Ação em Varginha é a mais letal contra casos apontados como 'novo cangaço'
A operação policial que deixou 26 suspeitos mortos na madrugada de domingo (31) em Varginha (MG) é a mais letal contra casos apontados como "novo cangaço" no país. O levantamento foi feito pelo UOL com base em informações do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e de entidades ligadas ao setor.
Na operação em Varginha, nenhum policial se feriu. Segundo as investigações da polícia, o grupo planejava um roubo de R$ 65 milhões em um centro de distribuição de valores do Banco do Brasil. Para isso, usaria a tática também conhecida como "domínio de cidades", que costuma ocorrer em municípios do interior, onde os criminosos com fuzis e explosivos dominam as forças de segurança, roubam as instituições financeiras e fazem moradores reféns, em uma ação marcada pela escalada da violência nos últimos meses.
O Ministério Público de Minas Gerais abriu uma investigação em paralelo que ocorrerá em segredo de Justiça. A OAB-MG (Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais) e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais monitoram o caso. Há investigações conduzidas também pela Polícia Civil, Polícia Federal e Polícia Militar.
As 26 mortes em Varginha, cidade com 136 mil habitantes, equivalem a 22% de todos os óbitos decorrentes de intervenções policiais no ano passado em Minas Gerais. Em 2020, foram 117 homicídios no estado em confrontos envolvendo as forças de segurança.
A cidade mineira teve quase o dobro de mortes em comparação com a outra ação até então considerada a mais letal das forças de segurança contra supostas quadrilhas com envolvimento neste mesmo tipo de assalto. Em Milagres (CE), 14 suspeitos foram mortos em um confronto, em dezembro de 2018. O UOL elaborou um ranking com as outras dez ocorrências semelhantes.
A reportagem fez o levantamento com base em ocorrências envolvendo grupos armados com fuzis e explosivos para assaltar instituições financeiras, envolvidos diretamente ou suspeitos de participarem da tática do "novo cangaço". Os confrontos com as forças de segurança ocorreram quando a polícia surpreendeu os suspeitos que planejavam as ações —como em Varginha— ou em meio aos ataques.
Na época do assalto em Milagres, o governo cearense afastou os policiais militares envolvidos na ação. Em abril de 2019, 11 suspeitos morreram em uma troca de tiros com policiais militares após tentativa de ataque a duas agências bancárias em Guararema, região metropolitana de São Paulo.
Taxa de letalidade em MG era baixa
O alto índice de letalidade na operação da Polícia Militar em Varginha contrasta com os dados registrados em Minas Gerais. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em julho deste ano, o estado tem a segunda menor taxa de mortalidade por intervenções policiais, atrás apenas do Distrito Federal.
Não houve sobreviventes entre os suspeitos de integrar a quadrilha que, segundo a polícia, preparava um ataque a uma agência bancária com o uso de cerca de 40 kg de explosivos e de um fuzil com capacidade para abater um helicóptero.
Apesar das mortes de todos os suspeitos, nenhum dos policiais militares envolvidos na operação se feriu.
Relatório de inteligência da polícia de Minas Gerais, ao qual o UOL teve acesso, identificou os suspeitos mortos na ação. Um levantamento feito pela reportagem revelou a participação de parte deles em assassinatos, roubos, confronto com policiais, fuga de presídio e até a suspeita de envolvimento em um atentado nos moldes do "novo cangaço" em crimes ocorridos em Minas Gerais, Goiás, Rondônia e Piauí.
'Operação fracassada' ou 'situação de guerra': o que dizem os especialistas
Especialistas ouvidos pelo UOL se dividem ao avaliar a operação policial em Varginha. Por um lado, há quem entenda que o elevado número de mortes impediu o avanço de investigações envolvendo quadrilhas que usam a tática do "novo cangaço".
Contudo, profissionais da área alegam que esses grupos são formados por criminosos com armas potentes, que não estão dispostos a se entregar às autoridades policiais.
A ação chegou a ser comparada com a chacina na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, devido ao elevado número de mortes e indícios de adulteração da cena do crime. "Já há elementos para dizer que uma fraude processual pode ter acontecido a partir do momento em que corpos foram retirados. Uma investigação isenta precisará ser feita em casos como Jacarezinho e Varginha", disse o advogado Augusto de Arruda Botelho, colunista do UOL.
Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o analista criminal Guaracy Mingardi vê a operação como um fracasso. "Eram criminosos profissionais ligados a esses núcleos do 'novo cangaço', que poderiam ter contribuído com investigações. O trabalho policial pela busca de informações foi bem feito. Mas a operação foi um desastre", criticou.
O tenente-coronel Lucélio Ferreira Martins Faria França, presidente da Associação Mato-Grossense para o Fomento e Desenvolvimento da Segurança, rebateu as críticas. "É uma situação de guerra, com criminosos com disposição e coragem para atirar contra a polícia. Quem pensa diferente é porque não conhece a realidade do enfrentamento à criminalidade na prática."
O advogado Douglas Prehl, vice-presidente de uma empresa responsável pela integração de uma tecnologia capaz de inutilizar cédulas em ataques do "novo cangaço", acredita que nenhum dos agentes envolvidos na operação se feriu devido ao preparo para o confronto.
"É difícil falar em excesso do uso de força quando os criminosos usavam ponto 50 [fuzil com capacidade para abater helicópteros] e atiraram contra a polícia. O bandido vai fazer de tudo para não ser preso. A diferença ali está no treinamento do policial, que está mais preparado física e psicologicamente para o confronto", argumenta.
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