Quem aplica a lei para os "desaparecidos de Calderón"?
Em 27 de maio, Miguel Ángel Osorio Chong, secretário de governo, anunciou a criação da Unidade de Investigação e Busca de Pessoas Desaparecidas. Convém avaliar de saída esse gesto, que obviamente é só incipiente e não implica um fim do lamentável dilema dos desaparecidos de Calderón. Mas é de se destacar como o próprio Osorio, junto com funcionários de inegável compromisso com os direitos humanos, como Lía Limón e Ricardo García Cervantes, retificaram a atitude de desprezo ou menosprezo pelos direitos humanos do governo anterior.
Como manifestou Osorio, o número de desaparecidos de Calderón não será de 27 mil, mas menos; não sei se muito menos, mas certamente essa cifra inclui uma quantidade de pessoas cujo desaparecimento foi comunicado às autoridades, mas que não necessariamente desapareceram para sempre: foram passear, para os EUA, ou morreram em diversos desastres naturais.
Gostaria de me incluir entre aqueles que continuamos dando ao governo de Enrique Peña Nieto o benefício da dúvida no que se refere à questão dos direitos humanos; até agora, o que fizeram segue um bom caminho, embora ainda tenham que percorrer uma enorme distância.
Preocupam-me duas notícias relativas a esse tema. Uma se refere à declaração de Osorio Chong sobre a diferença entre este governo e o anterior: "O secretário de governo, Miguel Ángel Osorio Chong, afirmou ontem que durante esta administração houve avanços em termos de direitos humanos e, além disso, se atua de maneira diferente: com apego à lei e uso legítimo da força... 'Hoje atuamos diferente, com apego estrito a essas normas...'".
Uma das duas: ou Calderón atuou respeitando a lei, as normas e o direito; nesse caso, a diferença do governo atual não pode consistir em um apego de Peña Nieto ao direito. Ou, mais logicamente, Osorio quis dizer que o governo anterior não atuou conforme o direito, nem aplicando a lei ou as normas pertinentes. Por parte do Estado, até onde entendo, e aceito que não sou advogado, isso é um crime. Quando um governo afirma que outro não aplicou a lei, acusa-o de um delito. Então deve proceder penalmente a respeito.
É evidente para todos que o governo de Peña Nieto não quer tocar o de Calderón nem com uma pétala de rosa, juridicamente falando. Inclusive o caso de César Nava, cada dia mais confuso, poderia proceder de velhas "vendettas" entre personagens de outros regimes, em outros momentos, e que são dirimidos agora em tribunais de Connecticut ou de Nova York.
Felizmente, embora o governo de Peña Nieto resista a julgar e punir os crimes da administração anterior, esses crimes são tão numerosos que poderia haver cidadãos mexicanos suficientes que se proponham a fazê-lo.
Não creio que Ramírez Mandujano, Tomás Ángeles, Florence Cassez ou Álvarez Hoth, por exemplo, processem penalmente o pessoal de Calderón, apesar de não ter sido pequeno o dano que sofreram. Mas já surgiu um primeiro caso, que poderia ser emblemático. Há alguns dias, a ex-procuradora Marisela Morales "compareceu diante de órgãos [da Procuradoria Geral da República] devido a uma acusação contra ela pela revelação de detalhes judiciais no caso do ex-governador de Tamaulipas Tomás Yarrington". Os advogados de Yarrington, acusado de lavagem de dinheiro e ligações com o crime organizado, denunciaram Morales por ter publicado detalhes submetidos a sigilo judicial.
Obviamente não sei, e é impossível saber hoje, se essa denúncia vai prosperar; mas pelo menos deveria servir como corretivo para os que tomaram a incompreensível decisão de enviá-la como cônsul de carreira a Milão, sem comparecer diante do Senado e sem pedir o beneplácito do governo italiano.
Outros três procuradores foram enviados para postos diplomáticos para proteger sua integridade física; não sei se aqui se está protegendo os mesmos, ou o governo inteiro de Calderón, por razões ainda indecifráveis.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes GonçalvesJorge Castañeda
Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.