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"Eu ajudo as pessoas", diz traficante que manda afegãos à Europa

Garoto afegão segura bandeira nacional em protesto realizado em Cabul, em setembro deste ano - Rahmat Gul/AP
Garoto afegão segura bandeira nacional em protesto realizado em Cabul, em setembro deste ano Imagem: Rahmat Gul/AP

31/10/2015 08h20

A vida no Afeganistão continua tensa, e milhares de afegãos seguem deixando o país --muitos deles rumo à Europa, que assiste à maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial.

O conflito entre forças do governo e militantes do Talebã, assim como a falta de oportunidades econômicas, têm beneficiado um grupo em particular: traficantes de pessoas, que cobram quantias que chegam a milhares de dólares com a promessa de fazê-las chegarem à Europa.

Afegãos são o segundo maior número de imigrantes e refugiados que tentam chegar ao continente, atrás apenas de sírios.

Abdul (nome fictício) atua como atravessador do Afeganistão à Europa. Enviou três de seus filhos e continua a traficar pessoas. "O que eu estou fazendo não é legal. Mas quando as pessoas pedem que eu as ajude, acredito que estou fazendo um trabalho bom. Quando alguém é deportado, eu devolvo o dinheiro."

"As pessoas vêm até a mim e me pedem para que eu as mande. Não forço ninguém a ir. Não sou o único a fazer tráfico de pessoas. Há muita gente fazendo isso. Faço isso porque é um trabalho fácil."

Mãos de Deus

"As pessoas dizem: 'Você mandou seus próprios filhos, pode nos mandar também'. Então eu faço. Viver e morrer está nas mãos de Deus. Ninguém que eu mandei morreu."

A Frontex, agência que monitora as fronteiras da União Europeia, diz que 710 mil imigrantes chegaram ao bloco neste ano. Para muitos, a jornada inclui travessias perigosas no Mediterrâneo. Mais de 3,1 mil pessoas morreram no mar ao tentar chegar à Europa, segundo a Organização Internacional para Migração. Muitas das mortes ocorreram após barcos afundarem durante a viagem.

"Eu não consigo garantir a segurança deles, mas eu explico os riscos. Eu digo que na viagem à Europa eles podem ficar doentes ou ser parados pela polícia, que os barcos podem naufragar. Mas Alá vai garantir a segurança deles, não eu", disse Abdul.

A maioria dos clientes, disse, é jovem, mas ele também atende famílias. "Primeiro, eu vejo, pessoalmente, se eles são saudáveis, não são tão velhos, se as crianças não são muito pequenas. Eu não levo mulheres grávidas", disse ele à "BBC".

Abdul disse que a parte mais perigosa da viagem é entre a Turquia e a Grécia - uma das rotas mais usadas por atravessadores. "A polícia atira contra as pessoas e às vezes os barcos naufragam."

"O que eu faço não é legal"

Ao chegar à Europa, a maioria dos imigrantes tenta, então, seguir ao norte, especialmente para Alemanha e Suécia, países que recebem o maior número de imigrantes e refugiados. Mas com o grande fluxo de pessoas nos últimos meses, países que estão na rota migratória fecharam suas fronteiras ou impuseram controles de entrada.

Abdul diz ter sido procurado por parentes de um homem que era ameaçado pelo Talebã. Pediram para que ele fosse tirado do país. "Eles disseram: 'você salvou a vida do nosso filho'. Eles rezam por mim."

"Eu sei como os pais se sentem quando mandam seus filhos, porque eu também mandei três filhos. Fico chateado quando vejo pais chorando. Não gosto muito do meu trabalho, me sinto culpado às vezes."

Ele culpa a atual situação no Afeganistão como responsável pelo fluxo migratório. Se o país fosse seguro, diz, afegãos seguiriam no país. "Por que alguém gostaria de se tornar um imigrante ou refugiado?"