No México, é possível realizar uma gestão moderna conciliada com uma equipe conservadora?

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda

  • Paco Campos/Efe

     O presidente do México, Enrique Peña Nieto, participa de reunião em Madri, na Espanha

    O presidente do México, Enrique Peña Nieto, participa de reunião em Madri, na Espanha

Prefiro reservar minha opinião sobre o gabinete de Peña Nieto. Parece-me que a chave para avaliar uma equipe não é seu talento, sua inteligência, sua experiência, sua lealdade ou sua rudeza, senão sua adequação a um programa. Peña Nieto disse ao país o que quer fazer: com detalhes, prioridades e visão de curto, médio e longo prazo. A idoneidade do gabinete, na minha opinião, dependerá de sua consonância com essa agenda. Compartilho uma dúvida: pode se realizar um programa altamente modernizador com uma equipe altamente conservadora?

Há um cargo, porém, sobre o qual gostaria de compartir algumas reflexões porque o conheço: a chancelaria. Ele foi ocupado por meu pai, eu o ocupei e meu irmão ocupou o cargo mais próximo durante seis anos. Parece-me que a designação de José Antonio Meade é um acerto, mais por razões profissionais que pessoais (conheço Meade, mas não somos amigos próximos), e essas razões creio que são mais poderosas que as dúvidas que alguns pudessem esgrimir. Para começar, parece-me muito saudável, hoje e sempre, que o titular da Secretaria de Relações Exteriores não pertença ao Serviço Exterior Mexicano. Parece um contrassenso, sobretudo para a comentocracia ignorante ou para a classe política mais ignorante ainda.

Com exceção do Brasil, nenhum país com uma política externa ativa e ambiciosa dá o cargo a um diplomata de carreira: exceto Eagleburger, durante um ano, não houve um secretário de Estado dos EUA de carreira desde muito tempo; o mesmo vale para a França (o chanceler atual, Fabius, foi tudo menos diplomata), Inglaterra, Alemanha, Canadá, etc. A razão é simples: o Serviço Exterior executa as políticas que determinam primeiro os eleitores; segundo o chefe de Estado ou de governo; terceiro o titular político (seja um político-empresário, um político-acadêmico ou um político-profissional liberal).

Mas não é só a tradição externa; também foi o caso do México, insisto, apesar da ignorância dos que se expressam a respeito. Desde a renúncia de Gorostiza, em 1964, e até o erro de Calderón em 2006, isto é, durante 42 anos, foram titulares da SRE só três membros do serviço: García Robles por um ano; Castañeda e Álvarez de la Rosa durante três anos e meio, e Tello Macías por dez meses e meio. Todos os demais chanceleres, digam o que digam hoje, não foram do serviço. Carrillo Flores, Rabasa, Roel, Sepúlveda, Solana, Camacho Solís, Gurría, Green, o que escreve e Derbez. Dos 42 anos em jogo, o SEM ocupou o cargo durante menos de seis. Alguns objetaram, e Castañeda pai? A resposta, para os que o conheceram, é evidente: praticamente foi membro do SEM desde 1950, mas nem mental nem culturalmente o foi. Tinha vida acadêmica e intelectual fora da SRE (professor do Colmex e membro de sua junta de governo durante anos) e foi um participante ativo, a título pessoal, de todos os fóruns de direito internacional. Não era no sentido estrito um diplomata de carreira.

Digo tudo isso sem menosprezar a importância de contar com um serviço profissional. É indispensável. Mas só se for dirigido pelo presidente ou pelo titular. Não há pior erro do que deixar a política externa nas mãos da burocracia do que se chamava Tlatelolco.
Além de não ser do serviço, Meade tem a vantagem de não vir do código postal próximo do serviço, portanto não arrasta o lastro conservador, biológico e político do SEM.

Não sei o que pensa da doutrina Estrada, mas sei que não nasceu recitando esses textos. Não sei o que pensa da participação do México no Conselho de Segurança da ONU ou de um ativo lobby mexicano dentro dos países que mais nos importam para defender nossos interesses, mas sei que não tem medo disso. Ao vir da Fazenda, traz o DNA próprio da dependência, e as opções de praxe que todos temos. Mas não são as do SEM. Por esses motivos, congratulo-me por sua nomeação.
 

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Jorge Castañeda

Jorge Castañeda foi chanceler do México e é autor de uma das mais extensivas biografias já publicadas sobre Che Guevara.

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