Demandas nos EUA

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

Certamente o "caso Zedillo" não surgiu na conversa entre Peña Nieto e Obama na terça-feira (27). Tinham coisas muito mais importantes a discutir. Mas em alguma reunião próxima provavelmente surgirá, senão o caso, sua substância, a saber: a concessão de imunidade diplomática pelo Poder Judiciário dos EUA a ex-presidentes latino-americanos, africanos, asiáticos ou mexicanos que decidam passar parte ou todo o seu tempo nos EUA. E ressurgirá porque infelizmente o caso Zedillo não foi resolvido no tribunal de Connecticut (onde ele foi demandado em 2011 por US$ 50 milhões por parentes de vítimas da Acteal em dezembro de 1997).

O governo do México, através da Secretaria de Relações Exteriores (SRE) e da embaixada em Washington, solicitou desde 4 de novembro do ano passado ao governo dos EUA que este sugerisse ao juiz encarregado do caso em Connecticut que estendesse a imunidade a Zedillo, invocando a lei de 1976 sobre imunidade soberana. O juiz pediu à Casa Branca que emitisse sua opinião, o que fez há várias semanas: sugeriu que efetivamente o juiz concedesse a imunidade a Zedillo. Mas, em vez de o assunto terminar aí, os advogados dos queixosos, tanto no México como nos EUA, revidaram com dois recursos jurídicos diferentes. O de menor interesse é o que foi apresentado à justiça americana em 9 de outubro de 2012, que consiste em uma solicitação de não arquivamento do caso, argumentando que não correspondia a imunidade soberana tratando-se de uma demanda civil. O recurso constava de 213 páginas, muitas delas em castelhano, e inclui uma revisão do processo do sistema judicial mexicano.

Mas o recurso mais interessante é o que foi apresentado no México: um "amparo" [recurso semelhante ao "habeas corpus"] apresentado em 3 de outubro de 2012 no 16º Juizado do Distrito em Assuntos Administrativos do Distrito Federal, pelos queixosos Mariano Luna Ruiz e outros agravados, reclamando vários atos ao Poder Executivo (entre eles divulgar a identidade dos queixosos), mas um em particular. Reclama que o presidente da República tenha ordenado à SRE buscar imunidade diplomática para Zedillo; reclama que a SRE tenha enviado instruções para a embaixada do México nos EUA para solicitar tal imunidade; reclama que o embaixador do México tenha solicitado tal imunidade, e reclama da subsecretária para a América do Norte da SRE a ampliação do documento enviado pela embaixada ao governo americano solicitando tal imunidade.

A demanda de amparo foi admitida e se concedeu a suspensão provisória em 8 de outubro. A suspensão definitiva foi concedida em 18 de outubro, e em 7 de novembro as autoridades mexicanas interpuseram um recurso para que isso fosse resolvido pelos Tribunais Colegiados em Assuntos Administrativos.

Segundo me contam advogados inteirados do caso, esse "amparo" tem como propósito derrubar a solicitação do governo do México ao dos EUA sobre a imunidade soberana para Zedillo, enquanto ex-presidente. Se a carta do governo do México ao dos EUA deixará de existir juridicamente - ao se resolver no México que o Executivo não possui a faculdade de solicitar imunidade para ninguém -, a sugestão de Washington ao juiz perderia muita força. Mas, sobretudo, o juiz americano não poderia levar em conta a posição de seu governo. Nesse caso - remoto, mas que é o que resta aos queixosos - o juiz dificilmente poderia outorgar a imunidade soberana a Zedillo e rejeitar a demanda sem um julgamento prévio.

Obviamente, os advogados dos parentes das vítimas, tanto aqui como lá, foram improvisando no caminho. É óbvio que quem pudesse ter alguma intenção malévola de processar pela via civil outro ex-presidente mexicano que ditasse cátedra em uma universidade da Ivy League - por certo próxima de onde está radicada a demanda contra Zedillo - já sabe tudo isso. E obviamente o governo de Peña Nieto sabe que isto é uma moeda no ar. E, por último, todo mundo conhece a posição do governo Obama a respeito.

 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

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