O Valdés da Venezuela
Já sabemos que Hugo Chávez não será juramentado como presidente da Venezuela. Já que por um lado seus médicos disseram que ele não está em condições de fazê-lo, e por outro lado o Tribunal Supremo de seu país resolveu que não é necessário o juramento formal diante da Assembleia Nacional, Chávez foi e continua sendo presidente, e o juramento poderá ser feito posteriormente diante do mesmo tribunal.
Cada um pode pensar o que quiser, mas é assim. Também sabemos que tão cedo Chávez não vai renunciar, provocando a realização de novas eleições no transcurso dos 30 dias seguintes. E sabemos que embora seu estado de saúde seja muito grave só seria iminente seu falecimento por decisão da família. Tudo o mais são suposições, isto é, o mais divertido.
Uma possível explicação do estranhíssimo paradoxo recém-surgido em Caracas consiste em um fenômeno quase psicanalítico. Explico: os chavistas, isto é, Nicolás Maduro e Diosdado Cabello, apoiados pelo segundo nível de governo e do poder, estão certos de que arrasariam em uma eleição convocada após a morte de Chávez ou sua inabilitação voluntária para exercer a presidência. A oposição, ainda encabeçada por Henrique Capriles, parece pensar o mesmo: iria para o matadouro eleitoral se fossem realizadas novas eleições.
Portanto, a oposição atua com lógica, embora não muita coragem, ao não pressionar para que se convoquem eleições. Mas a posição chavista se mostra contraditória: se vão ganhar e sabem que Chávez não se recupera mais, por que não apressar o mau (bom) passo? Pois, como diriam Freud e Lacan, porque matar o pai é um assunto muito complicado.
Chávez, para eles e seus partidários, não é um simples presidente, um simples comandante, um simples mandatário, mas sim, junto com Bolívar, uma figura paterna com todas as implicações da mesma. E, se os clássicos da psicanálise falavam em matar o pai em um sentido afetivo ou analítico, neste caso trata-se de algo muito mais literal: uma decisão política de desconectar alguém que muito provavelmente está em uma situação de vida assistida.
Não sei se será a melhor maneira de tomar essas decisões, nem se por esse caminho se avançará na solução dos imensos desafios econômicos, sociais e de violência que a Venezuela enfrenta. Mas não descarto que esse seja o sentimento do núcleo duro chavista e da família próxima.
A segunda especulação torna a primeira inútil ou secundária. Estranho, devo confessar, que para os soberanistas mexicanos radicais não pareça incômodo que as principais decisões sobre a presidência de um país, seus procedimentos jurídicos, executivos e até legislativos sejam tomadas em outro país onde agoniza em segredo um presidente, onde participam várias vezes por dia de reuniões de trabalho o vice-presidente, o presidente da Assembleia, o ministro da Informação, o procurador-geral da República, governadores, militares, etc. - em poucas palavras, toda a nomenclatura, mas não só eles: também os pais, os irmãos e as filhas do chefe de Estado.
Não gostaria nem de imaginar o que aconteceria se algo no estilo acontecesse entre o México e outro país, que pelo menos teria a vantagem de ser maior, mais rico e mais moderno.
Ser protetorado de uma potência não é muito saudável, digamos. Sê-lo de uma ilha empobrecida e envelhecida com menos da metade de habitantes que o próprio país é uma aberração.
Algum dia alguém terá de explicar como o rumo futuro de uma Venezuela repleta de reservas petrolíferas, com quase 30 milhões de habitantes e uma sociedade civil vibrante e organizada, foi resolvido sob as ordens de um senhor de nome Ramiro Valdés Menéndez, de 80 anos, durante anos chefe da repressão em Havana, que chegou ao México em 1955 e partiu para Cuba no Granma acompanhando Fidel e Raúl Castro e Che Guevara, há mais de meio século. Uma coisa é Juan Valdez na Colômbia; outra muito diferente Ramiro Valdés na Venezuela.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes GonçalvesJorge Castañeda
Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.