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'Mataram um trabalhador', diz mãe de ex-militar morto na Vila Cruzeiro

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

01/06/2022 04h00

A mãe do ex-militar da Marinha morto na chacina da Vila Cruzeiro, zona norte carioca, na semana passada, detalhou a angústia entre o sumiço do filho e a localização do corpo em uma área de mata na parte alta da favela. "Meu filho era tudo pra mim. E me tiraram isso", disse ao UOL.

No total, 23 pessoas foram mortas —nenhuma das vítimas é policial. Ao menos 16 não tinham mandado de prisão em aberto. A ação policial é apontada como a 2ª mais letal da história do Rio de Janeiro. No massacre da favela do Jacarezinho, em maio do ano passado, 28 pessoas morreram.

Unidades de saúde que socorreram as vítimas e a Polícia Militar chegaram a confirmar 26 mortes. Mas a Polícia Civil revisou o número e afirmou que foram 23 —as outras três vítimas seriam de um confronto entre traficantes no Morro do Juramento, a 5 km da Vila Cruzeiro.

O STF (Supremo Tribunal Federal) encaminhou um ofício ao governo do Rio de Janeiro pedindo esclarecimentos. Em um ano de gestão do governador Cláudio Castro (PL), foram registradas 182 mortes em 40 chacinas no Estado, segundo levantamento obtido pelo UOL —só no combate ao tráfico da Vila Cruzeiro, foram quatro chacinas com ao menos 39 assassinatos.

Procurado, o governo do Rio de Janeiro não se manifestou sobre o assunto.

'Falaram que só tinham matado bandido'

Patrícia Costa Conceição é mãe do ex-militar da Marinha Douglas Costa Inácio Donato, um dos mortos na ação policial de 24 de maio, que deixou ao menos 23 pessoas mortas na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
Patrícia Costa Conceição é mãe do ex-militar da Marinha Douglas Costa Inácio Donato
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Em entrevista ao UOL na casa onde mora na Vila Cruzeiro, alvo da operação policial que matou o seu filho, a diarista Patrícia Costa Conceição, 42, relembrou o último contato com o filho, que estava em uma festa com amigos. Ex-militar da Marinha, Douglas Costa Inácio Donato, 23, trabalhava em uma loja de calçados e era pai de um bebê de dois meses.

A mãe perguntou se ele iria trabalhar no dia seguinte. Ele respondeu, pelo WhatsApp, à 1h42 de 24 de maio, horas antes da ação policial na favela.

"Depois, ele não me respondeu mais. Nisso, eu dei uma cochilada. Quando acordei, era muito tiro. Esperei o dia clarear e comecei a procurar por ele. Aí, quando cheguei na estrada, os 'polícia' já estavam xingando muito, dizendo que só tinham matado bandido", afirma.

Segundo parentes, Douglas voltava de moto de uma festa na madrugada da operação policial e desapareceu. O corpo dele foi encontrado horas depois com marcas de tiro em uma área de mata. A mochila e os pertences dele estavam rasgados, informaram testemunhas.

Mapa Rio de Janeiro - Folhapress - Folhapress
Imagem: Folhapress

Foto de Douglas Costa ainda criança em um porta-retratos na casa da mãe dele, na Vila Cruzeiro. O ex-militar da Marinha está entre os 23 mortos na ação policial na favela - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
Foto de Douglas Costa ainda criança em um porta-retratos na casa da mãe dele, na Vila Cruzeiro
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Da procura à localização do corpo

Patrícia disse ter ido ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, para onde os corpos estavam sendo levados. Um voluntário relatou ao UOL que os cadáveres estavam sendo colocados em sacos pretos pelo chão, já que não havia mais espaço no necrotério. A Secretaria de Saúde nega.

"Não tive coragem de entrar [no necrotério]. Fiquei sentada na rua e eles [familiares] foram lá ver. Voltei pra casa e decidi subir de novo [para a parte alta onde estavam concentrados os mortos na ação]. Tinha muita família procurando corpo".

Em meio às buscas, uma prima a informou que Douglas estava entre os mortos.

Ele estava com o rosto furado. Morreu com três tiros. Fizeram a maior covardia com o meu filho. E, assim, acabaram com a minha família, mataram um trabalhador."
Patrícia Costa Conceição, mãe de Douglas

Patrícia confessa incerteza em relação ao futuro, mas ainda diz buscar forças para lutar pela memória do filho —que, afirma, é tratado como criminoso pelas forças de segurança. "Não sei o que será de mim. Só sei que quero justiça pela morte dele."

A operação teve participação do Bope (Batalhão de Operações Especiais) e da PRF (Polícia Rodoviária Federal), sob a justificativa de impedir o movimento de criminosos ligados ao grupo criminoso CV (Comando Vermelho) da Vila Cruzeiro para a Rocinha, na zona sul do Rio.

Na semana passada, a Polícia Civil informou que 12 policiais militares e rodoviários federais prestaram depoimento e admitiram envolvimento em confrontos que resultaram em dez mortes. As armas foram apreendidas e periciadas.

Ao UOL, em nota, a Polícia Militar informou que a corregedoria da entidade acompanha as investigações conduzidas pela Polícia Civil para apurar eventuais irregularidades. Já a PRF (Polícia Rodoviária Federal), que também participou da ação, diz não ver desvios de conduta e monitora as investigações.