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Ministro se irrita com agradecimentos de Barbosa e abandona julgamento do mensalão antes do final

Camila Campanerut*

Do UOL, em Brasília

17/12/2012 16h43Atualizada em 17/12/2012 18h28

O julgamento do mensalão, marcado por muitas discussões entre os ministros ao longo de seus quatro meses e meio de duração, terminou nesta segunda-feira (17) com um desentendimento entre o relator Joaquim Barbosa e o ministro Marco Aurélio Mello.

A divergência se deu quando Barbosa anunciou que faria alguns agradecimentos a assessores que foram importantes para ele ao longo do julgamento, procedimento incomum nos julgamentos do STF.

“Isso nunca houve no tribunal”, disse Marco Aurélio. “Mas está havendo agora, pois é um processo que causou traumas”, respondeu Barbosa.  "Eu vejo ministros tecendo loas a figuras públicas e não públicas. Por que razão não podemos enaltecer os servidores ou colaboradores desse tribunal?", acrescentou o relator Barbosa.

"Peço licença para me retirar", retrucou Aurélio, deixando o plenário do STF, antes do final do julgamento.

Os três assessores citados pelo ministro Barbosa em seus agradecimentos foram Leonardo Farias, juiz estadual do Rio de Janeiro, Carla Ramos, defensora pública do Rio de Janeiro, e Rodrigo Golívio, procurador da República.

Fim do julgamento

Após mais de quatro meses e 53 sessões, o STF (Supremo Tribunal Federal) encerrou o julgamento do mensalão nesta segunda-feira (17). O caso entrou para a história do Judiciário não apenas por ser o mais longo e complexo do país, mas por ter condenado à prisão figurões da política nacional, entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente da sigla José Genoino.

Ao menos 11 réus devem ser condenados a regime fechado -- eram 13, mas o ministro Marco Aurélio Mello mudou seu voto na semana passada e dois condenados devem ter a pena diminuída. No entanto, as prisões dos condenados podem ocorrer só no final do ano que vem, após a publicação do acórdão, com os votos dos ministros, e o julgamento dos embargos das defesas.

Na sessão desta segunda-feira, a última do caso, o STF cassou o mandato dos três deputados condenados pelo mensalão: João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). O último dia de julgamento, seguindo o clima tenso que se viu durante todo o processo, também teve discussões: a divergência se deu quando Barbosa anunciou que faria alguns agradecimentos a assessores que foram importantes para ele ao longo do julgamento, procedimento incomum nos julgamentos do STF. O ministro Marco Aurélio se irritou e saiu do plenário.

Desde que o escândalo veio à tona, em 2005, passaram-se sete anos até que a ação penal 470, que ficou conhecida como mensalão, chegasse ao plenário da Corte. A decisão de julgar neste ano se deveu em parte a um esforço do então presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, que pressionou o ministro-revisor Ricardo Lewandowski para que concluísse sua parte do trabalho em tempo de o julgamento começar em agosto. A cobrança pública gerou um mal-estar entre os dois magistrados.

Parlamentares da base governista chegaram a criticar o uso político que o julgamento teria em ano eleitoral, já que poderia causar impacto nas eleições municipais, realizadas em outubro.

Começou com 38 réus, mas o STF reconheceu que o tribunal intimou o advogado antigo de Carlos Alberto Quaglia, dono de uma empresa usada para lavar parte do dinheiro do esquema, e, por ter a sua defesa comprometida, a Corte acabou passando o processo contra ele para a primeira instância.

Tese de caixa-dois

Os ministros rejeitaram a tese de caixa-dois, apresentada pela defesa, e concluíram que a propina entregue a parlamentares foi usada para que votassem a favor de assuntos de interesse do governo no Congresso Nacional. Parte do esquema foi abastecida com recursos desviados dos cofres públicos.

Os recursos que pagaram os parlamentares eram provenientes de desvios do fundo Visanet, controlado pelo Banco do Brasil, e de operações fraudulentas junto ao Banco Rural, que concedeu empréstimos fictícios de cerca de R$ 3 milhões ao PT e de R$ 29 milhões para a agência do publicitário Marcos Valério, que era quem operava o esquema. Os nomes de quem deveria receber a propina eram passados por Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, que acabou condenado a oito anos e 11 meses, mais multa de 300 mil.

