As praias são nossas?

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

  • Paul J. Richards/AFP

    Turista caminha pela praia de Cabo San Lucas, no México, no início da manhã

    Turista caminha pela praia de Cabo San Lucas, no México, no início da manhã

Sei que é quase uma religião no México a patética propensão a querer elevar tudo à chamada categoria constitucional, acreditando com incrível perseverança e ingenuidade que incluir um direito na Carta Magna automaticamente o torna realidade. Por isso tenho dúvidas sobre algumas das chamadas reformas que foram aprovadas no Congresso nos últimos meses. Creio que na Constituição mexicana há um excesso de artigos, parágrafos, restrições, aspirações e palavreado. Por isso também me congratulo com a iniciativa de decreto de reforma de fração um, do artigo 27 constitucional, apresentada pelos deputados Manlio Fabio Beltrones, Gloria Núñez e Raúl Paz em 3 de abril. Ela busca suprimir parcialmente a obsoleta e rançosa proibição de que os estrangeiros comprem terrenos de praia.

Tanto no capítulo cinco de meu livro "Mañana o Pasado: el Misterio de los Mexicanos" [Amanhã ou depois: o mistério dos mexicanos] como em dois livros publicados com Héctor Aguilar Camín ("Un Futuro para México", página 14; "Una Agenda para México", páginas 64 e 65), insisti na importância que encerra o que nesse momento era só um desejo. Embora a iniciativa de Beltrones só elimine a restrição à propriedade de residências unifamiliares sem fins comerciais, a supressão desse empecilho, próprio do século 19, pode detonar um aluvião de investimento estrangeiro e aumento de turismo que todas as campanhas de publicidade e todos os discursos não poderão trazer.

Como se sabe, essa é mais uma das grandes simulações mexicanas, já que na realidade a proibição nunca foi real. Desde os anos 1950, muitos americanos adquiriram propriedades na península de Baixa California através do regime de fideicomissos, supostamente operados por bancos mexicanos, que não existem mais. Como diz o texto proposto, os estrangeiros não podem comprar casas de praia, mas sim adquiri-las através de um fideicomisso de um banco... estrangeiro.

Entretanto, a simulação que funcionou de modo eficaz na Baixa California, até um teto relativo, não foi suficiente para a etapa seguinte. Qual é essa? A dos "snowbirds" ou "baby boomers" aposentados, isto é, os norte-americanos e canadenses que completaram 65 anos a partir de 2010 e que continuarão chegando à idade de aposentadoria em grandes quantidades até 2020, quando terminar a bolha demográfica criada pelo fim da Segunda Guerra Mundial.

Não querem ir para a Flórida ou o Arizona; embora para os da costa leste a República Dominicana ou Porto Rico fiquem mais perto que outros destinos, para a totalidade dos habitantes dos EUA o México é um verdadeiro paraíso para seus anos dourados. Há tempo empresários com visão estratégica como Roberto Hernández haviam pensado em cidades como Mérida, a costa norte do Pacífico, a costa de Michoacán e o Bajío como destinos naturais de aposentadoria para cidadãos americanos que hoje gozam de melhor saúde, maiores poupanças e uma atitude mais cosmopolita que seus pais ou avós.

Mas, exceto os muito ricos, os muito sonhadores ou os muito arrogantes, não se sentem seguros com o regime de fideicomissos, pelo menos por três motivos. O primeiro é a insegurança jurídica que o esquema transmite: não é propriedade privada própria, ponto final. Em segundo lugar, porque é muito difícil obter uma hipoteca para adquirir uma casa de veraneio em Porto Penhasco, por exemplo, e os americanos compram casas com hipotecas, ponto final. Com a simulação mexicana, ou pagam em efetivo ou não compram. Em terceiro lugar, para fins de heranças, impostos, deduções, etc., o regime de fideicomisso acrescenta ao assunto um grau de complexidade e burocracia que muitos não aceitam.

Por inúmeros fatores - proximidade, beleza, hospitalidade, economia, serviços -, todo o México é um paraíso para os aposentados de qualquer país, mas em particular os que se encontram ao lado. Não aproveitamos essa extraordinária vantagem devido a um anacronismo legislativo e a nosso tosco nacionalismo. Oxalá o de Beltrones e companhia seja para valer.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

UOL Cursos Online

Todos os cursos