"Ela não suportaria perder tantos amigos", diz irmã de desaparecida
Nascida em Brumadinho, Lecilda de Oliveira, 49, ainda era muito jovem quando começou a trabalhar na Vale. Ela conhece boa parte dos funcionários da barragem que se rompeu e, como muitos deles, está desaparecida. A família diz não ter muita esperança de encontrá-la viva, mas guarda uma certeza: "Se ela tivesse se salvado, não iria suportar perder tantos amigos".
Quem conta é Natália de Oliveira, irmã de Lecilda, que é a mais velha de quatro irmãos. "Ela era do RH, foi gerente. Era madrinha de casamento, tinha afilhados filhos de colegas de trabalho. Pode perguntar que todo mundo sabe quem ela é", diz Natália.
Nesta terça-feira (29), Natália passou a tarde no Espaço Conhecimento, área montada pela mineradora na cidade para dar assistência a parentes em busca de notícias. Quando anunciaram ao microfone que seria divulgado boletim atualizado sobre as vítimas, ela foi uma das primeiras a entrar na fila.
Chegada a sua vez, perto das 17h, sentou-se na frente do atendente, informou o nome da irmã e recebeu a mesma resposta dos dias anteriores. Lecilda ainda não havia sido encontrada.
"Estamos até preparados para não termos o sepultamento dela. A gente entende a situação. Mas o que nos mata é essa angústia", disse ela depois de ganhar o abraço de uma conhecida, também na fila por alguma novidade. "A agonia só vai acabar quando acharem o corpo dela ou nos disserem: 'Acabaram-se as buscas'. Aí a gente vai ter um ponto final."
Natália estava acompanhada da irmã, da sobrinha Letícia e da mãe, Custódia Maria de Oliveira. Letícia e Custódia conheceram, ao lado de Lecilda, a barragem que ruiu.
Uma foto com as três de capacetes da Vale faz lembrar o momento festivo e não sai do celular de Letícia. "Quando a gente chegou lá no alto, minha tia colocou a mão no ombro da minha avó, sorriu e disse: 'Imagina se isso estoura? Acaba tudo'".
Lecilda tem dois filhos, de 21 e 26 anos, e afilhados. Um deles é filho de um casal de colegas de trabalho que também estão desaparecidos. "Quero tentar apoiar esse menino se nenhum deles estiver mais aqui", diz Natália.
Relação com a Vale
Natália diz que depois do rompimento da barragem do Fundão em Mariana, três anos atrás, a cidade de Brumadinho temia que uma tragédia pudesse acontecer. A irmã, entretanto, não parecia compartilhar do temor. "Tirando esse dia da visita, Lecilda nunca falou nada que pudesse indicar algum medo sobre o trabalho dela, e olha que ela é medrosa", diz a irmã. "Ela amava a Vale. Era tudo para ela."
A sobrinha acrescenta: "Foi trabalhando ali que ela cresceu e pôde ajudar a família, realizar o sonho de um irmão ou de um sobrinho de ter uma boneca, de um tênis", diz.
Para Natália, a comunidade de Brumadinho vai ter que olhar com atenção para essas crianças que estão ficando órfãs. Ela é professora do ensino infantil e diz estar preocupada com o futuro dessa geração.
"A gente vai precisar de um treinamento, de um acompanhamento para saber como lidar, porque as aulas vão começar, os alunos vão chegar precisando da gente, e a gente também não está muito bem", afirma. Assim como ela, outras professoras se sentem em desamparo.
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