É falso acreditar que violência do México é causada pelos "gringos" drogados

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

  • Hector Guerrero/AFP Photo

    México enfrenta onda de violência nos últimos anos. Estima-se que cerca de 50 mil pessoas foram mortas por causa do tráfico de drogas desde 2006

    México enfrenta onda de violência nos últimos anos. Estima-se que cerca de 50 mil pessoas foram mortas por causa do tráfico de drogas desde 2006

Agrada-me a intenção abstrata da Caravana pela Paz conduzida por Javier Sicilia e meu amigo Sergio Aguayo, que começou seu percurso nos EUA há alguns dias. Se bem entendo, trata-se de que mexicanos façam política nos EUA. Isso é algo que sempre defendi, além da causa em questão, e também com independência das supostas represálias que os EUA pudessem exercer simetricamente conosco. De todo modo, vejo com gosto que entre os temas que colocam estão o fim da guerra contra o narcotráfico e a defesa dos migrantes. Fui um firme partidário do lobby mexicano a favor de nossos compatriotas nos EUA há pelo menos duas décadas, e me orgulho de poder me incluir entre os primeiros críticos da guerra do narco. Em tudo isso, concordo com Sicilia e Aguayo.

Essas convergências, entretanto, não bastam para dissipar meu franco desconcerto diante de algumas das outras metas da caravana, pelo menos como são formuladas na imprensa. Estranho a reclamação à sociedade americana e em particular aos viciados que consomem drogas procedentes do México, e que vêm "ensanguentadas" como os diamantes de Serra Leoa e Angola. Conheço a tradicional posição do establishment mexicano, retomada com vigor por Calderón: se os "gringos" deixassem de ser tão "pachecos" [drogados], haveria menos violência no México, menos oferta de entorpecentes e menos corrupção gerada pelo narcotráfico. É a famosa tese do tanque e o trampolim, ou da oferta e demanda.

Compreendo que pessoas tão conservadoras quanto os integrantes do atual governo - e da maioria dos anteriores - sustentem essa tese, na minha opinião, falsa e fútil.

Mas estranha-me a mesma posição na boca dos integrantes da caravana. Pergunto a Sicilia, Aguayo e a outros ativistas: como votariam em novembro deste ano se fossem residentes nos estados de Washington e Oregon, nos referendos desses estados para legalizar a maconha? Querem que os "gringos" sejam menos "pachecos" ou que a produção, distribuição e consumo de maconha deixe de ser ilegal? São duas coisas muito diferentes; tal como aparece na imprensa nacional, a posição da caravana se assemelha muito à de Calderón.

O mesmo ocorre com o tema das armas. Colocar ênfase no contrabando de armas dos EUA para o México como explicação da violência neste país é um recurso fácil para Calderón, mas para pessoas mais sofisticadas deveria soar estranho. Além da inviabilidade de abolir a Segunda Emenda, de restabelecer a proibição da venda de fuzis de assalto (AWB) ou sequer de aplicar com rigor a proibição de exportar armas ilegalmente para outros países, o problema é de análise. Limitemo-nos ao tema de causa e efeito. Se a existência de uma fronteira porosa entre México e EUA, somada aos conseguintes baixos preços das armas no México, fosse a causa da violência, países como Honduras, El Salvador, Colômbia, Brasil ou Serra Leoa e Libéria, sem fronteiras com os EUA ou com outros fabricantes de armas, seriam menos sangrentos que o México.

Se eu pudesse votar nos EUA a favor da legalização das drogas, o faria, me pronunciaria a favor de um controle muito mais estrito do mercado de todo tipo de armas. Mas o faria porque creio nisso como valor universal, e não porque pense que afete especialmente o México.

Termino com a possível resposta de Obama a Calderón durante um de seus últimos encontros em Washington, quando o mexicano repetiu o refrão de como a prescrição da AWB em 2004 detonou a nova espiral de violência no México. Obama respondeu ao presidente Calderón: "O problema é que os homicídios dolosos no México continuaram diminuído em 2005, 2006 e 2007, com tudo e ausência da AWB. Acredita realmente que a retomada da violência em seu país se deva a isso?" Realmente Sicilia e Aguayo acreditam que o problema são os "gringos maconheiros" e armados até os dentes?

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

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