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Desafio de combater radicais do EI coloca Obama entre desafios vitais

O presidente dos EUA, Barack Obama, defendeu o combate ao terrorismo do Estado Islâmico e da Al Qaeda em seu discurso na 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York - Andrew Gombert/ EFE
O presidente dos EUA, Barack Obama, defendeu o combate ao terrorismo do Estado Islâmico e da Al Qaeda em seu discurso na 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York Imagem: Andrew Gombert/ EFE

Thomas L. Friedman

25/09/2014 00h01

Há uma tensão no centro da campanha do presidente Barack Obama para enfrentar o Estado Islâmico, e isso explica muito sobre por que ele tem tanta dificuldade para articular e implementar sua estratégia. Muito simplesmente, é a tensão entre dois objetivos vitais: a promoção do “exame de consciência” que a emergência do Estado Islâmico tem provocado no mundo árabe-muçulmano e a tarefa de “perseguir e destruir” o grupo extremista em suas fortalezas na Síria e no Iraque.

Acostume-se com isso. Essa tensão não irá embora. Obama terá que lidar com ela.

A boa notícia: a ascensão do Estado Islâmico, também conhecido como Isis, está provocando um exame de consciência brutalmente honesto que precisava ser feito há algum tempo por árabes e muçulmanos, sobre como um culto assassino sunita tão grande pode ter surgido entre eles. Veja algumas amostras, começando com “Os bárbaros dentro de nossos portões”, escrito na revista “Politico” semana passada por Hisham Melhem, o chefe da sucursal em Washington do canal árabe Al-Arabiya.

“Com a decisão de usar a força contra os extremistas violentos do Estado Islâmico, o presidente Obama (…) está entrando mais uma vez, com uma compreensível grande relutância, no caos de uma civilização inteira que se rompeu. A civilização árabe, tal como nós a conhecemos, praticamente acabou. O mundo árabe hoje é mais violento e instável, fragmentado e movido pelo extremismo, o extremismo de quem está no governo e de quem está na oposição, do que em qualquer momento desde o colapso do Império Otomano há um século.”

“Toda esperança da história árabe moderna foi traída”, acrescentou Melhem. “A promessa de fortalecimento político, do retorno da política, da restauração da dignidade da pessoa humana anunciada pela temporada de revoltas árabes em seus primeiros tempos áureos, tudo deu lugar a guerras civis, a divisões étnicas, sectárias e regionais e da reafirmação do absolutismo, tanto em suas formas militares quanto atávicas. (...) Os jihadistas do Estado Islâmico, em outras palavras, não surgiram do nada. Eles saíram de uma casca podre e vazia, aquilo que restava de uma civilização quebrada.”

O analista liberal saudita Turki al-Hamad respondeu no jornal “Al-Arab”, de Londres, ao convite do rei Abdullah a líderes religiosos sauditas para que confrontassem a ideologia Estado Islâmico: “Como poderiam?”, perguntou al-Hamad. Todos eles abraçam a mesma ideologia anti-pluralista, puritana sunita wahhabista que a Arábia Saudita difunde em casa e no exterior, em mesquitas que alimentaram o Estado Islâmico.

“Eles não são capazes de enfrentar os grupos de violência, extremismo e decapitações, não por preguiça ou procrastinação, mas porque todos compartilham essa mesma ideologia”, escreveu al-Hamad. “Como podem confrontar uma ideologia que eles mesmos carregam dentro de si e de sua mentalidade?”

O escritor xiita libanês Hanin Ghaddar, em um ensaio em agosto no site do Lebanon’s Now, escreveu: “Para combater o EI e outros grupos radicais e para evitar o surgimento de novos governantes autocráticos, precisamos assumir a responsabilidade pelos fracassos coletivos que produziram todos esses tiranos terríveis e fanáticos. Nossos meios de comunicação e sistemas de ensino são responsáveis pelo monstro que ajudamos a criar. (...) Precisamos ensinar nossos filhos a aprenderem com os nossos erros, em vez de ensinar como dominarem a arte da negação. Quando os nossos educadores e jornalistas começarem a entender a importância dos direitos individuais e a admitir que nós falhamos como cidadãos, então poderemos começar a ter uma esperança de liberdade, mesmo que seja alcançada lentamente.”

Consolidar esse exame de consciência é uma parte vital e inteligente da estratégia de Obama. Ao se comprometer com uma campanha somente pelo ar contra alvos do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, Obama declarou que a guerra terrestre terá de ser combatida por árabes e muçulmanos, não só porque esta é guerra é deles e eles devem assumir o peso das vítimas, mas porque o próprio ato de eles se organizarem juntos, entre xiitas, sunitas e curdos, o ato de superar suas debilitantes diferenças sectárias e políticas exigido para derrotar o Estado Islâmico, é o ingrediente necessário para a criação de qualquer tipo de governo consensual decente que possa substituir o Estado Islâmico de uma forma sustentável.

A tensão surge porque o Estado Islâmico é uma máquina de matar, e vai ser preciso outra máquina de matar para destruí-lo em terra. Os “moderados” sírios que estamos treinando não vão, de forma alguma, poder combater sozinhos o grupo militante e o regime sírio ao mesmo tempo. Os iraquianos, a Turquia e os países árabes vizinhos também terão que enviar tropas.

Afinal, esta é uma guerra civil para o futuro do islamismo sunita tanto quanto do mundo árabe. Nós podemos degradar a força do Estado Islâmico a partir do ar --fico feliz por termos atingido esses psicopatas na Síria--, mas apenas os árabes e turcos podem destruir o Estado Islâmico no chão. Neste momento, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, significa autoritarismo, intimidação da imprensa, capitalismo de compadrio e apoio silencioso aos islâmicos, incluindo o Estado Islâmico. Ele nem mesmo vai nos deixar usar a nossa base na Turquia para combater o Estado Islâmico do ar. O que está em sua alma? O que há na alma dos regimes árabes que estão prontos a se unir a nós em bombardeios contra os extremistas na Síria, mas que excluem a possibilidade de tropas terrestres?

Esta é uma civilização em perigo, e, a menos que enfrente as patologias que deram à luz o monstro do Estado Islâmico, qualquer vitória que alcancemos a partir do ar ou do solo será temporária.