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Tragédia em Brumadinho

'Quanto mais tempo passa, mais difícil', diz bombeiro símbolo de Brumadinho

Tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais - Reprodução/Instagram
Tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais Imagem: Reprodução/Instagram

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

21/02/2019 04h00Atualizada em 21/02/2019 14h11

Por força de seu trabalho como porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, o tenente Pedro Aihara se tornou um dos rostos mais visíveis dos trabalhos de buscas por vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). Em entrevista concedida ao UOL nesta quarta, quase um mês depois da tragédia, Aihara declarou que os trabalhos continuarão até que exista chance de serem encontrados corpos. Ontem, a Defesa Civil mineira informou que a lama deixou, até o momento, 171 mortos e 139 desaparecidos.

Aihara também falou sobre ser reconhecido pela população e afirmou que o apoio que recebe não é a ele, mas ao trabalho dos bombeiros. Para o tenente, manifestações do tipo são algo positivo em meio à tragédia: provas de empatia e solidariedade. A seguir, leia os principais trechos da entrevista de Aihara.

Qual o balanço que o senhor pode fazer dos trabalhos de busca e resgate em Brumadinho no momento?

Aihara: Vamos completar um mês de buscas, e a operação agora entrou em uma característica de utilização maciça de maquinário pesado, de aprimoramento dos mecanismos de inteligência e de cruzamento de dados, e também a dragagem de alguns pontos. Em áreas que estão muito inundadas, a gente está utilizando maquinário para secá-las, para conseguir atuar melhor.

Neste momento, quais as principais dificuldades que as equipes de busca estão enfrentando?

São trabalhos bem complicados de escavação em grandes profundidades. O terreno, à medida que as chuvas vão acontecendo, às vezes muda a dinâmica da busca, porque pode deslocar massa, ter alguma movimentação. E também a questão da decomposição dos corpos. Quanto mais tempo passa, mais difícil fica encontrar, porque os corpos e a lama começam a se misturar, fica muito difícil de identificar.

Outra questão é a saúde dos bombeiros que atuam nas buscas. Exames mostraram alterações para o nível de alumínio no sangue. Como está a saúde das equipes, não só física como mental?

Todas as equipes estão sendo monitoradas, tanto médica como psicologicamente. O fato de termos detectado que a gente teve alguns exames alterados é a prova disso. Nas nossas operações, não só em Brumadinho, é natural que na nossa profissão, como uma profissão de risco, a gente se sujeite a alguns incidentes como esse. Mas a gente tem uma série de protocolos que estão sendo aplicados para resguardar a integridade física e psicológica dos militares.

Mesmo depois que a operação termina, esses militares continuam nesse monitoramento, para a gente garantir que não tenha nenhum tipo de problema em relação a isso daí. Evidentemente, existe um cansaço físico e psicológico, mas por isso também a gente faz o rodízio das equipes, para garantir a saúde dos militares.

O senhor acabou virando um dos rostos dos trabalhos em Brumadinho, até pela natureza da sua função. O que mudou na sua vida após assumir essa tarefa?

Na minha vida, não mudou nada. Acabou que, durante a operação, houve um pouco de repercussão em relação a isso, mas a minha preocupação sempre foi em relação a enaltecer os serviços da minha instituição, o trabalho sério e respeitoso que está sendo feito lá. A única coisa que eu faço é transmitir isso da maneira mais respeitosa, solidária, empática possível com os familiares das vítimas, porque essas pessoas são a minha principal preocupação quando eu vou fazer alguma comunicação. Vou continuar fazendo da mesma maneira.

Essa repercussão só mostra o reconhecimento da população com o trabalho dos bombeiros. O reconhecimento é para a corporação, não é para mim. Tenho total consciência disso.

Mesmo com essa ponderação que o senhor fez -- que o reconhecimento não é necessariamente para o senhor, mas para o trabalho da corporação --, como sua imagem acabou aparecendo muito, o senhor tem sido abordado nas ruas, as pessoas param para falar com o senhor?

Muitas pessoas têm me parado na rua, trazendo carinho, manifestações de apoio. Em nome da corporação, a gente agradece, fica muito feliz com isso. Mas sempre com essa ressalva que eu falei: eu sei que esse carinho é direcionado ao Corpo de Bombeiros, e não só ao Corpo de Bombeiros, mas a todas as pessoas que estão trabalhando de alguma maneira na tragédia. Pelo simples fato de eu ser visto algumas vezes na televisão ou em outros canais, o pessoal às vezes me vê e quer transmitir isso, falar para mim, porque eles sabem que eu estou lá.

O apoio das pessoas em meio a toda a essa situação muito triste da tragédia tem sido uma coisa muito bonita de se ver em um país com tantas diferenças econômicas, sociais, ideológicas, políticas. Pelo menos a gente parar um minuto e poder pensar no próximo, poder mandar o nosso gesto de solidariedade, o nosso carinho, a nossa oração, a nossa energia, eu acho que é uma coisa positiva mesmo em uma situação tão triste.

Acho que ainda existem pessoas que se preocupam com o outro, e isso é uma coisa positiva no meio da tragédia. A gente ter esse sentimento de empatia, eu acho que é o que ultimamente tem faltado muito nas pessoas. Talvez se a gente tentasse se colocar no lugar do outro, as pessoas fossem mais responsáveis e tragédias como essa não estariam acontecendo

Quais são as perspectivas para os trabalhos de busca? Até onde sabemos, esses trabalhos continuam por tempo indeterminado. O que vocês estão mirando para os próximos dias e semanas?

Nos próximos dias e semanas, e até a longo prazo, os trabalhos não devem mudar tanto. A estratégia de busca que a gente está adotando no momento já foi pensando no longo prazo. Então, a gente vai avançar nos locais que estão sendo vistoriados e nas escavações. Enquanto a gente tiver a possibilidade de encontrar algum corpo, o Corpo de Bombeiros vai continuar presente no local.

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