Convém salientar aspectos desastroso do legado de Calderón no governo mexicano

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

  • Presidencia/AFP

    O ex- presidente mexicano, Felipe Calderón, na Cidade do México

    O ex- presidente mexicano, Felipe Calderón, na Cidade do México

Em um fórum organizado no Senado sobre direitos humanos, drogas e armas, antes da visita de Barack Obama ao México, Manuel Camacho compartilhou comigo uma reflexão pertinente e perspicaz. Lia e escutava simultaneamente a intervenção de José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch, e o artigo de Dana Priest no "Washington Post" sobre o envolvimento americano na cooperação antinarcotráfico durante o governo de Calderón. Vivanco apresentou um panorama devastador das violações dos direitos humanos, e "The Washington Post" descrevia com enorme precisão o grau de penetração de diversas agências americanas no aparelho de segurança e militar do governo mexicano. Tanto Vivanco como o jornal atribuem a origem da devastação e da intrusão à guerra de Calderón, e a decisões tomadas pelo próprio presidente. Camacho comentou então: "São duas faces da mesma moeda", e cruzou as mãos.

O artigo do "Washington Post" é um efeito da tentativa do presidente Enrique Peña Nieto de retificar esse rumo antes da viagem de Obama. As repetidas denúncias de Vivanco sobre desaparecimentos e execuções extrajudiciais, etc., também contribuíram para que o atual governo mude sua posição quanto ao respeito aos direitos humanos. Ambas as viradas por parte de Peña Nieto são explicadas em outro documento, a saber, o artigo publicado em "The New York Times" em 1º de maio: "México limita a cooperação dos EUA no combate às drogas e provoca atritos" (Mexico"s Curbs on U.S. Role in Drug Fight Spark Friction).

Tal artigo relata como funcionários da segurança americana foram expulsos de um chamado Centro de Fusão em Monterrey, porque os mexicanos, incomodados pelos contatos de órgãos dos EUA com tantas agências mexicanas, questionaram o valor do centro. Também salienta que o número de homicídios diários não baixou e dá conta da preocupação em Washington de que Peña Nieto tenha colocado a imagem acima dos atos nesta matéria: "O cosmético, isso é o que lhes importa... a impressão que querem nos dar é de que já estão em cima do assunto... mas para nós fica claro que não. Ainda não". Descreve também o importante atrito com os EUA sobre a explosão na Pemex. Quando o ATF (departamento de álcool, tabaco e armas) americano foi convidado a ajudar na investigação e sugeriu que poderia se tratar de uma bomba, sua participação foi suspensa.

Convém salientar dois aspectos desse desastroso legado de Calderón, um do passado e outro olhando para diante. Vivanco afirma em uma carta dirigida a Obama que, "segundo a Justiça, das 620 mil pessoas detidas em operações contra o narcotráfico nos últimos seis anos, cerca de 500 mil - 80% - foram liberadas por falta de provas ou sob fiança". Isso é o importante: foi impossível consignar, processar e sentenciar 80% dos detidos. Não deve nos surpreender, já que como prova,  bastam quatro símbolos quase patéticos: o caso Cassez, o de Ramírez Mandujano, o de Tomás Ángeles e o estrambótico dos detidos em 10 e 11 de novembro de 2011, na chamada operação "Hóspede", graças aos heróicos esforços antiterroristas de Alejandro Poiré. Assim foi desarticulada a tentativa de introduzir no país Al Saadi Gaddafi, filho do extinto Muammar; e que recentemente foram libertados devido às condições de sua detenção. Em vez de receber a assistência de Hercule Poirot, coube-nos a do inspetor Clouseau.

No futuro, para evitar o caos, Peña Nieto quer estabelecer um guichê único: toda a cooperação dos EUA com o México deve passar pela governação. Além da pergunta de se há alguém neste mundo capaz de se encarregar simultaneamente da política e da segurança interna e da cooperação com os EUA, subsistem duas perguntas adicionais. Janet Napolitano nunca será a homóloga de Osorio Chong, e os americanos não vão compartilhar inteligência delicada com gente que não passe por seu controle de confiança. Peña Nieto pode ter razão, mas bem pode ser que, em consequência de seu acerto, sequem rapidamente as fontes da inteligência americana, que certamente não servem tanto como às vezes se pensa.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

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