Weintraub deixa saldo negativo e projeto sem perspectiva no Congresso
Resumo da notícia
- Para parlamentares, ex-ministro, que acumulou sucessivas derrotas no Legislativo, não deixará saudade
- Deputados articulam propostas próprias e não veem perspectiva para o Future-se, principal projeto do MEC
- Weintraub era o ministro que liderava a ala ideológica do governo, diz secretário-geral da bancada da educação
- Congressistas também querem investigação sobre a exoneração de Weintraub e a viagem para os EUA
- "Cheira a crime de responsabilidade", diz o deputado Arnaldo Jardim
Abraham Weintraub saiu do Ministério da Educação e até do Brasil, mas deixou um saldo negativo no Congresso Nacional com consequências que ainda podem ser sentidas. Parlamentares contestaram a última ação dele — portaria que revogava política de cotas na pós-graduação de instituições federais —, não veem perspectiva para o projeto Future-se, apresentado pelo então ministro, e agora querem mais explicações sobre as circunstâncias de sua ida aos Estados Unidos.
A avaliação de parlamentares ouvidos pelo UOL é que Weintraub não deixará saudades à frente da pasta. O líder da minoria no Senado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), chegou a pedir a prisão do então ministro ao STF (Supremo Tribunal Federal) por declarações tidas como antidemocráticas.
Integrante da Frente Parlamentar Mista da Educação, a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) avalia que Weintraub se preocupou mais com uma guerra cultural e "representava o que há de pior no governo Bolsonaro" enquanto à frente da pasta.
"Em nenhum momento, [Weintraub] fez qualquer tipo de coordenação ou liderou um esforço de educação não presencial [diante da pandemia]. Em nenhum momento chamou os atores para conversar para entender qual seria o novo ano letivo", afirmou.
O Senado havia agendado para hoje a votação de um projeto da bancada do Cidadania para sustar a última portaria de Weintraub. Como a medida foi tornada sem efeito nesta terça (23) pelo próprio Ministério da Educação após a repercussão negativa, não deve mais entrar em pauta.
Porém, ficou o aviso de que o Congresso não aceitaria mais as iniciativas do ex-ministro. O relacionamento estava no limite. Outras propostas para sustar a portaria também foram tomadas por partidos da oposição, inclusive no Supremo.
Secretário-geral da bancada da educação no Congresso, o deputado Professor Israel Batista (PV-DF) disse que a portaria foi "o último grande erro de Weintraub antes de sair", pois afeta a continuidade de políticas de inclusão que considera importantes para o Brasil dado o histórico de escravidão e de desigualdade social que atinge mais negros e pardos.
"Isso reforça que Weintraub era o ministro que liderava a ala ideológica do governo. Foi um reflexo de uma decisão governamental. Essa é a posição do governo Bolsonaro hoje, que tem atacado muito movimentos de diversidade", afirmou, ao lembrar que pouco antes a Fundação Palmares retirou biografias de líderes negros de seu portal.
Em resposta à portaria, um grupo de deputados, entre os quais negros, de origem indígena e com deficiência visual, apresentou um projeto para reforçar ações afirmativas na pós-graduação.
Principal projeto de Weintraub sem perspectiva
O Future-se, principal projeto de Weintraub enquanto à frente do Ministério da Educação, demorou quase um ano para ser encaminhado ao Congresso, no final de maio. E agora não tem perspectiva de ser analisado pelos parlamentares, muito menos votado, segundo apurou o UOL.
O projeto tem como objetivo dar mais autonomia a universidades e institutos federais para firmar parcerias com organizações sociais e captar recursos externos. A primeira versão havia sido mal recebida por parte dos parlamentares e pelo Ministério da Economia quando apresentada em julho do ano passado, o que forçou o MEC a rever pontos de discórdia — Weintraub acabou perdendo a queda de braço com o colega Paulo Guedes (Economia).
Para o vice-presidente de Educação Superior na Frente Parlamentar Mista da Educação, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), o Future-se é "um excelente projeto mal conduzido no encaminhamento".
Weintraub não tinha mais pontes de diálogo com parlamentares por não acatar sugestões vindas do Congresso, possuir um temperamento difícil e ter ironizado deputados em plenário. Ele também confrontou especialistas e a bancada da educação quando pediram o adiamento do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
Weintraub voltou atrás no posicionamento de manter a prova em novembro quando viu que seria derrotado na Câmara. Outra derrota dura recente foi quando o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), não aceitou a tramitação de medida provisória que lhe daria autonomia para escolher reitores temporários na pandemia.
