Veja quais foram as principais inovações do julgamento do mensalão na opinião de juristas
Com quatro meses de duração, 25 réus condenados e muito debate jurídico, o julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal) chegou ao fim. Os efeitos das decisões e entendimentos do julgamento, entretanto, devem se estender para julgamentos futuros não só no próprio Supremo, como também no restante do Judiciário.
Para o jurista Walter Maierovitch, com o julgamento do mensalão, o Judiciário e o STF passaram a ser mais conhecidos pelos brasileiros. “Ficou mais transparente. A sociedade acordou para a importância do Judiciário. Assim como ficamos de olho nos políticos, temos que ficar de olho na Justiça também.”
Já o professor de Direito Constitucional na PUC-SP Pedro Estevam Serrano considera que o julgamento ganhou ares de “tribunal de exceção” por ter ocorrido junto com as eleições municipais. Para ele, só o futuro dirá se o STF continuará sendo rigoroso. "Isso sabermos depois, se marcou de fato uma mudança de postura do Supremo ou se o rigor só será aplicado nesse caso”.
Entre as “inovações” adotadas no julgamento do mensalão, analistas entrevistados pelo UOL citam o rigor na condenação dos acusados, o uso de provas indiciárias e a dispensa do chamado “ato de ofício” para a condenação por corrupção.
Também foi citada pelos especialistas a chamada “teoria do domínio do fato”, utilizada para condenar réus contra os quais não há provas concretas, por ocuparem um alto escalão dentro da organização criminosa. No julgamento do mensalão, esse conceito foi utilizado para condenar o ex-ministro José Dirceu, apontado pela Procuradoria-Geral da República como o mentor do esquema.
Outro ponto de discussão é o não desmembramento do julgamento, diferentemente do que ocorreu em outros casos, como o mensalão tucano, cujos réus serão julgados na Justiça comum, exceto os parlamentares. No caso do mensalão petista, todos foram julgados pelo Supremo.
Veja abaixo a opinião de advogados e juristas a respeito de temas que se destacaram no julgamento do mensalão.
Os entrevistados
Pedro Serrano Advogado, professor de Direito Constitucional na PUC-SP | Luiz Flávio Gomes Jurista, advogado, ex-promotor de justiça e ex-juiz | Walter Maierovitch Jurista, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de SP |
Supremo mais rigoroso?
Pedro Serrano | O Supremo descartou a necessidade de provas mais contundentes para condenar alguns réus. Foram aceitas provas indiciárias. O princípio da presunção da inocência e as garantias dos réus foram flexibilizadas. Houve uma mudança de postura na condenação em comparação ao que ocorreu no passado, quando muitas denúncias eram arquivadas por falta de provas e havia uma tolerância maior do Supremo, que agora adotou uma postura mais acusatória | |
Walter Maierovitch | Nós últimos 40 anos, só um parlamentar foi condenado. Só saberemos se o Supremo estará mudando no futuro. O STF precisa apresentar mais coisas. |
Flexibilização das provas
Pedro Serrano | O Estado hoje conta com instrumentos avançados de investigação. Não dá para falar em dificuldade de investigar. É possível quebrar o sigilo de todos os tipos para obter provas. Como a flexibilização das provas vai se transformar em jurisprudência, pode gerar abusos nos tribunais comuns. Tenho muito receito. A rigidez na presunção da inocência é uma conquista dos homens. Não é vilipendiando a presunção da inocência que vamos combater crimes sistêmicos e a corrupção. | |
Luiz Flávio Gomes | O Supremo considerou que prova indiciária permite condenação. Isso vai alterar a jurisprudência e causar reflexo no Judiciário. Provas indiciárias são suficientes para condenar desde que sejam convincentes. Se os indícios têm firmeza, se condena. Se não, se absolve. O STF exteriorizou a certeza de que as provas indiciárias tem valor. | |
Walter Maierovitch | Não houve mudança com relação a provas extrajudiciais (interrogatórios policiais, CPIs, entre outros). O Supremo entendeu que, para que tenham valor, precisam ser confirmadas em juízo. O que se aplicou, por meio de indícios, foi um raciocínio lógico dedutivo. Conforme jurisprudência do Supremo, os indícios precisam ter lastro de suficiência. No julgamento do mensalão, foram indícios, com lastro, que por meio de um raciocínio lógico dedutivo, levaram à condenação dos réus. |
Ato de ofício
Pedro Serrano | A lei não fala na necessidade de um ato de ofício para haver crime de corrupção. Basta haver promessas. Agora, no julgamento do mensalão, não me pareceu razoável a aplicação desse conceito. Como pode alguém pagar por dois anos e não haver nenhum ato de ofício? | |
Luiz Flávio Gomes | A condenação por corrupção dispensa ato de ofício. Basta receber ou solicitar dinheiro. | |
Walter Maierovitch | Ao entender que não é necessário ato de ofício, o Supremo alinhou sua jurisprudência a dos países desenvolvidos. |
Desvio de dinheiro público
Pedro Serrano | Para haver peculato (desvio de recursos mediante agente público), não é necessário que o dinheiro seja público, e sim que tenha a participação de um agente público no desvio. Agora, no julgamento do mensalão, o Supremo não enfrentou a questão do fundo Visanet [de onde os envolvidos no esquema desviaram R$ 73 milhões], que tem participação de 33% do Banco do Brasil. Até que ponto o dinheiro desviado era público? |
Teoria do domínio do fato
Luiz Flávio Gomes | A teoria do domínio do fato foi legitimada no Direito brasileiro. Havia dúvidas se o Supremo a aplicaria. A jurisprudência sobre isso era reticente. Agora, com certeza se terá ampla aceitação dessa teoria. | |
Walter Maierovitch | Sobre a teoria do domínio do fato, não se pode falar em novidade. O Supremo aplicou uma lei antiga. |
Desmembramento
Pedro Serrano | Ficou sem referência. Os casos [o mensalão petista e o tucano] eram muito semelhantes. Ou se julgava os dois na Justiça comum ou os dois no STF. Deveria haver um critério único em todos os casos. | |
Luiz Flávio Gomes | A tendência do Supremo agora vai ser admitir o julgamento conjunto de casos em que houver réus comuns e réus com foro privilegiado. Só se houver uma razão muito séria para separar. | |
Walter Maierovitch | O Supremo decidiu que esse caso, como havia conexões entre as provas, não deveriam desmembrar. No mensalão tucano, houve o desmembramento. Isso é muito caso a caso. Agora, é evidente que resultou disso tratamento diferente aos dois casos. Outro ponto importante é que, com o julgamento do mensalão, questionou-se muito o foro privilegiado. Qual o motivo de se ter um privilégio desse tipo? Isso é uma excrescência. |
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