O que pretende o Brasil
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Leo La Valle/EFE
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, durante ato na Casa Rosada, em Buenos Aires
A Sociedade Interamericana de Imprensa foi criada em 1942 por donos de jornais da América Latina e dos EUA, principalmente famílias como os Miró Quesada no Peru, Otero Silva na Venezuela, Sulzberger em Nova York, Mitre na Argentina.
Teve uma existência modesta até os anos 1960, quando tomou a bandeira da supressão da liberdade de expressão em Cuba e foi capturada, em certa medida, por jornais pertencentes a famílias "vermes", segundo o regime cubano. Nos anos 1970 e 1980, a SIP começou a empunhar a bandeira da liberdade de imprensa nos países oprimidos por golpes de Estado, regimes censores e perseguidores de jornalistas. Nos 1990, lembro como García Márquez fez uma entrada triunfal e emblemática na reunião em Pasadena, Califórnia, desestigmatizando a SIP a partir da esquerda. Pela direita, a organização se legitimou pelo papel que havia desempenhado contra as ditaduras.
Na reunião deste fim de semana em São Paulo, voltou a surgir com força o tema da defesa da liberdade de imprensa diante do assédio de regimes eleitos democraticamente, mas que exercem o poder de maneira cada vez mais autoritária. Sem novidade: governos como o de Chávez na Venezuela, de Correa no Equador, de Kirchner na Argentina e, em menor medida, de Morales e Ortega na Bolívia e na Nicarágua mostram seu descontentamento com as formas como se exerce o ofício jornalístico.
De todo modo, não é a primeira vez que se denuncia neste e em outros fóruns o assédio desses governos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e em particular à Relatoria Especial para a Liberdade de Imprensa, associada à CIDH dentro da OEA e fundada depois da segunda Cúpula das Américas, em Santiago, em 1998. O presidente Correa fez da eliminação da Relatoria um de seus projetos prediletos; Chávez fez da denúncia e destruição da CIDH um de seus empenhos internacionais prioritários. O interessante na reunião da SIP em São Paulo foi que vários participantes se manifestaram sobre o assédio aos meios de comunicação e às instituições regionais que podem defendê-los.
Por um lado, no conflito entre o governo de Cristina Kirchner e o Grupo Clarín de Buenos Aires se viu como os dois lados refletem posições presentes em toda a região. Como alguns lembraram, o governo peronista aprovou uma Lei de Mídia que entra em vigor em 7 de dezembro, cujo propósito é combater os monopólios midiáticos na Argentina, em particular o mais poderoso, o Grupo Clarín, que além de ser o proprietário do jornal de maior circulação no país também o é de um grande número de cadeias de rádio, televisão aberta e a cabo. Que se exige uma vigorosa ação antimonopólio na Argentina nesta questão parece indiscutível. E que a Lei de Mídia do governo Kirchner equivale de fato a substituir o monopólio privado por um público, composto pelo próprio Estado e por empresários midiáticos alinhados com este, também o é. Kirchner ataca o Clarín por monopolista e tem razão; o Clarín denuncia o governo como censor e expropriador, e também tem.
O segundo tema novo foi a crítica que vários participantes, começando por José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch, dirigiram ao governo brasileiro por não defender as instituições regionais, a CIDH e a Relatoria Especial para a Liberdade de Imprensa. Vivanco estabeleceu uma distinção sobre a obsessão brasileira, mexicana e em parte colombiana de não "intervir" nos assuntos internos de outros países, de defender as instituições multilaterais com missões muito precisas e anteriormente consensuais. Este repórter se permitiu salientar a mesma crítica ao governo de Dilma Rousseff: uma coisa é não defender os meios atacados nos países citados, e outra é ser indiferente à ofensiva dos países da Alba contra instituições que o Brasil, com outros países, contribuiu para criar e consolidar.
Jorge Castañeda
Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.