Se já não tinha muita perspectiva, o Future-se enfrenta uma situação ainda mais complicada com a saída de Weintraub e a prioridade dada a projetos relacionados ao coronavírus.
O governo tinha de ter feito o dever de casa, como reunir reitores que endossem o projeto. Sem isso, como vamos apoiar? Como apoiar algo que não tem base de sustentação da própria comunidade acadêmica?
Professor Israel Batista, deputado federal (PV-DF)
Assim como Batista, o presidente do Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), Jadir Pela, também diz não ter visto movimentações em prol do projeto.
Ele afirmou que a concepção inicial do Future-se era ruim ao terminar com a possibilidade de os institutos continuarem trabalhando com fundações, como fazem há anos.
O UOL entrou em contato com o Ministério da Educação para saber se a pasta ainda apoia o Future-se e o que tem sido feito para que seja aprovado no Parlamento. Não houve manifestação do governo.
"Tenho dúvidas que o Future-se caminhe. Ainda mais no formato que chegou à Câmara", disse Tabata Amaral.
Congresso articula pautas próprias para a educação
Como alternativa, os parlamentares têm articulado a votação de propostas de autoria do próprio Congresso.
Já temos propostas, inúmeras discussões que irão respaldar as universidades, trazer mais autonomia, fazer com que produzam cada vez mais cientificamente
Luísa Canziani, deputada federal (PTB-PR)
Um projeto de lei de sua autoria com a deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) permite que pessoas jurídicas deduzam no Imposto de Renda doações a universidades e institutos federais de ensino superior ou de pesquisa voltadas a projetos para combater o coronavírus durante a pandemia. A expectativa é que a discussão seja reforçada em julho.
Luísa Canziani também apresentou uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para que despesas pagas com doações, convênios e receita própria obtidos pelas instituições federais de ensino superior fiquem fora do teto de gastos.
O texto, porém, deve enfrentar mais resistência do Ministério da Economia.
Um grupo de deputados com integrantes da Frente Parlamentar Mista da Educação apresentou projeto para que a União destine R$ 31 bilhões ao Distrito Federal e a municípios como auxílio emergencial à educação.
A intenção é cobrir despesas com a manutenção do ensino e estratégias de retorno às aulas diante da queda de arrecadação de impostos na pandemia.
Outro projeto, do deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), com Tabata como coautora, propõe a criação de conselhos e diretrizes para a retomada das aulas presenciais a fim de que estados e municípios não estipulem calendários muito divergentes entre si.
No radar da Câmara está ainda a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que reformula o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Segundo deputados ouvidos pelo UOL, o Ministério da Economia se envolveu mais nas negociações sobre o tema do que a pasta da Educação.
A bancada do PSOL entrou com pedido de votação imediata do texto. A promessa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é que de julho não passa.
De saldo negativo no Congresso, o ex-ministro também acumula outras duas medidas provisórias vencidas. A primeira em relação à criação de carteira de identificação de estudante gratuita em formato digital, em fevereiro. A segunda em relação a MP que também mudava a escolha de reitores em instituições federais, mas menos radical que a devolvida pelo Parlamento, em junho.
Weintraub parte em meio a questionamentos
Horas depois da portaria que afrouxava a política de cotas na quinta passada (18), Weintraub anunciou sua saída em vídeo ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Na sexta, o ex-ministro viajou para os Estados Unidos, onde espera assumir um cargo no Banco Mundial, tendo a exoneração oficializada somente no dia seguinte.
A data do decreto foi retificada, antecipando em um dia a exoneração. A ação aconteceu após questionamentos quanto ao voo às pressas e às circunstâncias de sua entrada no país em meio à pandemia do coronavírus.
Ala de senadores e deputados acredita que Weintraub se aproveitou do passaporte diplomático para entrar no país mesmo já sabendo de sua saída em acordo com Bolsonaro para tentar se afastar de investigações contra ele.
O ex-ministro é investigado no Supremo por fala em que chamou ministros da corte de "vagabundos" e defendeu prendê-los, além de suposta publicação racista contra chineses.
O líder do Cidadania na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), quer a investigação sobre a republicação da exoneração de Weintraub e disse que o ato "cheira a crime de responsabilidade".
"A retificação com mudança da validade dessa demissão mostra que algo está muito errado", argumentou, em nota.
Na terça, Rodrigo Maia disse que "ninguém está sentindo falta dele [Weintraub] no Ministério da Educação" e "ninguém queria que ele ficasse no Brasil de qualquer jeito, porque, de fato, é uma pessoa que mais atrapalhou que ajudou".
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