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O que se sabe sobre operação policial na Vila Cruzeiro, no Rio

Familiares de vítimas recebem notícias em frente ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha (Rio de Janeiro), após operação policial - Mauro Pimentel/AFP
Familiares de vítimas recebem notícias em frente ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha (Rio de Janeiro), após operação policial Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Do UOL, em São Paulo

24/05/2022 21h06

Ao menos 25 pessoas morreram durante operação policial realizada na terça-feira (24), na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Outras sete ficaram feridas durante a ação, a segunda mais letal da história do estado — atrás apenas das operações no Jacarezinho (em maio de 2021, com 28 mortos).

A ação policial foi feita pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais) em conjunto com a PRF (Polícia Rodoviária Federal) e teve início por volta de 4h, segundo moradores. Foram apreendidos 13 fuzis, quatro pistolas, 12 granadas, dez carros, 20 motos e uma quantidade ainda não informada de drogas.

O Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, tem divulgado as atualizações de óbitos. É para lá que os corpos estão sendo encaminhados. A Polícia Civil já identificou 10 dos 25 mortos. A lista completa de nomes está aqui.

O UOL reuniu o que se sabe, até o momento, sobre a operação. Confira abaixo:

Qual a justificativa para a operação?

A Polícia Militar alegou ter constatado aumento de lideranças criminosas de outros estados em comunidades do Rio após uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que limita as operações policiais em comunidades no estado durante a pandemia de covid-19.

A PM afirmou que a ação vinha sendo planejada há meses e que foi executada hoje para impedir que um grupo de criminosos do CV (Comando Vermelho) se movimentasse da Vila Cruzeiro para a Rocinha.

No entanto, apesar do planejamento, a PM informou que a "ação foi emergencial e que não tinha como objetivo cumprir mandados de prisão".

Ao MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), a PM afirmou que a operação era necessária para coletar "dados de inteligência" sobre o deslocamento de aproximadamente 50 criminosos.

O relatório enviado pela polícia ao órgão é uma exigência do STF no âmbito da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, que discute a inconstitucionalidade da política de segurança pública no RJ.

A Corte determinou que a polícia tem até 24 horas para justificar a necessidade da operação.

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Vítimas de operação na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro, foram encaminhadas para hospital Getúlio Vargas
Imagem: Jose Lucena/Estadão Conteúdo

Operação recebe críticas e elogios

A operação policial, que terminou com 25 mortos, recebeu críticas de políticos e de familiares, além de moradores da região.

O ouvidor da Defensoria Pública do Rio Janeiro, Guilherme Pimentel, criticou as ações e afirmou que, além de colocar a vida da população em risco, elas "gastam rios de dinheiro e não resolvem absolutamente nenhum problema de segurança".

Sabemos que essas operações jamais seriam toleradas em bairros nobres da cidade. É preciso que também não sejam mais toleradas nas favelas do Rio de Janeiro."
Guilherme Pimentel, ouvidor da Defensoria Pública

Já uma parente de Maycon Douglas Alves Ferreira, 29, que foi morto na ação, disse que os policiais "entraram para matar". Ele estava dormindo no momento da operação e acordou para fugir. Ele é um dos identificados até o momento. A parente confirmou ao UOL que Maycon tinha envolvimento com o tráfico, mas afirmou que esperava que ele fosse preso pela polícia.

Fora as críticas, a operação também recebeu elogios do presidente Jair Bolsonaro (PL). O político parabenizou a Polícia Militar e o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) após a chacina.

Parabéns aos guerreiros do Bope e da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que neutralizaram pelo menos 20 marginais ligados ao narcotráfico em confronto, após serem atacados a tiros durante operação contra líderes de facção criminosa.
Trecho de mensagem do presidente Jair Bolsonaro

MP e MPF anunciam investigação e pedem dados de agentes

O MP abriu um procedimento para investigar as circunstâncias das mortes ocorridas durante a ação policial.

As determinações do órgão foram:

  • O Bope tem até dez dias para enviar um procedimento que detalhe todos os fatos que ocorreram ao longo da ação;
  • Todos os policiais que atuaram devem ser ouvidos;
  • O batalhão deve indicar os responsáveis pelas mortes e esclarecer a licitude de cada uma delas;
  • O DHPP (Departamento de Homicícios e Proteção à Pessoa), ligado à Polícia Civil, deve fornecer informações sobre os inquéritos policiais instaurados para apurar os fatos.

O MP também recomendou ao DHPP que todas as armas de policiais envolvidos na operação sejam periciadas.

Já o MPF (Ministério Público Federal) também anunciou a abertura de uma investigação criminal para apurar violações cometidas pelos policiais durante a ação.

O órgão fez um requerimento para ter acesso a diversas informações, tais como:

  • Fichas funcionais dos agentes que participaram da operação, incluindo a qualificação deles;
  • Relatório final da operação;
  • Informações e cópias dos mandados de prisão emitidos;
  • Número da ação penal.

Em nota, o procurador da República Eduardo Benones lembrou que o mesmo local foi palco de operação com oito mortos no mês de fevereiro, durante outra ação da PRF.

vitimas - Arte/UOL - Arte/UOL
Vítimas da operação policial já identificadas
Imagem: Arte/UOL

Vítimas incluem moradora de outra comunidade

Gabrielle Ferreira da Cunha, 41, moradora da Chatuba, favela vizinha à Vila Cruzeiro, foi baleada dentro de casa. Ela é uma das vítimas da operação de hoje.

A região onde Gabrielle estava fica fora da área de atuação das forças de segurança. Segundo a PM, é possível que ela tenha sido atingida por uma arma de longo alcance.

Outra vítima pediu socorro por telefone após ser baleada. Natan Werneck, 21 anos só foi resgatado mais de seis horas depois e morreu a caminho do hospital. O nome dele não consta na primeira lista de mortos divulgada pela PM.

Um policial civil foi baleado durante a ação. Identificado como Sérgio Silva do Rosário, ele foi levado por uma viatura da PRF ao mesmo hospital para onde as vítimas foram encaminhadas.

Segundo a unidade de saúde, ele teria sido atingido no nariz, mas chegou lúcido no local e passaria por cirurgia para remover a bala, que ficou alojada.

Protesto de moradores

Após a ação, um grupo de moradores protestou em frente ao Hospital Estadual Getúlio Vargas. Quem vive na região relatou momentos de terror durante a ação, que ocorreu na madrugada.

"Acordei no susto ouvindo tiros... A certeza [de] que seu sono sempre é interrompido de forma cruel e violenta", escreveu no Twitter a cofundadora do Coletivo Papo Reto e moradora do complexo, Renata Trajano.

Moradores também relataram tiroteios na região ao fim da manhã e no início da tarde de hoje.