Ataque a agentes da inteligência americana no México ainda esconde segredos

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

  • Nuvia Reyes/AFP

    Equipes forenses investigam um veículo da diplomacia norte-americana na rodovia Tres Marias-Huitzilac, em Morelos, no México. Dois funcionários da embaixada dos Estados Unidos no país centro-americano foram feridos a bala quando viajavam pela rodovia, que fica próximo à capital mexicana

    Equipes forenses investigam um veículo da diplomacia norte-americana na rodovia Tres Marias-Huitzilac, em Morelos, no México. Dois funcionários da embaixada dos Estados Unidos no país centro-americano foram feridos a bala quando viajavam pela rodovia, que fica próximo à capital mexicana

Além das invenções e das bobagens que aparecem aqui e ali na imprensa nacional, o que conta sobre o tiroteio de Huitzilac, no Estado mexicano de Morelos, é a regra de ouro no trabalho de inteligência: o que sabemos, o que pensamos e o que não sabemos. O que sabemos: dois funcionários da embaixada dos EUA, acompanhados de um marinheiro mexicano, foram baleados por um número indeterminado de policiais federais; os americanos e seu acompanhante marinheiro viajavam em um carro com placas diplomáticas, os americanos eram da CIA; 12 policiais federais mexicanos se encontram detidos e acusados, ao que parece, de abuso de autoridade. Esses são os dados concretos de que dispomos por enquanto. O que não sabemos? O que pensamos?

O que não sabemos: o que faziam os dois funcionários da CIA em um caminho em Morelos que conduzia a um suposto campo de treinamento da marinha. O que fazia o capitão de corveta que os acompanhava? Traduzia, era a ligação ou dirigia? Os federais que dispararam contra a camionete o fizeram por confusão, porque a camionete não parou quando foi interpelada ou justamente porque se tratava de um veículo com placas diplomáticas e ocupado por funcionários da inteligência dos EUA?

Os "agentes da CIA" eram só instrutores de tiro? Eram assessores com funções mais complexas? Iam "visitar" o campo de tiro? Obviamente é uma imbecilidade perguntar se há agentes da CIA no México: é claro que sim, pelo menos desde a época do legendário Winston Scott, que chega ao México no final dos anos 1950. Pensar outra coisa é demagogia ou idiotice.

O que pensamos? Duas hipóteses diferentes, embora complementares, parecem a esta altura ser as sensatas. Por um lado é óbvio que o governo de Calderón celebrou acordos com o governo dos EUA, primeiro com Bush e depois com Obama, e de cooperação contra o crime organizado e/ou o narcotráfico de um alcance muito maior que o existente antes de 2006. Essa cooperação inclui provavelmente inteligência, interceptações telefônicas, aviões teleguiados, presença norte-americana em centros militares e de inteligência mexicanos e possivelmente acompanhamento de pessoal mexicano em missões ultrassensíveis. Nada disso é seguro e muito menos comprovável. Creio que é factível. Nada mais.

Por outro lado, é evidente, como sugeriu "The New York Times" há três dias, que há pessoal de elite da Polícia Federal, da Sedena e da Semar que recebeu uma capacitação supostamente de excelência nos EUA nos últimos anos, e alguns deles agora teriam passado para o outro lado, como os Zetas há 15 anos. É o custo inevitável de uma guerra na minha opinião aberrante, mas que encerra corolários inarredáveis.

Não há maneira de criar corpos de elite no seio das forças armadas ou civis mexicanas, nem de construir uma Polícia Federal de grande envergadura, sem apoio externo; no mundo real não há mais apoio externo para o México que o dos EUA; e é cem vezes mais econômico o apoio americano dentro do México do que enviar mexicanos para se formar ou aperfeiçoar seu treinamento nos EUA.

Entendo muito bem que o governo de Calderón não tenha desejado explicitar tudo isso, não porque não seja perfeitamente defensável dentro de sua estratégia equivocada, mas inscrita na realidade - do combate ao narcotráfico. O problema era pensar, como tantas outras coisas, desde os números do Inegi até os de apreensões de maconha, heroína e metanfetaminas no México, que nunca se saberia a verdade. O episódio de Huitzilac não é o d' "A Sombra do Caudilho", mas de novo este urso da PF mostra os riscos dessa política pública. Eu discordo completamente da estratégia de Calderón. Mas entendo e apoio que recorra à ajuda dos EUA para a mesma: sem esse apoio é inviável. A pergunta é por que não diz isso, ou, se preferir, por que o esconde?

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

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