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"Ficarei calado como manda a Constituição", diz Cachoeira em CPI

O empresário Carlinhos Cachoeira presta depoimento - Sérgio Lima/Folhapress
O empresário Carlinhos Cachoeira presta depoimento Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

Do UOL, em Brasília e São Paulo

22/05/2012 14h06Atualizada em 22/05/2012 16h15

O bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que está na tarde desta terça-feira (22) no Congresso para depor na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga suas relações com agentes públicos, se nega a responder perguntas formuladas pelos parlamentares e se mantém calado, como já era esperado. A orientação é de seus advogados. O bicheiro afirma aos parlamentares que só falará na presença do juiz, em audiência. "Por enquanto ficarei calado como manda a Constituição", disse, no início da reunião.

Cachoeira foi preso em fevereiro durante uma operação da Polícia Federal --ele é acusado de comandar um esquema de jogos ilegais de azar, entre outros crimes. Grampos telefônicos da PF apontam que o contraventor tinha relações estreitas com parlamentares e governadores, além de outros servidores.

Mesmo sabendo que o contraventor poderia permanecer calado durante seu depoimento, o relator da CPI Mista, Odair Cunha (PT-MG), trouxe cerca de 200 perguntas para fazer ao bicheiro, suspeito de mobilizar parlamentares e governadores em prol de seus interesses. A reunião da CPI teve início pontualmente às 14h, com a abertura dos trabalhos pelo presidente da Comissão, o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB).

Indagado pelo relator da CPI sobre bens e relação com empresários, Cachoeira disse que ficaria calado --a mesma resposta foi dada às perguntas posteriores, tanto sobre a relação dele com empresas como a Delta, quanto sobre a relação com um sul-coreano e sobre seus bens, tais como uma casa em Miami. 

“Como manda a lei responderei constitucionalmente, fui advertido pelos advogados para não dizer nada e não falarei nada aqui”, afirmou o bicheiro. Já na terceira pergunta não respondida, Cachoeira começou a ironizar o fato de que não iria responder e que só responderia depois de falar na Justiça de Goiás. "Tenho muito a dizer, mas só depois da audiência [na Justiça]."

Os parlamentares chegaram a pedir que o advogado de Cachoeira, o ex-ministro da Justiça do governo Lula, Márcio Thomaz Bastos, garantisse que seu cliente voltaria à CPI para, então, responder os questionamentos suscitados durante as investigações da Polícia Federal. Bastos ainda não respondeu o pedido. Os membros da comissão ainda perguntaram se Cachoeira aceitaria falar da condição de beneficiado em uma delação premiada, mas ele não respondeu.

A postura do contraventor irritou o deputado Fernando Franscichini (PSDB-PR), que pediu à presidência da CPI que os parlamentares fossem tratados com respeito e não "como palhaços".

O bicheiro também invocou o direito de permanecer calado ao ser indagado por membros da CPI sobre sua relação com Waldomiro Diniz, com o ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e com Idalberto Matias Araújo, o Dadá.

A senadora Kátia Abreu (PSD-TO) pediu a suspensão da reunião. "Estamos fazendo um papel ridículo diante deste senhor, que está nos manipulando, [estamos] perguntando para uma múmia." 

O presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), vai colocar em votação um requerimento para suspender a reunião.

Ministro do STF liberou depoimento

O depoimento do pivô do escândalo hoje foi possível uma vez que seu segundo pedido de habeas corpus para não depor foi rejeitado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

A defesa de Cachoeira conseguiu um primeiro adiamento na semana passada para ter acesso aos inquéritos das operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal. Depois de receberem autorização para ler os documentos, os advogados tiveram de quarta-feira (16) até esta segunda-feira (21) para trabalhar. A sala onde funciona a área técnica da CPI, com computadores que contêm os dados, abriu no fim de semana apenas para atender os advogados.

Até agora a CPI não teve nenhum depoimento aberto. Falaram apenas os delegados da PF que conduziram as operações, em sessões sigilosas. O início lento da comissão é atribuído nos bastidores do Congresso a um suposto acordo entre PSDB, PT e PMDB. Três governadores dos partidos, respectivamente Marconi Perillo (Goiás), Agnelo Queiroz (Distrito Federal) e Sérgio Cabral (Rio de Janeiro), têm ligações com a empresa Delta, construtora que teria Cachoeira como sócio oculto.

O próprio presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), já admitiu que a CPI está "meio devagar" e que o depoimento de Cachoeira trará um novo ânimo às investigações que, até agora, não colheram nada além do que já foi descoberto pela PF. Na última quinta-feira, (17), a comissão aprovou convocações de 51 pessoas, mas os governadores não foram chamados.

Até a última sexta-feira, a defesa de Cachoeira tinha passado não mais que três horas examinando os inquéritos de mais de 90 mil páginas. Para o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), membro da CPI e um dos mais antigos parlamentares do Congresso, a defesa de Cachoeira "usa uma tática protelatória" para a comissão esfriar. "Eles não leram porque não quiseram, tempo houve. A CPI precisa andar e o Supremo não deve se meter nisso", disse.

Caso o depoimento de Cachoeira seja um fiasco, parlamentares acreditam que o foco se voltará ao deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). Na semana passada, ele foi flagrado pelo SBT ao enviar uma mensagem ao governador do Rio de Janeiro para alertá-lo que os petistas da comissão estariam trabalhando a favor dele.

Depoimento no Conselho de Ética

Está previsto que Cachoeira deponha também nesta semana no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, que abriu processo disciplinar contra o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), suspeito de envolvimento no esquema do bicheiro.

A previsão é que Cachoeira fale na quarta-feira (23). Porém, ele pode se recusar a ir ao conselho já que foi chamado como testemunha, e não como réu. Segundo a “Folha de S.Paulo”, o bicheiro não deve ir.

"Ele não vai porque isso pode resvalar no processo penal que ele responde", disse ao jornal a advogada Dora Cavalcanti, da equipe do ex-ministro da Justiça no governo Lula Márcio Thomaz Bastos, advogado de Cachoeira.

Além de receber presentes e favores do contraventor, que atua principalmente em Goiás, Demóstenes é suspeito de intervir no Congresso em favor de Cachoeira.