Em ano eleitoral, governo de Calderón pode ser condenado nas urnas e no julgamento moral
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REUTERS/Lucy Nicholson
Felipe Calderón, presidente do México, na cerimônia de abertura do Pan de 2011
No quinto e penúltimo ano do presidente Felipe Calderón no poder, começa o debate quanto ao seu legado: o julgamento político, nas cabines eleitorais; o julgamento legal, nos tribunais; e o julgamento moral, diante da história.
Os julgamentos dependem de fatores internos e externos imprevisíveis. Mas Calderón será lembrado, elogiado ou condenado pela política que foi a marca registrada de seu mandato: a guerra contra as drogas ilegais.
O julgamento político acontecerá na eleição presidencial mexicana no próximo 1º de julho. A votação será um referendo sobre os 12 anos de governo do Partido da Ação Nacional (PAN) com Calderón e seu antecessor, Vicente Fox; e especialmente sobre o custo e o resultado da guerra contra as drogas.
As pesquisas da El Universal/Buendia & Laredo do mês passado mostram que a popularidade de Calderón é só um pouco mais baixa do que a de seu antecessor no mesmo ponto do mandato, e que os mexicanos aprovam a estratégia de Calderón de usar o exército mexicano na batalha contra os traficantes de drogas.
Mas na lista de potenciais candidatos à presidência das pesquisas, Josefina Vasquez Mota, do Partido da Ação Nacional de Calderón, ficou cerca de 20 pontos abaixo de Enrique Pena Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI); e quase empatada com Andrés Manuel Lopes Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD).
Se os eleitores não estiverem preocupados com o retorno do PRI ao poder (depois de dominar a política mexicana por sete décadas), e se nenhuma grande vitória ocorrer na guerra contra as drogas, é improvável que o partido de Calderón possa superar uma desvantagem de 20 pontos. Este será o julgamento político dos eleitores.
O julgamento legal começou em 25 de novembro, quando ativistas de direitos humanos mexicanos pediram ao Tribunal Penal Internacional para investigar Calderón, alegando que ele tolerou e encobriu crimes cometidos pelo exército e a polícia na guerra contra as drogas. O gabinete de Calderón respondeu ameaçando os acusadores com calúnia.
A campanha do ICC pode não ser realista. Mas o contexto é compreensível: o imenso custo em vidas da guerra contra as drogas. Embora o governo tenha parado de publicar a contagem de corpos, a imprensa mexicana faz o chamado “ejecutometros” (ou “executômetros”) a cada semana. O mais confiável deles diz que houve um total de 45 mil homicídios relacionados às drogas entre 2006 e hoje.
Em 9 de novembro, a Human Rights Watch divulgou um relatório severo sobre o papel da justiça mexicana na guerra contra as drogas. Dos 35 mil crimes cometidos pelo crime organizado entre dezembro de 2006 e janeiro de 2011, apenas mil foram investigados pelas autoridades federais. Em apenas um terço desses casos os suspeitos foram acusados – e em apenas 22 deles, foram condenados.
Questionados porque houve tão poucas condenações, funcionários citaram uma variedade de circunstâncias extenuantes. “Mas”, disse o relatório, “vários promotores confidenciaram à Human Rights Watch que um dos maiores obstáculos para investigar e acusar com eficácia esses casos é a ladainha de abusos cometidos pelos soldados e pela polícia”.
Os incontáveis casos de tortura, assassinato e desaparecimentos forçados; a impunidade dos culpados; e as outras falhas do governo na guerra contra as drogas estão encobrindo o futuro de muitos funcionários envolvidos.
“Ninguém pensa que (Calderón) está mandando cometer abusos, mas ele os está tolerando através de uma série de políticas equivocadas”, disse o diretor executivo da Human Rights Watch, Kenneth Roth, numa entrevista ao jornal “Financial Times”.
No México, há rumores de que Calderón, depois de sair do poder, quer assumir um cargo de mudança climática na sede da ONU em Nova York. Se ele de fato for para os EUA, pode haver um precedente legal. Em setembro, um processo de crimes contra a humanidade foi aberto contra o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo, que dá aulas na Universidade de Yale em New Haven, Connecticut.
O processo foi feito em prol dos sobreviventes e famílias das vítimas do que ficou conhecido como o Massacre de Acteal. Em 22 de dezembro de 1997, no vilarejo de Acteal no estado mexicano de Chiapas, um grupo paramilitar massacrou 45 ativistas pela paz. Zedillo era presidente na época, e os acusadores alegam que o massacre aconteceu em parte por causa das políticas do governo.
É quase certo que Zedillo não vá a julgamento. Quando acusações semelhantes foram feitas contra Álvaro Uribe, ex-presidente da Colômbia, hoje professor convidado da Universidade de Georgetown, D.C., o governo Obama, sob pressão do governo colombiano, recomendou que Uribe não fosse chamado a testemunhar.
Enquanto isso, entretanto, Zedillo teve que dar explicações, contratar advogados e enfrentar a ansiedade de um possível julgamento.
Se o Massacre de Acteal pode gerar um processo depois de 14 anos, como os parentes de 40 mil vítimas da guerra contra as drogas podem reagir?
Na eventualidade de um caso contra Calderón, o governo dos EUA pode estender uma imunidade ao estilo de Uribe para ele – ou não.
A possibilidade de Calderón ir a julgamento parece implausível se não impossível. Entretanto, por vários motivos – política, animosidade, vingança ou tristeza autêntica causada pela perda de familiares – pode haver tentativas, mais ou menos responsáveis, mais ou menos bem sucedidas, de realizar um julgamento.
E então chegamos ao julgamento moral. O México sofreu um grande custo em mortes e gastos na guerra contra as drogas, e uma perda de reputação fenomenal no mundo. Por que o México perdeu tantas vidas, tanto dinheiro e tanto prestígio?
É possível que o governo do México seja condenado nas urnas, vença nos tribunais e perca terrivelmente no julgamento moral – o pior de todos.
Tradutor: Eloise De VylderJorge Castañeda
Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.