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Democracia foi ferida profundamente, diz Lugo ao deixar a presidência

Guilherme Balza

Do UOL, em Assunção*

22/06/2012 19h16Atualizada em 22/06/2012 22h24

"A democracia foi ferida profundamente, de maneira covarde, de maneira aleivosa", disse o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo, 61, em discurso após seu impeachment nesta sexta-feira (22) em Assunção.

O impeachment de Lugo foi aprovado no Senado com 39 votos a favor, 4 contra e duas ausências. O Senado precisava apenas de 30 votos (maioria de dois terços) para concretizar o impeachment. O julgamento político teve início após a Câmara dos Deputados ter aprovado a abertura de impeachment contra ele na quinta-feira (21), acusando-o de "mau desempenho" de suas funções. Cinco deputados atuaram como promotores e, em apenas meia hora, definiram os cinco motivos para destituir o presidente. O motivo mais recente, e estopim para a abertura do processo de impeachment, foi o conflito agrário sangrento em Curuguaty, que resultou em 17 mortos na última semana.

"Como sempre, atuei de acordo com a lei, ainda que ela tenha sido retorcida", afirmou em discurso no Senado. Lugo aceitou a decisão do Congresso.

"Estou disposto a responder pelos meus atos como ex-mandatário", disse o presidente deposto. "Depois de quatro anos, me despeço como presidente, mas não como cidadão", continuou.

Lugo agradeceu ainda aos movimentos sociais, homens e mulheres, que "sustentam o país" e, em seguida, agradeceu aos jornalistas. "Não quero deixar de agradecer aos companheiros de imprensa, independemente de compartilhar ideias."

"Fernando Lugo não responde a classes políticas, não responde à máfia, nem ao narcotráfico", disse ainda o ex-mandatário no Palácio do Governo, em uma crítica referência a opositores de direita que se uniram para derrubá-lo.
"Esta noite saio pela maior porta da pátria, pela porta do coração, do coração de meus compatriotas. Quero dizer que podem seguir contando com Fernando Lugo. Muita força. Viva Paraguai!", disse o ex-presidente ao encerrar seu discurso".

Trajetória de Lugo

Depois do conflito da última semana, que foi o ponto culminante para a Câmara abrir o processo de impeachment, Fernando Lugo demitiu o ministro do Interior, Carlos Filizzola, e o chefe da Polícia, Paulino Rojas. Mas os aliados liberais de Lugo não gostaram da escolha do ex-promotor Rúben Candia Amarilla, ligado ao Partido Colorado, para ocupar a vaga no Ministério do Interior. Lugo negou que a escolha tenha sido feita em nome da legenda, disse que seu governo é pluralista e que a designação de Amarilla foi “a título pessoal”.

O presidente também anunciou que seria nomeada uma comissão para investigar as mortes, mas as medidas não apaziguaram os ânimos da oposição. Sem maioria parlamentar, Lugo ficou impedido de cumprir a plataforma de reformas anunciada durante a campanha eleitoral de 2008. Sua proposta de reforma agrária também não avançou por conta das dificuldades de acordo entre sem-terra e proprietários.

A vitória do ex-bispo em 2008 acabou com uma hegemonia de seis décadas do conservador Partido Colorado no país. Lugo é considerado o líder mais à esquerda que o Paraguai teve por décadas e faz parte de uma nova onda de esquerda que chegou ao poder em grande parte da América Latina na última década.

Lugo ficou conhecido como “bispo dos pobres” depois de servir durante dez anos em San Pedro, província mais pobre do Paraguai. Ele ganhou uma dispensa especial do Vaticano para voltar a ter status de leigo depois de ser eleito presidente. A Igreja Católica não simpatiza com padres que se envolvem em política; nesta quinta, bispos católicos paraguaios pediram ao presidente que renuncie ao cargo “pelo bem do país”.

O mandato do presidente também foi sacudido por reiteradas denúncias de paternidade feitas por várias mulheres, que pediram exames de DNA alegando ter tido filhos com o mandatário quando ele ainda era bispo. Ele reconheceu dois filhos.

*Com informações do UOL, em São Paulo

Veja as cinco acusações que levaram ao pedido de impeachment

Mau uso de quartéis militaresA primeira acusação é o ato político ocorrido, com a autorização do Lugo, no Comando de Engenharia das Forças Armadas em 2009. Grupos políticos da esquerda se reuniram no local, usaram bandeiras e cantaram hinos ideológicos. Segundo o deputado José López Chávez, no ato, as Forças Armadas foram humilhadas, além de terem sido hasteadas outras bandeiras, num desrespeito a um símbolo nacional.
Confronto em CuruguatyNum dos piores incidentes sobre a disputa de terras no Paraguai, Lugo mandou 150 soldados do Exército para desocupar uma propriedade rural numa área de fronteira com o Brasil. No confronto com agricultores, ocorrido na última sexta-feira (15), ao menos 17 pessoas morreram. Das vítimas, sete eram policiais.
ÑacundayOutro ponto está relacionado às invasões de terras na região de Ñacunday, distrito localizado no departamento (equivalente a Estado) do Alto Paraná, a 95 quilômetros da fronteira do Brasil com o Paraguai. O deputado Jorge Avalos Marín acusa Lugo de gerar instabilidade entre os camponeses na área ao incentivar os próprios “carperos”, como são chamados os que acampa sob lonas pretas, as ditas “carpas”, encarregados da demarcação de terras. Os sem-terra estão há mais de dez anos na região e, desde então, vivem em conflito com os brasiguaios, brasileiros que se mudaramj para o país vizinho para plantar e trabalhar entre as décadas de 60 e 70. Nos últimos meses, o embate tomou contornos críticos.
InsegurançaOs parlamentares acusaram ainda o presidente Lugo de não ter sido eficaz na redução da insegurança que assola o país, embora o Congresso Nacional tivesse aprovado mais recursos financeiros. Além disso, eles criticam os gastos com a procura por foragidos do grupo criminoso EPP (Exército do Povo Paraguaio). Segundo o deputado, nunca na história o EPP (Ejercito del Pueblo Paraguayo), o braço armado do Partido de Izquierda Patria Libre, fez tantas vítimas entre integrantes da Polícia Nacional. Apesar disso, a conduta do presidente teria permanecido inalterada, o que teria dado mais poder ao grupo.
Assinatura do Protocolo de Ushuaia IIA assinatura do polêmico documento Protocolo de Usuaia II é visto como um atentado contra a soberania da República. Segundo a acusação dos parlamentares, o presidente não foi transparente sobre a assinatura desse documento já que até a presente data não havia encaminhado uma cópia do Congresso. A oposição a Lugo afirma que a assinatura do protocolo poderia resultar no corte do fornecimento de energia ao Paraguai, além de atentar contra a população e ter um claro perfil autoritário. Eles alegam ainda que Lugo tentou incluir medidas para fechar as fronteiras.