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A rebelião do passarinho

Jorge Ramos

03/04/2014 00h02

Nicolás Maduro, o líder autoritário da Venezuela, está rodeado de passarinhos. Um "passarinho pequenino" lhe assobiou uma vez e ele acreditou que era o espírito do falecido Chávez (aqui está o vídeo em que ele fala dessa milagrosa aparição: www.youtube.com/watch?v=qv5dAqSS0XU).

Mas além disso Maduro está cercado de outros passarinhos - os azuis, do Twitter -, que estão tornando sua vida impossível.

Apesar de ter sua conta aberta (@NicolasMaduro), odeia o Twitter. Chamou-o de "essas máquinas imbecis", segundo nos lembrou há pouco o historiador Enrique Krauze. Maduro censura brutalmente os meios de comunicação tradicionais - TVs, rádios, jornais -, mas não pode com as redes sociais e a internet. E se tentasse bloquear o Twitter ou qualquer outra rede outras opções tecnológicas surgiriam imediatamente (vimos que isso aconteceu recentemente na Turquia, depois que o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan tentou bloquear o Twitter).

Maduro diz que não mata nem reprime, mas basta um clique para que apareçam centenas de vídeos no YouTube que o contradizem.

É a rebelião do passarinho. Ou, como descreveu o "New York Times", a "globalização do desafio". Censurar a imprensa e tentar que o mundo não saiba dos abusos de poder na Venezuela é imaturo e idiota.

"É preciso assumir a ideia de que há 3 bilhões de pessoas no planeta com câmeras de televisão em suas mãos", disse-me em uma entrevista recente o professor Jeff Jarvis, o guru do jornalismo do futuro. "Este é um momento muito interessante para reinventar a televisão."

É verdade. Como jornalista, não posso competir com milhares de testemunhas das rebeliões em Caracas e Kiev. Por isso, longe de rejeitar todo o material que colocam na Internet e nas redes sociais, deve-se aceitá-lo, identificá-lo, verificá-lo, colocá-lo em perspectiva e destacar o que é relevante. Isso faz parte de nosso novo trabalho jornalístico. Mas isso Maduro não entende, ele que se formou com as ortodoxias e os abusos do próprio Chávez.

O que acontece é que Maduro ainda governa e reprime à moda antiga. Denuncia como "fascistas" os que se opõem a seu regime totalitário, mas não percebe o quanto se parece com o ditador Augusto Pinochet quando ordena a seus milicos e à Guarda Nacional que detenham os estudantes. Digamos com absoluta clareza: os soldados e a Guarda Nacional não poderiam ter disparado contra os manifestantes sem a autorização tácita do comandante em chefe, Nicolás Maduro.

Justificando seus atos brutais, Maduro disse em uma entrevista para Christiane Amanpour, da CNN, que nos EUA, assim como na Venezuela, não se permitiria um movimento que pretendesse derrubar o presidente. Mas nos EUA não poderia estar no poder um presidente que manda matar estudantes. Na Venezuela sim.

Nenhum democrata - nenhum - pode apoiar ou promover um golpe de Estado. E portanto não está à vista uma saída democrática para o regime de Maduro. O artigo 350 da Constituição bolivariana estabelece claramente que "o povo desconhecerá qualquer autoridade que menospreze os direitos humanos". Mas a Assembleia, controlada por chavistas, não vai tirar Maduro do poder. Hoje Maduro perderia um referendo revogatório, mas a lei não o prevê até 2016.

Os protestos nas ruas não podem continuar aguentando tantos mortos. Por isso, um editorial do jornal espanhol "El País" disse que "os protestos poderão se extinguir aos poucos, devido à repressão e ao cansaço. Mas é só questão de tempo que voltem a brotar, e com mais força".

É possível que Maduro caia por seu próprio peso: por seus mortos e por sua evidente incapacidade de administrar o país - e que sejam os próprios chavistas que o derrubem. Mas cedo ou tarde ele partirá: alguém que mata seus próprios jovens não pode ser presidente.

Foi o que nos disse um passarinho.