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Vazamentos da Lava Jato

Moro pediu ajuda à Lava Jato quando já era ministro, indicam mensagens

23.jan.2019 - Sergio Moro participou como ministro do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça - Alan Santos/PR
23.jan.2019 - Sergio Moro participou como ministro do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça Imagem: Alan Santos/PR

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

10/02/2021 04h00

O ex-juiz Sergio Moro já fazia parte do governo de Jair Bolsonaro quando pediu informações sobre a relação entre o Brasil e outros países em acordos de cooperação internacional ao procurador Deltan Dallagnol, então chefe da força-tarefa da Lava Jato.

O pedido foi enviado via aplicativo de mensagens às vésperas da participação do então ministro da Justiça e Segurança Pública em um debate sobre corrupção e uso da tecnologia no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, em janeiro de 2019.

A prática não é ilegal, mas evidencia a proximidade de Moro e Deltan revelada por mensagens vazadas mesmo após o então ministro ter deixado a magistratura. Ex-ministros da Justiça ouvidos pelo UOL entendem que Moro buscou a informação de maneira inadequada, já que o próprio ministério possui um órgão responsável por cooperação internacional. O pedido de Moro —encaminhado pelo então chefe da Lava Jato a um procurador— consta em perícia contratada pela defesa do ex-presidente Lula que foi protocolada no STF (leia a íntegra).

Procurado pelo UOL, o MPF (Ministério Público Federal) afirmou que os procedimentos da força-tarefa seguiram a lei. Embora não reconheça a autenticidade das mensagens, obtidas por hackers presos, o órgão diz que os diálogos atribuídos a Deltan não são ilegais (leia a íntegra do posicionamento do MPF).

A assessoria de Moro disse manter o mesmo posicionamento sobre o caso —na semana passada, o ex-juiz reiterou que vê "origem ilícita" nas conversas.

Às 22h23 de 20 de janeiro de 2019, Deltan encaminhou em chat do aplicativo Telegram mensagem atribuída ao ex-juiz. Após repassar a mensagem de Moro, o procurador faz um pedido a um colega identificado apenas como "Douglas Prpr".

"Moro: 'Estarei em Davos na semana, pode me dizer sucintamente com quais países ainda temos dificuldade com cooperação, Hong Kong por exemplo forneceu aquelas provas?'. Vc descobre e me passa por favor?"

Procurador Deltan Dallagnol ao encaminhar mensagem de Moro

Como ministro, Moro chefiava o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), órgão responsável por pedidos de cooperação internacional. Pelo cargo que ocupava, o caminho mais adequado para buscar esse tipo de informação seria o próprio departamento ou a PGR (Procuradoria-Geral da República), e não um procurador de 1ª instância.

Ministro da Justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso em 1999 e 2000, o advogado criminalista José Carlos Dias criticou a postura de Moro.

O ministro da Justiça só pode utilizar informações obtidas através dos órgãos oficiais. Não pode ter uma conversa escusa com quem não pertence à estrutura do ministério. E muito menos com um procurador. O que o Moro pretendia era obter informações por baixo do pano. O correto seria procurar o DRCI ou a PGR

José Carlos Dias, ministro da Justiça no governo FHC

Ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso em 2002, o advogado Miguel Reale Júnior diz que Moro utilizou o canal inadequado para buscar esse tipo de informação.

"Todas as informações são solicitadas via ministério. O que espanta é que o Moro não soubesse que há um órgão no próprio ministério indicado para representar o país nos acordos de cooperação internacional", afirmou o jurista, um dos autores do impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Dallagnol fala sobre pedido de Moro à Lava Jato

Na tarde de 21 de janeiro de 2019, um dia após a mensagem em que fez referência ao pedido de Moro, Deltan retoma o assunto. Seu interlocutor é novamente "Douglas Prpr", que encaminha ao então chefe da Lava Jato um levantamento sobre a cooperação com ao menos quatro países. A grafia das mensagens foi mantida tal como constam nos autos do STF.

  • 16:22 Douglas Prpr Blz, tô vendo aqui
  • 16:28 Deltan já indiquei o seguinte: 1) Bahamas - extrema dificuldade 2) Espanha - A citação do Tacla ainda não ocorreu (estamos há mais de 2 anos tentando) 3) Hong Kong realmente finge que não entende nossas Coopins e fica perguntando um milhão de vezes a mesma coisa pra não cumprir
  • 18:00 Douglas Prpr Indicações dos grupos: 1) Está há quase 2 anos sem cumprir o pedido de quebra e bloqueio FTLJ 132/2017 3) Forneceu dados do Leonardo Meirelles, mas porque Dr. Orlando conversou diretamente com a autoridade do caso lá Pedem complementos intermináveis e sem lógica 4) Grécia: sem resposta desde 2017 já quanto ao pedido FTLJ 153/2017 5) Reino Unido: dificulta muito por causa das questões do common law [direito comum, em inglês, quando juízes estabelecem um novo precedente em um caso] mas foram prestativos no pedido FTLJ 152 (caso dos gregos), p. ex. 6) Ilhas Virgens Britânicas: dificuldade no cumprimento do pedido FTLJ 125/2017, sob justificativa de ausência de nexo causal entre as informações solicitadas e o crime investigado. Ocorre que a prova do nexo causal só pode ser produzida com a remessa da documentação bancária. Portanto ele exigem [sic] prova impossível para cumprir os pedidos.
  • 18:01 Deltan Shou [sic], obrigado.

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