Pazuello isenta Bolsonaro, contradiz ex-ministros, mente na CPI e passa mal
Em depoimento de cerca de sete horas hoje à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello tentou blindar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), divergiu de ex-ministros da pasta e do gerente-geral da Pfizer na América Latina, mentiu aos senadores e passou mal.
A sessão foi suspensa temporariamente por causa de votações no plenário do Senado, mas, cerca de uma hora depois, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), anunciou que só será retomada amanhã às 9h30.
O senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, disse que atendeu Pazuello após ele passar mal no intervalo. Pazuello negou o mal-estar, embora a informação tenha sido confirmada pelo Senado. Há 23 senadores ainda inscritos para falar e fazer questionamentos ao ex-ministro.
Ao longo do depoimento, Pazuello buscou isentar Bolsonaro de eventual erro ou omissão na pandemia e negou ter recebido ordens diretas do presidente, como em relação à compra de vacinas contra a covid-19 e ao incentivo ao uso da cloroquina e remédios sem eficácia comprovada no tratamento da doença.
Indagado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), se sua nomeação deu-se sob a condição de cumprir alguma ordem específica, como a recomendação de tratamento precoce para a covid, Pazuello disse que "em hipótese alguma".
O presidente nunca me deu ordens diretas para nada"
Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde
Quando Pazuello assumiu a pasta, em maio de 2020, a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) chegou a comemorar dizendo que ele chegava "com a missão de liberar o uso da cloroquina desde o início dos sintomas da covid-19".
À época, Bolsonaro manifestava publicamente sua intenção de nomear um ministro "alinhado" com sua defesa da hidroxicloroquina. Não por acaso, o antecessor de Pazuello, Nelson Teich, disse na CPI que a discordância com Bolsonaro em relação ao uso de cloroquina pesou para que deixasse a pasta. Já Pazuello disse não ter sofrido pressão por Bolsonaro para estimular o uso do remédio.
Dias após assumir interinamente, Pazuello liberou o uso da cloroquina em pacientes com sintomas leves da covid-19.
No depoimento, Pazuello afirmou também que os filhos do presidente não tinham qualquer influência na condução da pandemia durante sua passagem pela Saúde.
As declarações do general vão na contramão do que o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou à CPI. Mandetta disse que o presidente mantinha um "aconselhamento paralelo" dos filhos e que o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) esteve presente em reuniões oficiais.
Informação corroborada por outro depoente da CPI, o gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, que informou na comissão que Carlos participou de reunião da farmacêutica no Planalto.
Também diferentemente do que disse CEO da Pfizer, Pazuello afirmou que as ofertas da empresa para a compra de vacinas pelo governo em agosto de 2020 foram respondidas. "De agosto a dezembro [houve respostas]", disse Pazuello. Carlos Murillo afirmou que ao menos três ofertas daquele mês foram ignoradas.
Pazuello rebateu ainda o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que ontem em depoimento na CPI atribuiu a responsabilidade do enfrentamento da pandemia ao Ministério da Saúde. "Acredito que cada um, cada ministério tinha suas próprias atribuições na pandemia", disse Pazuello.
Pazuello mente sobre ordem de Bolsonaro contra CoronaVac
Aos senadores Pazuello afirmou que Bolsonaro nunca mandou o Ministério da Saúde desfazer qualquer contrato com o Instituto Butantan para aquisição de doses da CoronaVac.
Em 7 de outubro de 2020, o Ministério da Saúde enviou ofício ao Butantan demonstrando a intenção de adquirir 46 milhões de doses da Coronavac. No dia 20 daquele mês, Pazuello anunciou que o governo compraria as doses.
Mas, no dia seguinte, Bolsonaro desautorizou o então ministro, afirmando que não compraria a vacina e que havia mandado cancelar o protocolo de intenções de compra. Pazuello então voltou atrás e declarou, ao lado do presidente, que "um manda e o outro obedece".
Já hoje, Pazuello afirmou que "o presidente não poderia mandar cancelar a compra, porque eu não tinha feito a compra ainda".
Um contrato para a compra de doses da Coronavac só foi assinado em janeiro deste ano, após críticas e reações de governadores. A incoerência foi objeto de insistência por parte de outros senadores, que ainda não se sentem satisfeitos com a explicação.
Pazuello distorce teor de reunião com Pfizer
Outro ponto em que Pazuello distorceu os fatos foi ao tratar de reuniões com a farmacêutica Pfizer. Apesar de afirmar que não participou de negociações para a compra de vacinas da empresa e só recebeu representantes da farmacêutica "socialmente", Pazuello esteve ao menos uma vez com a presidente da Pfizer no Brasil, Marta Díez, em reunião na qual foram discutidas tratativas para o acordo com o governo, segundo o próprio Ministério da Saúde.
