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Tragédia em Brumadinho

Em Brumadinho, professoras buscam forças para acolher alunos abalados

Luciana Quierati

Do UOL, em Brumadinho

01/02/2019 13h06

Natália de Oliveira, 47, tem uma irmã desaparecida no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, ocorrido há uma semana. Juliana Aparecida da Fonseca, 42, enterrou um primo e tem três primos, uma cunhada e a mãe das enteadas desaparecidos. O irmão mais velho de Rosângela Lícia dos Santos Mello, 57, também não foi encontrado. Edilaine Regina da Silva, 33, perdeu o cunhado.

Professoras de Brumadinho - Luciana Quierati/UOL - Luciana Quierati/UOL
Professoras Natália de Oliveira, Juliana Aparecida da Fonseca e Edilaine Regina da Silva se preocupam com volta às aulas
Imagem: Luciana Quierati/UOL
Além das perdas, essas quatro mulheres têm outra coisa em comum. São professoras e estão preocupadas em como dar apoio adequado aos alunos em luto - há crianças que ficaram órfãs - ao mesmo tempo em que precisam lidar com a própria dor.

Rosângela, mais conhecida como Rosinha, diz que já procurou ajuda. "Fui ao psicólogo e estou melhor. Mas nem todas as colegas estão bem. É um momento muito difícil", explica.

Temos que estar preparadas porque na escola não somos só professoras, somos mães, pais, psicólogas e amigas de crianças que são carentes disso tudo, e agora essa situação vai se agravar Rosângela Lícia dos Santos Mello, professora em Brumadinho

Ela e Edilaine dão aulas em uma escola municipal no bairro de Parque da Cachoeira, um dos mais carentes de Brumadinho, localizado no povoado de Tejuco. "Eu não tive coragem de ir lá ainda", diz Edilaine. "Porque a gente tem essas crianças como filhos. São muito próximos da gente." 

"ISSO NÃO É ACIDENTE, É UMA CHACINA"

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Juliana deu aula durante muitos anos na escola do Córrego do Feijão, onde fica a barragem que cedeu. Tinha estado no local horas antes de a tragédia acontecer. "Enquanto esperava o ônibus, me despedi de um ex-aluno, que me falou o último 'bom dia, tia Ju', e foi trabalhar. Ele ainda está desaparecido na lama", lamenta.

"A gente vai precisar de um treinamento, de um acompanhamento para saber como lidar, porque as aulas vão começar, os alunos vão chegar precisando da gente, e a gente também não está muito bem", diz Natália.

O período letivo nas escolas estaduais do município terá início na quinta-feira (7). Na rede municipal ainda não há data para a volta às aulas.

Estrutura de apoio

O psicólogo e professor André Luiz Freitas Dias, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), avalia que há duas preocupações em situações como a vivenciada por Brumadinho. Assegurar apoio psicológico e social a quem foi atingido pela tragédia e não silenciar sentimentos. "A marca, a ferida, ela já foi feita. A pior decisão seria cometer mais uma violência, dentre tantas, que é a do silenciamento da dor", afirma o professor. 

Coordenador de um programa chamado Polos de Cidadania, da UFMG, que acompanha pessoas atingidas por acidentes na mineração, Dias diz que os relatos de crianças e adolescentes vítimas de tais acontecimentos são de falta de um espaço de construção de narrativas, de respeito aos lugares de fala e de diálogo. 

"Um pai me disse em Brumadinho esta semana que estava preocupado de que a 'ficha' do filho ainda não 'havia caído'. Mas caiu. Talvez não como para ele, mas a criança sofre, constrói um pensamento, uma narrativa, e é necessário acessar isso, deixar isso vir à tona", explica Dias. 

Em termos práticos, o professor afirma que uma roda de conversa, talvez, não seja a forma mais indicada para estimular o diálogo. "Talvez seja um teatro, algo que de fato atraia e tenha mais a ver com a realidade", sugere.

Além disso, o psicólogo explica a necessidade de assegurar apoio psicológico e social, seja por parte do poder público ou das universidades, a toda a comunidade escolar. "Pais, professores, funcionários vão precisar. Isso vai da faxineira, cantineira, porteiro, até a parte administrativa, porque todos foram duramente atingidos por essa lama".

Rede de ensino de Brumadinho

Em nota, a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, que mantém três escolas no município, informou que está sendo articulado um plano de ação de atividades de apoio socioemocional para atender os estudantes e a comunidade escolar do município.

A Secretaria Municipal de Brumadinho diz que está se empenhando para que alunos, servidores e comunidade tenham "um ambiente de suporte e apoio ao drama vivido", mas não especificou que ações serão tomadas.
 

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