Ação de hackers não altera suspeitas sobre Moro e Dallagnol, diz ex-STJ
Ex-presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o jurista Gilson Dipp diz que a suspeita de as mensagens vazadas envolvendo procuradores do MPF (Ministério Público Federal) e o então juiz Sergio Moro terem sido obtidas por meio da ação de hackers não altera as suspeitas sobre a falta de isenção na condução dos processos da Operação Lava Jato. Os diálogos vêm sendo publicados pelo site The Intercept Brasil desde junho.
"Minha grande preocupação é que, até agora, ninguém desmentiu o conteúdo das conversas", disse Dipp em entrevista ao UOL. "Enquanto não afirmarem, peremptoriamente, que aquilo não foi dito, não adianta dizer que as mensagens são ilegais ou fraudulentas."
Em manifestações à imprensa, a força-tarefa da Lava Jato tem afirmado não reconhecer as mensagens atribuídas aos procuradores, além de acusar a manipulação dos diálogos.
Na quarta-feira, a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de invadir o celular do ministro Sergio Moro e outras autoridades. Segundo a "Folha de S. Paulo", Walter Delgatti Neto, um dos presos sob a suspeita de atuar como hacker, disse em depoimento ter entregue as mensagens ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, de forma anônima, voluntária e sem cobrança financeira. Oficialmente, a PF não confirmou a informação.
Para Dipp, a gravidade do conteúdo das mensagens não é afetada pela investigação que apura os hackeamentos. "O sistema judicial do Brasil continua sob suspeita", afirmou o jurista.
UOL - Não há confirmação oficial da PF de que os hackers têm ligação com os vazamentos publicados pelo Intercept. Mas, considerando um cenário em que essas informações tenham sido obtidas por meios criminosos, isso invalidaria as supostas ilegalidades nos diálogos trocados por Moro e Dallagnol?
Gilson Dipp - São duas coisas completamente diferentes. Se houve o hackeamento, ou seja, um crime, aqueles que produziram as invasões do Telegram estão enquadrados em alguns tipos penais, como invasão de privacidade. Por enquanto, não se tem nenhuma informação de que estes presos tenham a ver com as informações obtidas pelo Intercept.
Minha grande preocupação, tanto como cidadão como ex-juiz, é que até agora ninguém desmentiu o conteúdo das conversas. O dia em que algum dos integrantes dos diálogos disser que é mentira, o benefício da dúvida começa a funcionar em favor deles.
Mas, enquanto [os envolvidos] não afirmarem peremptoriamente que aquilo não foi dito, não adianta dizer que as mensagens são ilegais ou fraudulentas.
Por enquanto, se sabe que houve invasão de mais de mil pessoas. Para quais fins, não sei. Mas o que importa é isso: o conteúdo dos diálogos não foi desmentido por ninguém. Enquanto isso, permanece intacta a suspeita de que não tenha havido isenção na condução de diversos processos. Isso é que interessa. Não adianta desviar a questão.
Os procuradores podem responder no Conselho Nacional do Ministério Público pelas ações que aparecem nas mensagens, mesmo que elas tenham sido obtidos de forma criminosa?
A prova ilícita não pode ser usada contra os acusados. Isso é princípio constitucional. Pela primeira vez, eu vi o Ministério Público chamar a seu favor a teoria dos frutos da árvore envenenada. Ou seja, o que vem de prova ilícita não pode atingir o acusado. Isso sempre foi defesa de réus. Mas essas provas poderão ser utilizadas em favor de alguns atingidos, que possam ter sido prejudicados por essa atuação irregular. Já existem manifestações do Supremo [Tribunal Federal] nesse sentido.
Uma coisa é o ato irregular, que não pode ser utilizado como prova. Agora, o conteúdo dessas conversas poderá sim beneficiar alguém. E, se não prejudicar penalmente os envolvidos, desmoraliza. Para mim, em suma, a gravidade do conteúdo das mensagens até agora obtidas não são afetadas por essa investigação.
Quem pode ser beneficiado com o conteúdo das gravações?
Depende de caso a caso. Parece que, pela longevidade dessas conversas, que vão desde 2014 até 2018, isso pode ter atingido centenas de processos que decorreram da Lava Jato e de outras operações. Em cada caso concreto, a defesa de cada um dos afetados é que vai tentar demonstrar se aquilo atingiu o réu dentro da ação. Quem são? Centenas de ações. São horas de conversa. Não sei quem possa ser.
O que sempre se traz à tona, até para afetar ou mobilizar a opinião pública, é o caso do [ex-presidente] Lula. Porque Lula é o mais visível daqueles que, em tese, poderiam ser beneficiados por um processo que não foi isento. Mas aí cada caso concreto tem que ser analisado e isso é problema dos advogados, dos réus, do MP e do Judiciário.
Para mim, os envolvidos nos diálogos estão cada vez mais vulneráveis. "Ah, fulano hackeou". Tudo é passado, tudo é terceirizado para outros e para a prática de outros crimes que podem ter acontecido. Mas aquilo que está nos diálogos, até agora, em nada foi afetado. E aí é muito grave. O sistema judicial do Brasil continua sob suspeita.
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