse cenário, diretores de escolas públicas da região contam que os alunos estavam ansiosos para voltar às aulas -- não só para rever amigos, mas também para pensar em outra coisa que não o desastre da barragem da mina de Córrego do Feijão.

Para a secretária municipal de Educação, Sônia Barcellos, Brumadinho "precisava voltar às aulas." 

"O clima da cidade era de velório. Em todos os lugares, o assunto era só a tragédia. A volta às aulas muda o clima da cidade", disse.

"Não fico aqui não, acabou": relatos de parentes das vítimas

UOL Notícias

Mães pediam aulas "depressa"

Os estudantes não eram os únicos que queriam e precisavam da retomada da rotina nas salas, disse a diretora da Escola Municipal Maria Solano Menezes Diniz, Clélia Ribeiro.

"Mães me pediam: pelo amor de Deus, começa essas aulas depressa para eu tirar esses meninos desse conflito constante", declarou. 

Outra mãe, segundo a educadora, disse que não aguentava mais ver a filha olhando para a lama, de olhos arregalados.

Clélia ouviu as declarações durante visita ao bairro Parque da Cachoeira, o mais afetado pelo rompimento da barragem. Ela estima que 40% dos 420 alunos da escola que dirige, com estudantes do Maternal 2 ao 9º ano do Ensino Fundamental, morem lá. 

"Nós tivemos um aluno sobrevivente. Sobreviveu por milagre mesmo", disse.

"A importância da escola nesse momento era, principalmente, tirá-los daquele meio", completou.

A diretora da Escola Municipal Padre Machado, Alice Porfírio, definiu a escola como "lugar de acolhimento, de ser feliz." Lá estudam 750 alunos do 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental.

"O intuito de começar o mais rápido possível é isso mesmo: tirar os alunos dessa tragédia", explicou. "Todos perderam parentes, amigos, vizinhos, e aqui é o lugar onde vão externar esses sentimentos, além da casa deles."

Chega de "papo de tristeza"

Alice Porfirio - Bernardo Barbosa / UOL - Bernardo Barbosa / UOL
A diretora da Escola Municipal Padre Machado, Alice Porfírio: com volta às aulas, objetivo é tirar alunos da tragédia
Imagem: Bernardo Barbosa / UOL

O diretor da Escola Estadual Paulina Aluotto, Márcio Roberto Lopes de Souza, disse ter ouvido de alunos que a escola era "o conforto". Os estudantes também relataram, segundo ele, que queriam "parar com esse papo de tristeza, de perda".

"Mesmo aqueles que perderam [alguém], acho que ficaram melhor do lado dos colegas, das amigas", afirmou. "Sai um pouco do ambiente da casa que está em luto, da rua que está em luto."

Conhecido por todos na escola como Guru, Souza disse que "três ou quatro alunos" perderam os pais, e muitos dos 487 estudantes da escola de ensino médio integral ficaram sem vizinhos, primos. "E uma grande parte dos que faleceram são nossos ex-alunos", declarou.

Como é inevitável em momentos como os vividos em Brumadinho, às vezes a dor é maior que a força para seguir adiante. Em escolas visitadas pela reportagem, os diretores relataram que houve necessidade de atendimento psicológico a pelo menos dois alunos e um funcionário. Segundo a secretária de Educação, Sônia Barcelos, psicólogos estão espalhados pelas 24 escolas da cidade (21 municipais e três estaduais).

"Esse custo não deve ser do município. Esse custo deve ser de quem trouxe o dano para o município", disse Sônia.

Em nota, a Vale afirmou que "está prestando atendimento psicossocial, com psicólogos, assistentes sociais e médicos a todos os atingidos". O atendimento pode ser solicitado pelo telefone 0800 031 0831.

Ainda segundo a mineradora, professores da rede municipal receberam treinamento para lidar com situações de pós-trauma. A empresa também disse que, desde hoje, 22 psicólogos atuam no "suporte direto a professores e alunos" nas escolas da região.

Segundo a diretora Alice Porfírio, os psicólogos devem ficar nas escolas por "tempo indeterminado". 

"A vida segue"

Perto do fim da primeira manhã de aulas pós-tragédia, o sentimento dos educadores era de aliviar e dividir o fardo de seus estudantes.

"Nós estamos aqui para recebê-los com o maior amor do mundo. A dor deles é a minha dor também. Mas nós vamos, precisamos recomeçar, retomar nossa vida. E nós, enquanto adultos, vamos ajudá-los. Nós, como educadores, estamos aí para isso", disse Clélia. 

Para Guru, "a vida não para, segue. Segue com dor, com luto, mas ela segue, não pode parar. Se a gente parar, os meninos não vão conseguir seguir em frente.

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