Eleito, Lula prometeu 'pacificar o país', mas terá resistência bolsonarista
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve como uma das principais bandeiras de campanha promover uma "pacificação do país" após a eleição. O discurso, com forte viés eleitoral, buscava atrair não só os eleitores indecisos, como acenar aos apoiadores mais moderados do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL).
Com a vitória, a promessa se torna um desafio real e um pouco mais complicado do que a campanha petista projetava. No Congresso, por exemplo, nomes de peso do bolsonarismo, como ex-ministros e aliados, foram eleitos no último 2 de outubro.
Força do PL. Dos 513 deputados eleitos, só o PL, legenda de Bolsonaro, conseguiu emplacar a maior bancada da Casa, com 99 parlamentares —23 a mais que a bancada atual. Com isso, o partido terá quase um em cada cinco votos na Câmara, o que o torna peça chave no jogo político.
Apesar do aumento entre os liberais, o PT também cresceu e passou de 56 para 68 nomes. A federação composta pela sigla petista com o PV e o PCdoB soma, no total, 81 deputados. A outra federação que também apoia Lula, formada pelo PSOL e pela Rede Sustentabilidade subiu de 10 para 14 deputados.
Bolsonarismo no Senado. A eleição para o Senado também foi marcada pela vitória de aliados de Bolsonaro: os partidos de direita emplacaram 19 das 27 vagas em jogo, incluindo a eleição de ex-ministros, como:
- Tereza Cristina (PP-MS),
- Damares Alves (Republicanos-DF),
- Marcos Pontes (PL-SP),
- Rogério Marinho (PL-RN).
Também foram eleitos para o Senado o atual vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e o ex-secretário de Bolsonaro, Jorge Seif (PL-SC).
Outros aliados de Bolsonaro conquistaram cadeiras na Casa, como Magno Malta (PL-ES), Wilder Morais (PL-GO) e Hiran Gonçalves (PP-RR), além de Wellington Fagundes (PL-MT), Romário (PL-RJ) e Cleitinho (PSC-MG). Sergio Moro (União Brasil-PR), que fazia oposição ao governo, se elegeu com bandeiras do presidente, de quem se reaproximou no segundo turno.
E os vencidos? Desde o início da campanha, Lula falava em pacificação e união para "combater o ódio". O discurso servia também como uma estratégia de reforço da sua "pauta pró-democracia".
Ao repetir uma fala de Paulo Freire, "unir os divergentes para vencer os antagônicos", o petista reforçava a ideia de frente ampla em torno da chapa com o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSB).
O recado era dado principalmente ao eleitor: como aliados e até antigos adversários passaram a repetir, só o petista conseguiria formar condições para "pacificar o país".
Reuniões. Em tom de estadista, Lula repetiu mais de uma vez a promessa de que, na primeira semana após ser eleito, reunirá todos os 27 governadores —seus apoiadores ou não— para ouvir demandas, reclamações e estreitar laços. Mais do que uma vontade real de dialogar com discordantes, Lula pretendia marcar uma diferença em relação o Bolsonaro.
Em suas falas, o petista costumava bater na tecla de que o atual presidente não se sentou com governadores nem recebia prefeitos no Palácio do Planalto —o que ele promete fazer diferente. Com a vitória, o desafio que se impõe é saber se estes vão querer se reunir com ele, assim como uma parcela expressiva da sociedade que foi até o fim com Bolsonaro. Os antagônicos vencidos, agora, precisam ser governados.
Quem mexeu no meu queijo? A campanha e o próprio petista sabem que, por melhor que seja a capacidade de articulação de Lula, reconhecida inclusive por desafetos, o petista terá dificuldade de lidar com os chamados "bolsonaristas raiz".
O principal percalço, na visão da cúpula petista, serão os parlamentares da chamada "ala ideológica" bolsonarista, como as deputadas reeleitas Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF) ou os filhos do presidente. Estes, o PT avalia, farão oposição ferrenha independentemente da situação do governo.
O grupo se preocupa menos com a ala fisiológica —ou "bolsonaristas de ocasião"—, que compõe a maioria do PL e a da base aliada. Lula e companheiros dizem que já souberam lidar com o chamado centrão antes e agora não será diferente —no máximo, uma articulação mais difícil.
Orçamento secreto. O ponto mais delicado, avaliam, será cumprir uma das principais promessas de campanha e acabar com o orçamento secreto, manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que solidificou o centrão ao lado de Bolsonaro e se mostrou muito eficiente eleitoralmente.
Mexer nesse vespeiro, imaginam, será o principal desafio do presidente eleito junto ao Congresso. Até porque, Lira já se colocou de maneira informal como candidato à reeleição na Presidência da Câmara. No Senado, há o mesmo impasse sobre o próximo presidente: o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que ocupa o cargo, também quer se reeleger.
Pacheco venceu a disputa em 2021 com o apoio de Bolsonaro, mas se distanciou do Palácio do Planalto no início da pandemia. Neste ano, ele evitou manifestar apoio público a Lula, mas, nos bastidores, atuou em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país, para ampliar a vantagem do petista.
Bolsonaristas eleitos senadores, contudo, também se movimentam para competir com o senador mineiro pela Presidência. Isso porque o PL conseguiu a maior bancada da Casa, com 14 senadores.
O líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), já admitiu que o partido deverá reivindicar o posto, uma vez que conta com o maior número de parlamentares.
Conversas com o centrão. Na avaliação do sócio diretor da Contatos Assessoria Política e analista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), André Santos, a governabilidade de Lula não está ameaçada, mas o petista está mais em desvantagem em relação ao tamanho das bancadas.
Segundo Santos, a base da esquerda contaria com aproximadamente 120 deputados, podendo chegar a 140, se incluir os parlamentares do PDT.
Com os partidos de centro, entre eles o PSDB, Cidadania, MDB e PSD, por exemplo, o número pode chegar a 340.
"Aí entra a capacidade de negociação de Lula. Ele já fez isso antes, tem experiência, traquejo. Ele pode ter dificuldade nas pautas econômicas", explicou.
Esses partidos não compõem a base bolsonarista, mas tinham posição alinhada com a do governo Bolsonaro em algumas propostas. Os principais partidos aliados de Bolsonaro atualmente são o PP, sigla de Lira, o PL e o Republicanos. Esses somam 187 deputados.
Lira flexível. Em agosto, porém, o próprio Lira não descartou uma aliança com Lula.
Em palestra ao banco BTG Pactual, disse que ficará presidente da Câmara até fevereiro de 2023 e teria que conviver com o presidente eleito. "O presidente Lula tem vasta experiência política. Sabe todos os acertos que já fez, todos os erros que o partido dele já cometeu. Sabe que ele já enfrentou a Câmara e ganhou, sabe que já enfrentou e perdeu, e sabe as consequências disso", afirmou à época.
Sinais. Fortes sinais. O primeiro alerta para a campanha em relação ao plano de pacificação veio já no resultado do primeiro turno. A cristalização de um país dividido, com 43% de apoiadores do presidente mesmo havendo outras opções, mostrou ao PT que a tarefa de união não será tão fácil assim.
Para além da eleição de um Congresso mais conservador do que os petistas esperavam, a campanha começa a olhar hoje para uma parcela significativa da população que, aparentemente, não lhe dará o aval esperado.
Oficialmente, Lula tem repetido que o Brasil de 2023 será mais difícil de governar do que o Brasil de 2003, quando ele assumiu o primeiro mandato. Mas o petista sabe que o desafio vai além.
Tudo dependerá também, dizem aliados, da reação do presidente Bolsonaro nestes dois meses de transição. As expectativas, no entanto, não são das melhores.
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