Com mais Fachins, Lava Jato teria chegado muito mais longe, diz Deltan
Resumo da notícia
- "Se a Segunda Turma fosse feita de Fachins, essa decisão não teria acontecido"
- Procurador também disse ter ficado surpreso com anulação de sentenças contra Lula
- Dallagnol discorda de suspeição de Moro e diz que decisões eram fundamentadas
- Sobre conteúdo de mensagens, disse que "tem muita gente procurando pelo em ovo"
Coordenador da extinta força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol disse ter ficado surpreso com a decisão do ministro do STF Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas afirmou acreditar que a operação teria "chegado muito mais longe" se o ministro tivesse sido mais seguido pelos colegas de Supremo Tribunal Federal.
Em entrevista por email ao UOL, Dallagnol também disse crer que a decisão do ex-juiz Sergio Moro de deixar a magistratura para ingressar no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) "alimentou narrativas equivocadas" sobre a Lava Jato. Por conta desse movimento, Moro é alvo de uma ação no STF que pode considerá-lo parcial e anular por completo os processos contra Lula.
Sobre as mensagens hackeadas de conversas dele com colegas da Lava Jato e com Moro, o procurador diz que elas podem ter sido adulteradas. Ele também não vê nada de errado na relação dos procuradores com Moro. "Tem muita gente com interesse em ver erro onde não tem."
Confira a íntegra das respostas que o procurador enviou ao UOL:
Edson Fachin é considerado um dos principais apoiadores da Lava Jato no STF. A decisão dele de anular condenações de Lula surpreendeu o senhor? Está decepcionado?
Não sei se é correto afirmar que o ministro Fachin é um apoiador da Lava Jato, mas sim que é uma pessoa extremamente honesta, técnica e dedicada, qualidades que reflete em suas decisões. Essa decisão, no entanto, me surpreendeu.
Estou decepcionado com o resultado do caso, porque a demora ou a prescrição fulminarão a justiça. Contudo, evidentemente não com o ministro.
Se a Segunda Turma [do STF] fosse feita de Fachins, essa decisão não teria acontecido, porque ele aplicou um entendimento majoritário da turma, em que ele ficou vencido e de que pessoalmente discorda. Além disso, o ministro tem um histórico que demonstra sua integridade e firmeza no combate à corrupção.
Se ele tivesse sido seguido pelos demais ministros em vários outros casos, a Lava Jato teria chegado muito mais longe
Houve quem levantasse a tese de que a decisão de Fachin foi uma tentativa de preservar a Lava Jato. O senhor concorda com essa análise?
Como disse antes, o ministro Fachin aplicou um entendimento majoritário da Turma, em que ele ficou vencido e de que pessoalmente discorda. Ou seja, se ele não decidisse assim, entendeu que a Segunda Turma decidiria por coerência. A mesma Turma está discutindo em paralelo a suspeição do ex-juiz [Sergio Moro] e uma questão pode ou não prejudicar a outra, o que é sujeito a debate.
Agora, preciso deixar claro que discordo das duas teses, de incompetência e suspeição.
Da primeira, porque a jurisprudência do próprio STF determina a competência da Justiça em Curitiba para casos de corrupção na Petrobras e, nos casos do tríplex e do sítio, o ex-presidente foi condenado por corrupção multimilionária na Petrobras.
Da segunda, discordo porque as decisões do ex-juiz federal estiveram fundamentadas de modo consistente nos fatos, nas provas e na lei, tendo sido confirmadas por vários julgadores de duas outras instâncias, que efetivamente se debruçaram sobre a análise dos fatos. A fundamentação das decisões é a maior garantia da imparcialidade da Justiça.
O senhor acredita que Lula será condenado novamente pela Justiça do DF nos casos do tríplex e do sítio? Se isso não ocorrer, será uma derrota para a Lava Jato?
Embora em Direito sempre exista margem para interpretações, já foram nove os julgadores que condenaram ou referendaram condenações.
É claro que cabe à Justiça a última palavra, mas se as provas forem aproveitadas, o maior risco, a meu ver, é a impunidade pelo decurso do tempo, ou seja, pela prescrição.
Se os crimes forem reconhecidos e houver impunidade, quem perde não é a Lava Jato, é a sociedade
Os procuradores da Lava Jato afirmam não reconhecer a veracidade dos diálogos hackeados. Porém, uma procuradora já pediu desculpas a Lula por uma fala, há áudios do senhor e as mensagens foram periciadas. Negar a autenticidade das mensagens não enfraquece a Lava Jato ao transmitir a sensação de que se mente sobre o assunto?
Seu raciocínio está totalmente equivocado por duas razões. Primeiro, se fomos hackeados, é claro que podem existir mensagens nossas no meio do material, o que não afasta a adulteração daquilo que tem sido divulgado. As mensagens têm sido editadas, descontextualizadas e deturpadas para fazer acusações falsas que não têm correspondência na realidade. Basta ver que, dois anos após a exposição sensacionalista desse material, nada se encontrou de irregular nos processos.
Segundo, a perícia realizada não atestou a autenticidade das mensagens, mas apenas que esse material foi encontrado em poder dos hackers.
Mas a questão não é essa e sim o quanto esses criminosos adulteraram as mensagens para atacar a Lava Jato antes de sua prisão e da apreensão do material. Vítimas relataram que os hackers se passaram por elas e usaram seu Telegram, no qual é possível apagar ou editar as mensagens passadas sem que isso apareça.
