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Operação Lava Jato

OPINIÃO

Sem contraditório, documentário repete teorias de que Lula foi perseguido

Cena do curta-documentário "Submundo - A Conspiração da Lava Jato contra Lula"  - Reprodução
Cena do curta-documentário "Submundo - A Conspiração da Lava Jato contra Lula" Imagem: Reprodução

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

15/03/2021 04h00

O curta-documentário "Submundo - A Conspiração da Lava Jato contra Lula" cumpre o que promete: apresenta teorias de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alvo de perseguição política por meio de acusações da Operação Lava Jato.

Quem assiste aos seus 26 minutos de duração, porém, é privado de ter acesso ao contraditório. Em nenhum momento, procuradores que integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato ou juízes que o condenaram são ouvidos para esclarecer os pontos destacados na produção. A única versão apresentada é a que reforça a ideia de uma conspiração para que Lula fosse afastado da vida política brasileira.

O vídeo, produzido pelo Comitê Lula Livre, estreia hoje (15), às 19h, no site do grupo.

Tese de perseguição política

A intenção do vídeo, produzido pelo "Comitê Lula Livre", fica clara logo em seu início, quando fotos de Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) são queimadas em um cesto de lixo por uma figura que representa pessoas "que resolveram não correr mais nenhum risco" depois de quatro vitórias seguidas de candidatos do PT em disputas eleitorais.

"Primeiro, deram um 'golpe' para tirar Dilma da Presidência. Mas isto não bastava. Era preciso impedir que Lula fosse novamente presidente", diz um locutor. "E foi aí que entraram Sergio Moro e a Operação Lava Jato."

Esse trecho e todo o restante do documentário têm uma linguagem muito próxima à utilizada em propagandas do horário eleitoral. A cópia à qual o UOL teve acesso não traz créditos sobre quem participou da produção.

Sentença pronta?

A partir de então, o rapper Thaíde, a atriz Raquel Ferreira e um locutor se revezam para narrar uma visão a respeito da Lava Jato, especificamente em processos contra Lula. Críticas tradicionais —como as teses de falta de provas e "cumplicidade da mídia" para construir uma "farsa"— passam a ser expostas.

Eles dizem acreditar, por exemplo, que as "sentenças já estavam prontas e os processos eram meras formalidades" ao relembrar o episódio do "copia e cola" feito pela juíza Gabriela Hardt, que reproduziu na condenação no processo do sítio de Atibaia trechos da sentença do ex-juiz Sergio Moro no caso do tríplex.

Em razão da perícia feita pela defesa de Lula nas mensagens de procuradores da Lava Jato obtidas por ataque hacker, o UOL tem feito consultas à magistrada sobre a relação dela com a força-tarefa. Em nenhum momento, ela se negou a prestar esclarecimentos a nós. Pedir o posicionamento dela não faria mal ao documentário. Em tempo: ela já havia dado sua versão sobre o caso em 2019.

Propriedade

O documentário reafirma não haver provas de que Lula fosse proprietário do tríplex. Moro, por sua vez, em sua sentença, pontuou que não se estava "discutindo questões de Direito Civil, ou seja, a titularidade formal do imóvel, mas questão criminal, a caracterização ou não de crimes de corrupção e lavagem".

O vídeo não diz que o então juiz também absolveu Lula de parte da acusação feita pela Lava Jato no processo do tríplex.

A força-tarefa diz que o apartamento seria um benefício a Lula por esquemas de corrupção entre a empreiteira OAS e a Petrobras. E uma fala de Moro dias após a sentença ajudou a criar mais dúvidas sobre o processo, lembra o documentário.

Ele disse que "jamais afirmou (...) que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente." Para Moro, "nem a corrupção nem a lavagem, tendo por crime antecedente a corrupção, exigem ou exigiriam que os valores pagos ou ocultados fossem originários especificamente dos contratos da Petrobras".

Essa condenação foi confirmada pela segunda instância e também pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) —e iria começar a ser analisada este ano pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Ou seja, foi analisada por outros magistrados além de Moro.

A questão da propriedade é novamente levantada no processo sobre o sítio. A juíza Gabriela Hardt, porém, diz que o processo "não passa pela discussão sobre a propriedade formal do sítio, pois a denúncia narra 'reforma e decoração de instalações e benfeitorias' que teriam sido realizadas em benefício de Luiz Inácio Lula da Silva e família". As reformas, feitas por diversas empreiteiras, seriam contrapartida ao presidente por esquemas de corrupção dessas empresas com a Petrobras. A condenação também foi confirmada pela segunda instância e iria começar a ser analisada pelo STJ agora.

Debate sem fim

A discussão sobre os dois casos sempre será polêmica —e vai além de um documentário de 26 minutos ou de um texto curto. Provavelmente, ela nunca será pacificada, e deverá continuar assim mesmo depois de a Justiça Federal do Distrito Federal analisar as acusações novamente —o que não se sabe quando ou até mesmo se irá acontecer.

Mas, em meio a um tema tão propenso a discussões, que já tem uma guerra de narrativas, alguma manifestação de um membro da Lava Jato sobre as críticas feitas poderia contribuir com o debate sobre as sentenças no documentário.

A Lava Jato cometeu erros —chegou até a cogitar a prisão de Lula por causa de um crucifixo. Há delator, por exemplo, que diz ter sido "quase que coagido", como o UOL mostrou em julho de 2019.

O mais conhecido dos erros, porém, não é mencionado no documentário: o uso de um grampo de uma conversa telefônica entre Lula e Dilma após o período permitido para a escuta. A divulgação desse diálogo por Moro colaborou para impedir que o ex-presidente assumisse o Ministério da Casa Civil no governo Dilma —o que, por sinal, tiraria Lula do alvo da Lava Jato em razão de foro privilegiado.

Contudo, o documentário optou por mencionar pontos como velocidade de tramitação de processos e os diálogos entre procuradores e juízes, temas cujo debate nunca termina em consenso entre especialistas em Direito, assim como acontece com as sentenças.

O problema é tentar promover o debate sem considerar os argumentos de uma das partes, algo, inclusive, que é uma das principais críticas de apoiadores de Lula sobre a conduta da Lava Jato.

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