Em depoimento à CPI, Cachoeira se cala, mas afirma que tem "muito a dizer" à Justiça
O bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, se negou a responder todas as perguntas feitas por congressistas durante depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) mista que investiga suas relações com parlamentares e outros agentes públicos. “Ficarei calado como manda a Constituição”, repetiu Cachoeira ao longo de duas horas e meia de depoimento, que começou às 14h desta terça-feira (22).
Cachoeira foi preso em fevereiro durante uma operação da Polícia Federal --ele é acusado de comandar um esquema de jogos ilegais de azar, além de outros crimes. Grampos telefônicos da PF apontam que o contraventor tinha relações estreitas com parlamentares e governadores, além de outros servidores.
O depoimento foi encerrado por volta das 16h30, após votação e decisão da maioria dos presentes. Cachoeira, entretanto, deve ser convocado outras vezes para depor à CPI.
Mais magro, sem os óculos, com olheiras e cabelos grisalhos, Cachoeira não demostrou desconforto com as perguntas dos parlamentares. “Como manda a lei, responderei constitucionalmente. Fui advertido pelos advogados para não dizer nada e não falarei nada aqui”, afirmou o contraventor, ao lado do advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, após a primeira pergunta, do relator Odair Cunha (PT-MG).
Os primeiros questionamentos foram sobre seus bens, como uma casa em Miami, e relações com empresas, como a construtora Delta. Após as primeiras respostas, o bicheiro começou a ironizar as perguntas e afirmou que só falará em juízo. “Tenho muito a dizer, mas só depois da audiência [na Justiça de Goiás].”
A postura do contraventor irritou o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), que pediu à presidência da CPI que os parlamentares fossem tratados com respeito e não "como palhaços". "Não brinque conosco. O senhor não pode vir aqui para jogar com quem quiser, ou para salvar da fogueira quem o senhor quiser", disse o tucano. Cachoeira apenas respondeu: "Quem forçou [a ida dele à CPI] foram os senhores".
Já o deputado líder do PPS na Câmara dos Deputados, Rubens Bueno (PPS-PR), aproveitou a reunião para ironizar a mensagem do deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-RS) enviada ao governador do Rio, Sergio Cabral (PMDB) na última quinta-feira (17), na qual o petista disse ao mandatário carioca “você é nosso, e nós somos teu (sic)”. “Nós não somos teu (sic)”, afirmou Bueno a Cachoeira.
Veja as perguntas e as "não respostas" de Cachoeira à CPI
O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) fez perguntas sobre a relação de Cachoeira com secretários de Agnelo Queiroz, governador do DF pelo PT. O bicheiro, como esperado, não respondeu aos questionamentos. O deputado petista Paulo Teixeira (SP), por sua vez, questionou o contraventor sobre as suspeitas de ligação entre ele e o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Mais uma vez, Cachoeira se calou, e exibiu um leve sorriso.
O líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), também perdeu a paciência com as mesmas respostas e chamou o bicheiro de “marginal” e tomado da “arrogância” de “quem é livre, e não preso”, como Cachoeira. O senador Fernando Collor (PTB-AL) questionou Cachoeira sobre supostas relações entre o contraventor e o jornalista Policarpo Júnior, da revista "Veja", mas outra vez o bicheiro permaneceu calado.
O deputado Chico Alencar (RJ), líder do PSOL na Câmara, criticou o direito evocado pelo contraventor: "Esta sessão não foi inútil”, disse. "Este é um silêncio cínico, um silêncio desrespeitoso." O também deputado federal Sylvio Costa (PTB-PE) satirizou o andamento da reunião. “Este silêncio não é o ‘silêncio dos inocentes’ [em referência ao filme com mesmo nome], é óbvio”, afirmou.
A senadora Kátia Abreu (PSD-TO) pediu a suspensão da reunião. "Estamos fazendo um papel ridículo diante deste senhor, que está nos manipulando, [estamos] perguntando para uma múmia. O que as pessoas em casa vão pensar de nós? Não vou ficar dando ouro para bandido”, reclamou a líder do PSD no Senado, que abriu o requerimento que acabou encerrando a reunião.
Ministro do STF liberou depoimento
O depoimento do pivô do escândalo hoje foi possível uma vez que seu segundo pedido de habeas corpus para não depor foi rejeitado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A defesa de Cachoeira conseguiu um primeiro adiamento na semana passada para ter acesso aos inquéritos das operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal. Depois de receberem autorização para ler os documentos, os advogados tiveram de quarta-feira (16) até esta segunda-feira (21) para trabalhar. A sala onde funciona a área técnica da CPI, com computadores que contêm os dados, abriu no fim de semana apenas para atender os advogados.
Este foi o primeiro depoimento aberto da CPI. Antes, falaram em reunião fechada apenas os delegados da PF que conduziram as operações que investigaram Cachoeira.
O início lento da comissão é atribuído nos bastidores do Congresso a um suposto acordo entre PSDB, PT e PMDB. Três governadores dos partidos, respectivamente Marconi Perillo (Goiás), Agnelo Queiroz (Distrito Federal) e Sérgio Cabral (Rio de Janeiro), têm ligações com a empresa Delta, construtora que teria Cachoeira como sócio oculto.
O próprio presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), já admitiu que a CPI está "meio devagar". Na última quinta-feira, (17), a comissão aprovou convocações de 51 pessoas, mas os governadores não foram chamados.
Com o depoimento quase nulo de Cachoeira, parlamentares acreditam que o foco se voltará a Vaccarezza. Na semana passada, ele foi flagrado pelo SBT ao enviar uma mensagem ao governador do Rio de Janeiro para alertá-lo que os petistas da comissão estariam trabalhando a favor dele.
Depoimento no Conselho de Ética
Está previsto que Cachoeira deponha também nesta semana no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, que abriu processo disciplinar contra o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), suspeito de envolvimento no esquema do bicheiro.
A previsão é que Cachoeira fale na quarta-feira (23). Porém, ele pode se recusar a ir ao conselho já que foi chamado como testemunha, e não como réu. Segundo a “Folha de S.Paulo”, o bicheiro não deve ir.
"Ele não vai porque isso pode resvalar no processo penal que ele responde", disse ao jornal a advogada Dora Cavalcanti, da equipe de Thomaz Bastos.
Além de receber presentes e favores do contraventor, que atua principalmente em Goiás, Demóstenes é suspeito de intervir no Congresso em favor de Cachoeira.
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