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Quadrilha recrutou especialistas para ação em Varginha, aponta investigação

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

06/11/2021 04h00

A quadrilha suspeita de planejar um mega-assalto em Varginha (MG) recrutou especialistas em ações aos moldes do "novo cangaço" para dominar as forças de segurança, fazer moradores reféns e roubar R$ 65 milhões de uma central de distribuição de valores do Banco do Brasil, segundo as investigações da polícia. A ação, no entanto, não foi executada —os suspeitos foram mortos pela polícia. É o mesmo tipo de alvo do ataque no fim de agosto em Araçatuba (SP) e com o mesmo tipo de estratégia, conforme revelou o UOL.

Fontes ligadas às investigações detalharam o plano do grupo, que teria sido idealizado por criminosos atrás das grades e formado com o apoio de ao menos quatro núcleos. Dois deles ficavam no interior de Minas Gerais. Mas os suspeitos apontados como os mais experientes pelos investigadores vieram de Rondônia, Maranhão e Goiás.

A ação policial com 26 suspeitos mortos é a mais letal contra casos apontados como "novo cangaço". Nenhum policial se feriu. A operação é investigada.

Um relatório de inteligência da polícia de Minas Gerais, ao qual o UOL teve acesso, identificou os 26 suspeitos mortos na ação na madrugada deste domingo em Varginha e permitiu o rastreamento da estrutura da organização criminosa especializada em assaltos a banco com a tática também conhecida como "domínio de cidades", com o uso de fuzis, explosivos e veículos blindados.

Segundo a polícia, a quadrilha usaria uma carreta para a fuga. Os crimes ligados aos suspeitos mortos na ação policial envolvem assassinatos, assaltos a mão armada, confronto com integrantes das forças de segurança e fuga da cadeia, segundo a polícia. O UOL não localizou representantes dos suspeitos.

Roubo no Paraguai e planejamento com apoio de presos

De acordo com fontes ligadas ao caso, investigado pela Polícia Federal, Polícia Civil e Ministério Público e pela própria Polícia Militar de Minas Gerais, havia no grupo suspeitos de participar de outros mega-assaltos nos moldes do "novo cangaço", incluindo até o roubo de R$ 120 milhões a uma transportadora de valores em Ciudad Del Este, no Paraguai, em 2017.

Investigadores ainda apontam a suspeita de participação de membros do grupo em outros crimes, como o assalto ocorrido no mesmo ano a uma empresa de valores em Uberaba (MG)

Ainda de acordo com os investigadores, o crime foi idealizado com a participação de criminosos que estão atrás das grades —reportagem do UOL listou quem são os principais ladrões de banco do país.

Irmãos goianos faziam ligação com grupo de MG, diz polícia

Os irmãos Isaque e Zaqueu Xavier Ribeiro, de 27 e 40 anos, desempenharam uma função importante na quadrilha, fazendo a ligação entre o núcleo de Goiás com o de Minas Gerais.

Presos em Goiânia acusados de ligação com uma quadrilha especializada em roubo de carros em 2011, eles são apontados pelas autoridades como suspeitos de participar de outras ações de "domínio de cidades" e moravam nos últimos anos em Uberlândia (MG), que possuía o maior núcleo do grupo, com nove suspeitos mortos.

Mortos em Varginha - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Os irmãos Zaqueu e Isaque Xavier Ribeiro eram apontados como criminosos de alta periculosidade em Goiás. Segundo a polícia, se mudaram para MG nos últimos anos para atuar no "novo cangaço"
Imagem: Arte/ UOL

Eles eram responsáveis por fazer a logística do deslocamento do armamento usado pela quadrilha. Eram conhecidos por fazer o suporte bélico nessas operações de 'domínio de cidades'"
Tenente-coronel Marcos Paccola, da PM do Mato Grosso e especialista em ações do tipo

"Essa organização precisa de uma logística que exige a participação de pessoas com perfis diferentes e com uma grande estrutura bélica. Há responsáveis pela segurança, pelo enfrentamento com a polícia e pelo arrombamento das instituições. Essa operação de Varginha desestruturou esse grupo", complementa.

