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Estado Islâmico se assemelha com o que aconteceu no Vietnã

Sedat Suna/ EFE
Imagem: Sedat Suna/ EFE

Thomas L. Friedman

30/10/2014 00h04

Em maio, eu visitei o Vietnã e me encontrei com estudantes universitários. Após uma semana bombardeado de amor pelos vietnamitas, que me disseram o quanto admiram os Estados Unidos, que querem trabalhar ou estudar lá e que têm amigos e parentes vivendo lá, eu não pude deixar de me perguntar: "Como entendemos este país tão errado? Como entramos em uma guerra contra o Vietnã que custou tantas vidas e os levou aos braços de sua inimiga mais odiada, a China?"

É uma história longa e complicada, eu sei, mas grande parte dela envolveu o fracasso em entender que o drama político central do Vietnã era uma luta nacionalista nativa contra o governo colonial –não o abraçar do comunismo global, mas a interpretação disso que impusemos.

O norte-vietnamitas eram tanto comunistas quanto nacionalistas –e ainda são. Mas o motivo principal para termos fracassado no Vietnã foi que os comunistas conseguiram explorar a narrativa nacionalista vietnamita de modo muito mais eficaz que nossos aliados sul-vietnamitas, que costumavam ser vistos como corruptos e ilegítimos. Os norte-vietnamitas conseguiram conquistar (com a ajuda de coerção brutal) mais apoio vietnamita não porque os vietnamitas abraçaram Marx e Lênin, mas porque Ho Chi Minh e seus camaradas comunistas eram vistos como sendo nacionalistas mais autênticos.

Eu acredito que algo parecido com isso está ocorrendo no Iraque. O Estado Islâmico, com seu pequeno núcleo de jihadistas, conseguiu conquistar muito território sunita não jihadista na Síria e no Iraque quase da noite para o dia não porque a maioria dos sunitas sírios e iraquianos repentinamente aceitaram a narrativa radical islâmica do autonomeado califa do Estado Islâmico. A maioria dos sunitas iraquianos e sírios não quer que suas filhas se casem com um fanático tchetcheno barbado, e não são poucos os que gostam de rezar cinco vezes por dia e depois concluir com um bom uísque.

Eles abraçaram ou se resignaram com o Estado Islâmico por sofrerem abusos sistemáticos dos governos pró-xiita, pró-Irã, de Bashar Assad, na Síria, e do primeiro-ministro Nouri al-Maliki, no Iraque –e por verem o EI como um veículo para reviver o nacionalismo sunita e acabar com a opressão xiita.

O desafio enfrentado pelos Estados Unidos no Iraque é tentar derrotar o Estado Islâmico em uma aliança tácita com a Síria e o Irã, cujos aliados xiitas locais estão realizando grande parte do combate no Iraque e na Síria. O Irã é visto por muitos sunitas sírios e iraquianos como a "potência colonial" dominando o Iraque para mantê-lo fraco.

Obcecados com o comunismo, os Estados Unidos intervieram na guerra civil do Vietnã e assumiram o lugar dos colonialistas franceses. Obcecados com o jihadismo e com o 11 de Setembro, estamos agora auxiliando o Irã na Síria e no Iraque? Será que o jihadismo está para o nacionalismo sunita assim como o comunismo estava para o nacionalismo vietnamita, um movimento ideológico temível que provoca reações emocionais no Ocidente –reforçado deliberadamente pelas decapitações gravadas em vídeo– mas que mascara um movimento nacionalista mais profundo por trás que é, para alguns, legítimo e popular em seu contexto?

Eu me pergunto o que teria acontecido se o Estado Islâmico não tivesse adotado o barbarismo e declarado: "Nós representamos os interesses dos sunitas sírios e iraquianos que foram brutalizados pelos regimes de orientação persa em Damasco e Bagdá. Se você acha que somos homicidas, apenas pesquise no Google 'Bashar al Assad e bombas de barril' ou 'milícias xiitas iraquianas e o uso de furadeiras para matar sunitas'. Você verá o que enfrentamos depois que vocês americanos partiram. Nossa meta é assegurar os interesses dos sunitas no Iraque e na Síria. Nós queremos um 'Sunistão' autônomo no Iraque, assim como os curdos têm o Curdistão –com nossa própria parcela da riqueza do petróleo do Iraque". Isso provavelmente teria conquistado imenso apoio de sunitas de toda parte.

A revista do Estado Islâmico, "Dabiq", publicou recentemente um artigo, "Reflexões Sobre a Cruzada Final" (transcrito pelo Instituto de Pesquisa de Mídia do Oriente Médio), que argumenta que a guerra dos Estados Unidos contra o Estado Islâmico só atende aos interesses dos inimigos da América: o Irã e a Rússia. Ele cita estrategistas americanos como alertando que o Irã criou um "cinturão xiita de Teerã até Bagdá e Beirute", uma ameaça muito maior que o Estado Islâmico.

Então por que o Estado Islâmico decapitou dois jornalistas americanos? Porque é uma coalizão de jihadistas estrangeiros, tribos sunitas locais e ex-oficiais militares do Partido Baath iraquiano. Eu suspeito que os jihadistas no comando querem atrair os Estados Unidos a outra "cruzada" contra os muçulmanos –assim como Osama Bin Laden– para energizar e atrair muçulmanos de todo o mundo e superar sua principal fraqueza, o fato de a maioria dos sunitas iraquianos e sírios serem atraídos pelo Estado Islâmico apenas como veículo para seu ressurgimento sectário, não por quererem um Islã puritano/jihadista. Não há melhor forma de fazer com que iraquianos e sírios seculares se juntem ao Estado Islâmico do que os Estados Unidos bombardearem a todos.

O Estado Islâmico precisa ser contido antes que desestabilize ilhas de decência como a Jordânia, o Curdistão e o Líbano. Mas destruí-lo? Isso será difícil, porque não está explorando apenas uma fantasia jihadista de califado, mas também as profundas queixas nacionalistas sunitas. Separar os dois é a melhor forma de derrotar o Estado Islâmico, mas a única forma de separar os sunitas comuns dos jihadistas é por meio do compartilhamento de poder por sunitas e xiitas, desenvolvendo uma interdependência saudável em vez da atual insalubre.

As chances disso ocorrer? Muito pequenas. Eu espero que o presidente Barack Obama tenha refletido bem sobre isso.