De mãos dadas

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

Tarde, muito tarde, se fez justiça, se respeitaram os tratados internacionais, se privilegiou o devido processo e se remediou uma das crises internacionais mais absurdas do México em vários anos. A decisão dos três ministros no caso Cassez de conceder proteção pura e simples evidenciou a necessidade de rever o processo ou a sentença e permitiu a libertação imediata da cidadã francesa.

Não é o lugar nem o momento de entrar na discussão sobre sua culpa ou inocência, nem sou eu quem poderia trazer algum elemento novo ou qualquer perícia a respeito. Mas, sim, se impõem algumas reflexões sobre todo esse episódio vergonhoso que começou com Fox em 2005 e termina em 2013 com Peña Nieto.

O fato de ter sido libertada devido a uma série de violações já muito conhecidas do processo devido coloca no centro da justiça mexicana o que sempre deveria ter estado no centro e que em poucas ocasiões esteve: a primazia do processo devido. Sem isso não há justiça nem para os culpados nem para os inocentes, porque convém lembrar que os culpados também têm direitos, sem cujo respeito é impossível determinar... se são culpados.

O segundo ponto que convém enfatizar é a importância que ganha na decisão e nos argumentos favoráveis à mesma o respeito à Convenção de Viena sobre proteção consular e o descumprimento pelas autoridades mexicanas do compromisso de outorgá-la. Várias pessoas, como eu, sempre afirmaram que é graças a essa convenção e a esse respeito que demandamos a UE no caso Avena, diante do Tribunal Penal Internacional, mas que, além dessa demanda e suas consequências, é um instrumento básico para proteger os milhões de mexicanos sem documentos nos EUA.

Nenhum país deveria se interessar mais que o México por fazer respeitar os artigos pertinentes da Convenção de Viena sobre direito consular. Que bom que graças a esse argumento, sobretudo de Olga Sánchez Cordero, agora Florence Cassez esteja livre.

Tampouco é aqui o lugar nem sou eu a pessoa para indagar sobre os motivos que levaram o ministro Alfredo Gutiérrez Ortiz Mena a mudar radicalmente a correlação de forças na sala e ser o "factotum" da libertação. Havia sido muito hermético nestas semanas, segundo todos os atores neste drama, e não há maneira de saber, pelo menos neste momento, o que o levou a essa decisão.

Mas se a seguinte hipótese se confirmar me daria um enorme prazer e eu felicitaria os responsáveis: que destacados membros dos poderes Legislativo e Executivo e de vários âmbitos jurídicos tenham explicado a Gutiérrez Ortiz Mena que, respeitando a plena independência do Poder Judiciário, o caso encerrava sérias consequências de política externa. O desacordo com a França era insolúvel sem a libertação de Cassez. Se essa mensagem foi transmitida, se foi recebida e se foi assimilada, em boa hora.

Agora começa uma nova etapa. O que vai acontecer com os responsáveis pela montagem, pelo devido processo, pela violação da Convenção de Viena e dos direitos humanos de uma pessoa à qual alguém deve sete anos de liberdade? O que vai acontecer com os que prenderam um grupo de militares cuja libertação também parece iminente?

O que vai acontecer com os responsáveis pelo encarceramento de Greg Sánchez de Quintana Roo, mais de um ano em uma penitenciária de Nayarit, que depois também foi libertado? O que vai acontecer com os responsáveis por ter detido Rodolfo de la Guardia, ex-diretor da Interpol

México, que também foi libertado há alguns dias? Existe a impunidade dos criminosos no México; existe a impunidade das autoridades em muitos casos; e existe a impunidade dos que, em nome de uma guerra absurda, sangrenta e caríssima, violaram sistematicamente os direitos humanos neste país. Quem são os responsáveis e o que vai acontecer com eles, estejam onde estiverem?

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

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