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Há dois meses em atividade, CPI do Cachoeira prioriza depoimentos em vez de documentos

Camila Campanerut

Do UOL, em Brasília

19/06/2012 09h10

A CPI Mista do Cachoeira completa hoje (19) dois meses de atividades em que a investigação tem focado mais em depoimentos do que em dados. Nos quase 60 dias de trabalho, a CPI ouviu os dois delegados responsáveis pelas investigações que incentivaram a criação da comissão, Vegas e Monte Carlos; dois governadores dos Estados em que o bicheiro Carlinhos Cachoeira tinha maior atuação – Marconi Perillo (PSDB-GO) e Agnelo Queiroz (PT-DF), além de outros envolvidos nas denúncias. Por outro lado, os dados não estão chegando  à CPI na velocidade em que o relator  do caso, o deputado Odair Cunha (PT-MG), gostaria  – ele responsabiliza a burocracia pelo atraso.

“A experiência das CPIs anteriores mostra que a analise documental e a perícia documental conseguem obter melhores resultados do que a coleta de depoimentos”, diz o cientista político e professor licenciado da UnB (Universidade de Brasília) Paulo Kramer.

Relator do caso,  Odair Cunha afirma que “a chegada dos dados está demorando mais do que gostaria” e aponta a “burocracia” como um das causas para a demora do envio de informações do Banco Central, STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça), entre outros órgãos, para a CPI.

Para Kramer, a CPI do Cachoeira se assemelha às CPIs anteriores ao se transformar em dias de depoimento em “um ‘palco iluminado’ para políticos tanto do governo quanto da oposição que precisam ou acham que precisam aparecer agora que as eleições municipais se aproximam”.

Kramer critica ainda o tempo que se gastou nos depoimentos dos governadores sobre a compra de imóveis em vez de tratar de esmiuçar os fatos que comprovariam a atuação da empresa Delta e de Cachoeira em negócios envolvendo obras públicas e financiamento de campanhas – o que poderia dimensionar o poder delas no Estado de Goiás e no Distrito Federal.

Apesar do pouco avanço nos depoimentos, o cientista política José Álvaro Moisés, da USP (Universidade de São Paulo), afirma não crer que o destino da CPI seja o de “acabar em pizza”.

Ao analisar as CPIs que ocorreram nos últimos 12 anos, Moisés verificou que mais de 70% delas produziram legislação nova pertinente ao assunto que estavam tratando, tentando fechar brechas nas leis que permitiam irregularidades.

“As pessoas esperam da CPI coisas que não diz respeito a suas funções constitucionais e regimentais. A CPI não é para punir, processar, para mandar prender. A CPI examina um assunto e tendo conclusões que envolvem pessoas, encaminha para o Ministério Público para a Justiça ou eventualmente para a Polícia Federal. E a CPI examina a legislação pertinente ao tema que está tratando”, pontuou Moisés.

O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), ex-líder do partido na Câmara, considera que as principais fontes de dados para a evolução da CPI estão nas quebras de sigilos bancário, telefônico e fiscal dos envolvidos na organização criminosa. “O potencial de esclarecimento das oitivas [depoimentos] é muito pequeno. Servem as oitivas para debate político e proselitismo”, afirmou.

Para o deputado Dr. Rosinha (PT-PR), foi "precipitada" a convocação de governadores antes do cruzamento de dados e do aprofundamento no estudo das informações tanto dos inquéritos quanto dos sigilos dos envolvidos.  “Era preciso ter subsídio para fazer as perguntas. Por ora, a CPI tem muita disputa política e nada investigativa”, sentenciou.

O prazo de duração dos trabalhos da comissão é de seis meses, prorrogáveis por igual período. Muitos parlamentares da comissão já trabalham nos bastidores com a previsão de que será necessário utilizar todo o período possível devido à complexidade e à quantidade de material a ser analisado.

“Ainda estamos no começo das investigações, [a chegada das eleições e o recesso parlamentar] só vai melhorar as coisas com o passar do tempo, mas é preciso colocar pressão para avançarmos”, avaliou o deputado federal Miro Teixeira (RJ).

Informações da Delta

A Delta, que é uma das empresas com mais contratos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal, seria usada para lavar dinheiro obtido por jogos ilegais e teria o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, como sócio oculto, segundo apontam investigações da Polícia Federal.

A construtora, que chegou a denunciar estava sofrendo “bullying empresarial”, foi declarada inidônea pela CGU (Controladoria-Geral da União) na última terça-feira (12) – o que a impede de ser contratada por administrações públicas e participar de licitações federais. Mas, nesta segunda-feira (18), a empresa obteve na Justiça o direito de pedir recuperação judicial.

As denúncias também afastaram a holding J&F, que controla o frigorífico JBS, da ideia de comprara a empresa, que está saindo dos consórcios para construção de grandes obras, incluindo as da Copa do Mundo no Rio de Janeiro (RJ) e Fortaleza (CE).

Na última quinta-feira (14), a CPI adiou a votação sobre convocar Fernando Cavendish, ex-presidente da Delta, para depor à comissão. Segundo trechos vazados de interceptações telefônicas da PF, ele seria o autor da seguinte frase: “Se colocar R$ 30 milhões na mão de político, ganha negócio”.  A disputa foi acirrada, mas a maioria governista da comissão conseguiu derrubar a convocação.

A CPI também adiou a votação para convocar o ex-diretor-geral do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) Luiz Antônio Pagot, que se colocou à disposição para falar sobre a atuação da Delta e as relações dela com agentes públicos, com denúncias de que verbas públicas teriam sido usadas em caixa dois de campanhas.

Os dois fatos geraram indignação em um grupo de 13 parlamentares que estudam a possibilidade de formar um subgrupo da CPI para ouvir Pagot.

“Tentaram enterrar a CPI. O governo [federal] atuou diretamente para a não convocação de Cavendish e do Pagot. O que vai ressuscitar a CPI é a chegada dos dados da Delta”, defendeu o deputado federal tucano Fernando Francischini (PR) – um dos integrantes deste subgrupo.

Nos dias 17 e 29 de maio, a CPI aprovou respectivamente a quebra dos sigilos das filiais da empresa na região Centro-Oeste e Tocantins e das contas nacionais da construtora Delta. Até o dia 14 de junho, os dados ainda não haviam chegado à comissão.