Natural de Rio Verde (GO), Dirceu Martins Netto, 24 anos, morava em Uberaba (MG). E exibia nas redes sociais fotos com maço de dinheiro ou em um passeio de lancha.

De acordo com fontes na polícia, o núcleo goiano ainda contava com a participação de outros suspeitos mortos em Varginha: Romerito Araújo Martins, 25, Darlan Ribeiro dos Santos, 41, e Eduardo Pereira Alves, 42, que morava em Brasília (DF).

Ação contra 'novo cangaço' em Varginha

Em julho de 2018, Darlan foi preso por suspeita de integrar uma quadrilha especializada em roubo, receptação e adulteração de caminhões no Distrito Federal e em Goiás.

O tenente-coronel Durvalino Câmara dos Santos Júnior, da PM de Goiás, também cita a atuação em outros crimes envolvendo os irmãos Isaque e Zaqueu. "Mesmo morando em Minas Gerais, eles ainda tinham vínculos com o estado e são suspeitos de envolvimentos em crimes como lavagem de dinheiro relacionada a imóveis e veículos", diz.

Investigado por 'domínio de cidade'

Assim como os irmãos Isaque e Zaqueu, o maranhense José Filho de Jesus Nepomuceno, de 27 anos, já estava nos últimos anos em Minas Gerais, participando diretamente do planejamento e execução de crimes do tipo marcados pela escalada de violência, segundo a polícia.

Ele tinha mandado de prisão pendente, segundo levantamento feito pelo UOL no banco de dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), por suspeita de participação em um roubo em outubro de 2020 com a tática conhecida como "novo cangaço" em Miguel Alves, no interior do Piauí.

Na ocasião, criminosos com armas potentes e explosivos fizeram moradores reféns para assaltar uma agência do Banco do Brasil. Ninguém se feriu.

Explosão de caixa eletrônico em Assembleia

Um dos 26 suspeitos mortos na ação policial de Varginha, Nunis Azevedo Nascimento era procurado por assalto aos moldes do "novo cangaço" - Reprodução - Reprodução
Um dos 26 suspeitos mortos na ação policial de Varginha, Nunis Azevedo Nascimento era procurado por assalto aos moldes do "novo cangaço"
Imagem: Reprodução

Morador de Porto Velho, capital de Rondônia, Nunis Azevedo Nascimento, 33, era apontado como o principal criminoso desse núcleo, que ainda contava com as participações de Gerônimo da Silva Sousa Filho, 28, e pelo paraense Wellington dos Santos Silva, de 31 anos.

Nunis exibe uma extensa ficha criminal. Com mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça por suspeita de envolvimento na explosão de um caixa eletrônico na Assembleia Legislativa de Porto Velho (RO) em janeiro deste ano, Nunis já havia sido preso por envolvimento em um roubo.

Em julho de 2019, estava entre os 16 internos que desligaram uma câmera de vigilância para fugir do complexo penitenciário em Belém, no Pará, e passou a ter o rosto estampado em uma lista de criminosos perigosos foragidos. Mas isso não inibiu a sua participação em outros crimes.

Em março de 2020, apenas oito meses após a fuga, integrou um grupo criminoso envolvido em um assalto frustrado, que acabou em tiroteio, deixando um homem morto em Porto Velho (RO), voltando a figurar em uma lista de procurados da Polícia Civil. Agora, após a identificação entre os mortos de Varginha, teve o seu rosto exibido pela última vez em uma lista de suspeitos.

Sem sobreviventes e sem cena do crime

A ação em conjunto entre a PM e a Polícia Rodoviária Federal nos dois sítios na área rural da cidade mineira não deixou sobreviventes. Nenhum policial se feriu.

Os agentes alegaram ter retirado os suspeitos baleados ainda com vida, informação contestada por especialistas, que cogitam a hipótese de fraude processual por supostamente os agentes terem desmontado a cena do crime e veem semelhanças com a chacina na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio.