Sucessão de Hugo Chávez

Venezuela, morto por morto?

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

  • Juan Barreto/AFP

    Presidentes Dilma Rousseff (ao centro), do Brasil e Evo Morales (à esq.), da Bolívia, cumprimentam Nicolás Maduro, que foi empossado como presidente Venezuela

    Presidentes Dilma Rousseff (ao centro), do Brasil e Evo Morales (à esq.), da Bolívia, cumprimentam Nicolás Maduro, que foi empossado como presidente Venezuela

Atuar com seletividade no plano internacional é uma magnífica receita para o pragmatismo, mas também gera consequências contraproducentes. Alguns com mais celeridade que outros e outros com mais razões que uns, os governos da região se precipitaram não só para reconhecer o resultado venezuelano, como para respaldar Nicolás Maduro, sem se preocupar com os motivos do protesto da oposição.

Não tem nada de mau se se pretende continuar com o sacrossanto e obsoleto princípio de não-intervenção. Mas, se lhes interessa viver no século 21, devem compatibilizar sua obsessão com seus compromissos sobre a defesa coletiva da democracia e dos direitos humanos.

Como se sabe, a oposição venezuelana insistiu em uma recontagem "voto por voto", ou "auditoria" como se chama em sua lei eleitoral. No domingo (14), o candidato chavista, Nicolás Maduro, parecia aceitar a recontagem de todas as urnas ou centros eleitorais, prevista pela lei. Na segunda-feira (15) mudou de opinião - talvez o tenha convencido um passarinho - e se negou a qualquer auditoria. O Conselho Nacional Eleitoral aceitou seu recuo e o certificou como presidente.

A oposição insiste na recontagem, alegando que há mais de 3.000 "incidências eleitorais", que não foram contados os votos no estrangeiro e que nada justifica a ausência da recontagem. Na lei eleitoral venezuelana isso está previsto, e em seu discurso Maduro disse que a lei era tão avançada que previa exatamente quantas urnas deveriam ser recontadas: 54%.

É muito possível que a recontagem produza um resultado como o do México em 2006: o mesmo. É possível também que o protesto de rua e de panelaços da oposição encabeçada por Capriles desinfle com o tempo. E é possível também que os sete mortos de terça-feira (16) não sejam produto governamental. Mas também é possível que tudo se deteriore nos próximos dias.

Maduro proibiu a manifestação de seus opositores na quarta-feira (17); ameaçou aplicar mão dura e, segundo os rumores reproduzidos na imprensa internacional, deter Capriles; o ministro das Relações Exteriores, a promotora do país e o presidente do Congresso manifestaram intenções semelhantes.

Diante desse panorama, emergem dois perigos. O primeiro é que a repressão se acentue; que se proíbam as manifestações; que se destitua Capriles como governador de Miranda e se estabeleça um virtual estado de sítio enquanto não pararem os protestos. Diante disto, será preciso ver se os governos latino-americanos continuam fazendo vista grossa, não mais sobre uma fraude eleitoral na Venezuela, mas diante de uma repressão sangrenta.

A outra possibilidade, certamente menos agradável para os Kirchner, Evos, Ortegas, Correas, Rousseffs e... Peña?, é que Maduro continue perdendo os estribos e, entre a histeria, o esgotamento, a tristeza e a simples mediocridade, se perca todo o controle. Surgiria então a tentação para um setor ou a totalidade do exército de intervir para defenestrar Maduro, seja para pactuar uma saída com a oposição, seja colocar um militar em Miraflores: em bom castelhano, um golpe de Estado.

O golpe pode ser de "esquerda" ou de "direita". Muitos governos latino-americanos se encantariam com o primeiro e repudiariam o segundo. O problema é que sua autoridade moral para condenar um golpe que levasse a algum acordo com a oposição, à anulação das eleições e pedir novas votações seria escassa. Quem não condenou a fraude e a repressão, a pantomima do funeral/ato de campanha, a manipulação da morte de Chávez e as mentiras sobre sua saúde, dificilmente poderá condenar um golpe produto desses acontecimentos.
Suponho que sobre isto refletiram detidamente na chancelaria, estiveram bem inteirados graças aos informes de nosso embaixador em Caracas (perdão, esquecia-me de que não temos), e depois de horas de análise concluíram que era melhor alinhar-se com a Alba do que com a Europa, EUA e Canadá.
 

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

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