Não tem como confiar num material assim, ainda mais quando é utilizado a serviço de narrativas guiadas por interesses diversos da busca da verdade, que incluem a anulação das condenações"
O senhor se arrepende de ter feito contato por mensagens em aplicativo com Moro? O senhor ainda usa aplicativos de mensagem para fazer contato com juízes?
Todo bom advogado e promotor conversa com juízes para apresentar argumentos e fazer pedidos.
A forma dessas conversas com juízes, se acontecem em reuniões, por telefone ou mensagens, não importa. O que importa é se as conversas são republicanas, guiadas pelo interesse público, e sempre foram"
Muitos juristas, promotores e juízes se manifestaram sobre as supostas conversas na época em que foram divulgadas, afirmando que, se ocorreram, foram regulares. Dentre eles, há nomes da envergadura dos ex-ministros Carlos Veloso e Eliana Calmon e do jurista Luiz Guilherme Marinoni, além do corregedor do CNMP e de 270 juízes que assinaram uma moção de apoio.
Até o Ministro Marco Aurélio, que é bastante garantista, disse nesta semana que a conversa entre o juiz e as partes é normal e defendeu o trabalho da Lava Jato.
As mensagens hackeadas apontam que o juiz Moro pediu manifestação em um processo para que ele levantasse sigilo, e que indicaram prioridades para a juíza Gabriela Hardt. Os magistrados atuaram em conjunto com a acusação? Faltou uma parte neutra nos processos da Lava Jato?
O juiz Sergio Moro absolveu 63 pessoas que acusamos, mais de 21% dos réus. Recorremos de 98% das sentenças. Ele indeferiu centenas de nossos pedidos.
A tese de conluio só enfrenta um único problema: a realidade. Os dados a desmentem"
Não sei de que caso você está falando, mas cobrar agilidade em manifestações nos casos urgentes é normal. Aliás, se aconteceu, é meritório, indica diligência. Do mesmo modo, todo bom advogado pede prioridade de seus casos mais relevantes para o juiz e este decide o que merece sua atenção. Não houve a indicação de prioridades para a juíza, mas faço essa explicação porque, se tivesse acontecido, teria sido legítima.
Além dos equívocos nas divulgações, tem muita gente procurando pelo em ovo. Há muitos outros exemplos. Um veículo publica rotineiramente reportagens com a tese de que a cooperação internacional fora dos canais da autoridade central é ilegal, mas ela é reconhecida como legal até mesmo em documentos da própria autoridade central, além das recomendações nacionais e internacionais.
Tem muita gente com interesse em ver erro onde não tem
Nas mensagens, há a indicação de que os procuradores da Lava Jato reprovaram a ida de Moro para o governo Bolsonaro ao aceitar o cargo de ministro da Justiça. O senhor acha que Moro errou ao aceitar o cargo?
O movimento dele alimentou narrativas equivocadas sobre a operação, mas respeito a sua decisão, que foi estritamente pessoal. A Lava Jato sempre teve como referência a operação italiana Mãos Limpas, em que o trabalho contra a corrupção foi destruído pela reação da classe política. É o que vivemos hoje.
Como promotores ou juízes, não temos condições de impedir essa reação ou de promover avanços contra a corrupção, mas como ministro ele poderia ter maiores chances de influenciar a história. Ele pelo menos tentou. Precisamos de mais gente que, para além das boas intenções, aja para mudar a realidade sobre a qual reclamam.
Hoje já temos um quadro que dificulta muito a guerra contra a corrupção: a lei de abuso de autoridade aprovada recentemente, as alterações na lei de colaboração, a prisão apenas após o trânsito em julgado, dentre outras que estão para serem aprovadas no congresso nacional e podem fulminar a lei de lavagem, da Ficha Limpa e de improbidade administrativa.
Se a Lava Jato começasse hoje, o senhor acredita que a conduta deveria ser outra? Os procuradores deveriam evitar participar de palestras, evitar opinar sobre temas que fugissem de investigações e processos?
A reação política contra a operação não diminuiria em nada se tivéssemos silenciado em vez de defender reformas mais amplas para diminuir a corrupção e a impunidade. Nossas entrevistas, palestras e propostas legislativas fizeram parte dos nossos melhores esforços para incentivar a sociedade a enfrentar o problema da corrupção em suas raízes.
Não chegamos aonde gostaríamos, mas difundimos consciência cívica e plantamos boas sementes que ainda trarão bons frutos no esforço brasileiro contra a corrupção, que precisa ser permanente"
Se essa consciência crescer e se multiplicar, poderemos ter um ponto de virada, como aconteceu na luta por direitos civis nos Estados Unidos e naquela contra o Apartheid na África do Sul. Gotas de chuva, em quantidade suficiente, formam rios, e rios são difíceis de parar.
O fim da Lava Jato foi uma decisão política? Jair Bolsonaro diz que não há mais corrupção no governo. Qual a sua opinião?
Enquanto não houver a aprovação de amplos pacotes anticorrupção, como as Novas Medidas Contra a Corrupção, este problema continuará a ser sistêmico no Brasil, independentemente de quem está sentado na cadeira de presidente. Ainda há muito trabalho por fazer.
Agora, quanto menos gente investiga a corrupção, menos ela será revelada. A redução dos quadros das forças tarefas, transformadas nos Gaecos, chama a atenção para a importância de se fortalecerem as equipes, em vez do contrário.
Com o fim da Lava Jato, o senhor pretende entrar na política?
As mudanças que queremos ver no país dependem do engajamento na política de pessoas que buscam essa transformação, seja por meio da sua candidatura, seja a título de cidadania e de modo apartidário. Eu não tenho planos de candidatura e jamais conversei com partidos ou políticos sobre isso.
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