No mesmo dia do encontro, o Ministério da Saúde divulgou nota na qual afirma que Pazuello discutiu o "possível cronograma e estimativa de entrega das vacinas da Pfizer", ou seja, participou de tratativas que antecederam o acordo final.
"Essa proposta [da Pfizer] foi, apesar de eu achar pouquíssima a quantidade [...] nós seguimos em frente [...]. Mandamos para os órgãos de controle, a resposta foi: 'Não assessoramos positivamente. Não deve ser assinado'. A CGU, a AGU, todos os órgãos de controle, TCU", disse ainda Pazuello na CPI.
O TCU (Tribunal de Contas da União) divulgou nota hoje rebatendo a versão de Pazuellor. Segundo o órgão, "em nenhum momento, seus ministros se posicionaram de forma contrária" à contratação da Pfizer.
Sobre o fato de o Ministério da Saúde ter optado pelo percentual mínimo de doses de vacina do consórcio Covax Facility, liderado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), em razão do preço e porque o contrato, na opinião dele, apresentava "riscos".
"A Covax Facility não nos dava nem data, nem cronograma, nem garantia de entrega", afirmou.
Documento desmente Pazuello sobre crise em Manaus
À CPI Pazuello disse que só ficou sabendo da crise de oxigênio no Amazonas na noite de 10 de janeiro. Relatório do Ministério da Saúde assinado pelo próprio Pazuello, porém, contradiz sua declaração.
Segundo o documento, o ministério soube da "gravíssima situação dos estoques de oxigênio hospitalar em Manaus, em quantidade absolutamente insuficiente para o atendimento da demanda crescente" no dia 8 de janeiro, e não no dia 10. A falta de oxigênio em Manaus e em cidades do interior resultou em aumento de 41% de mortes no pico da crise.
O ministério, diz o relatório, tomou conhecimento do problema por meio de um e-mail enviado por Petrônio Bastos, gerente executivo da White Martins na região. Hoje, Pazuello negou ter tido conhecimento da mensagem.
O próprio Pazuello, em declaração a jornalistas, já havia admitido que soube da possibilidade de falta de oxigênio no Amazonas no dia 8, citando o e-mail.
Aplicativo TrateCov entrou em operação
Apesar de Pazuello negar que o aplicativo TrateCov tenha entrado em operação, o Ministério da Saúde, a Casa Civil e a TV Brasil divulgaram o lançamento da plataforma em janeiro, como informou a colunista do UOL Cristina Tardáguila.
As informações do próprio governo na época diziam que "342 profissionais" já estavam "habilitados" a usar o TrateCov — ou seja, a plataforma entrou em operação. Além disso, o acesso ficou liberado para qualquer pessoa por ao menos três dias. A plataforma recomendava o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença.
Pazuello disse hoje que o aplicativo ainda era um protótipo e foi copiado e distribuído indevidamente por um cidadão. "Eu determinei que ela fosse retirada do ar e abrissem um processo para descobrir onde estavam os erros disso", afirmou.
Pazuello afirmou que a sugestão do aplicativo foi da secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida nos bastidores do governo como "capitã cloroquina". Previsto para amanhã, o depoimento dela foi adiado para terça (25).
Outros pontos divergentes da fala de Pazuello incluem a defesa de que cuidaram "de todos os cidadãos através do SUS" e de que o Brasil figura entre os que mais imunizaram no mundo.
O SUS (Sistema Único de Saúde) não deu conta do tamanho da demanda decorrente da pandemia de covid-19 e faltaram leitos, remédios, oxigênio e equipamentos em unidades por todo o país, por vezes levando a mortes de pacientes.
Em termos absolutos, o Brasil é hoje o quinto país que mais vacinou no mundo, atrás da China, Estados Unidos, Índia e Reino Unido, segundo o Our World in Data. Em termos proporcionais, no entanto, o Brasil é o 84º, com 17,3% da população vacinada com ao menos uma dose do imunizante até ontem (18).
Apesar de direito ao silêncio, Pazuello responde a perguntas
Embora tenha conseguido um habeas corpus no STF (Supremo Tribunal Federal) que o permite ficar em silêncio para não se incriminar, Pazuello respondeu aos questionamentos dos senadores.
Depois de reagir de forma ríspida a Renan, foi repreendido por Omar Aziz, além de ter sido rebatido por Eduardo Braga (MDB-AM) sobre a crise de oxigênio no Amazonas e ter presenciado bate-boca entre senadores.
A presença de Pazuello na CPI da Covid era a mais aguardada pelos senadores da CPI, em especial pelos que formam o bloco de oposição ao governo.
O depoimento estava originalmente marcado para o início de maio, mas foi adiado porque o militar disse ter tido contato com pessoas infectadas pelo coronavírus e, portanto, deveria ficar em isolamento.
*Com colaboração de Ana Carla Bermúdez, Bernardo Barbosa, Beatriz Montesanti e Vitor Pamplona
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