Valério foi quem recebeu a pena mais alta: 40 anos, um mês e seis dias de prisão, mais R$ 2,8 milhões. Seus ex-sócios nas agências de publicidade, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, também receberam penas altas: 29 anos, sete meses e 20 dias de prisão (mais multa de R$ 2,8 milhões) e 25 anos, 11 meses e 20 dias de prisão (mais multa de R$ 2,5 milhões), respectivamente. Ainda no núcleo publicitário, também foram condenados Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, e seu advogado Rogério Tolentino.

Por terem colocado a estrutura do Banco Rural à disposição do esquema, os ex-dirigentes da instituição Kátia Rabello e José Roberto Salgado foram condenados a mais de 16 anos de prisão cada um. Vinícius Samarane, que trabalhava com eles, recebeu pena de mais de oito anos. O valor das multas somadas passa de R$ 3 milhões. Os réus também perderam o direito de atuar em instituições financeiras pelo dobro da pena recebida.

O STF condenou ainda os deputados federais Valdemar Costa Neto (PR-SP), por corrupção passiva e lavagem, João Paulo Cunha (PT-SP), por corrupção passiva, lavagem e peculato, e Pedro Henry (PP-MT), por corrupção passiva e lavagem. Eles terão seus mandatos cassados.

Os ministros da Suprema Corte decidiram condenar quatro ex-parlamentares, incluindo o delator do mensalão, o deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Foram considerados culpados de receber dinheiro do esquema os ex-deputados Romeu Queiroz (PTB-MG), José Borba (ex-PMDB-PR), Carlos Alberto Rodrigues (PL-RJ) e Pedro Corrêa (PP-PE). Os assessores Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL, João Cláudio Genú, ex-assessor do PP na Câmara dos Deputados, e Emerson Palmieri, ex-tesoureiro do PTB, foram condenados também pelo STF.

Além deles, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato acabou condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, ex-sócios da corretora Bônus-Banval, usada no repasse de dinheiro a parlamentares do PP, foram condenados por lavagem e, no caso de Quadrado, por formação de quadrilha também.

Após o fim da fase da dosimetria, quando foi definida a pena para cada um dos demais réus, o STF ainda irá publicar o acórdão, que é a decisão final do julgamento. Isso deve ficar para 2013, já que leva alguns meses. Só então as defesas poderão entrar com eventuais recursos. Nos embargos de declaração, a defesa pode pedir esclarecimentos acerca de pontos confusos dos votos dos ministros, mas o resultado não é alterado. No caso dos embargos infringentes, a defesa pode contestar o resultado em que as condenações tiverem ocorrido com placares apertados.

De qualquer forma, para os réus que tiverem recebido penas de reclusão, o STF deverá aguardar o julgamento do último recurso possível para, então, determinar a execução da sentença. Penas de até quatro anos são geralmente convertidas em penas alternativas, como prestação de serviço. De quatro a oito anos, o réu cumpre em regime semiaberto, ou seja, pode trabalhar durante o dia e volta para dormir na cadeia. Acima de oito anos, as penas são em regime fechado.

Eleições e embates jurídicos

Na época das eleições de outubro, o julgamento do mensalão chegou a ser citado diversas vezes nas campanhas políticas, especialmente na disputa em São Paulo, polarizada entre o PT e o PSDB. Derrotado no segundo turno, o tucano José Serra afirmou que o PT usava a eleição na capital paulista para "abafar" o mensalão. Já o prefeito eleito, Fernando Haddad, disse que o julgamento atrapalhou a discussão de propostas para o município. 

Em Salvador, tanto o mensalão do PT quanto o do DEM foram usados como arma de ataque pelos candidatos ACM Neto (DEM) e Nelson Pelegrino (PT).

O julgamento do mensalão também foi palco de alguns embates jurídicos. A principal polêmica foi em relação à chamada teoria do domínio do fato, um dos fundamentos usados pelo relator Joaquim Barbosa na condenação de José Dirceu. Por essa teoria, bastariam indícios de que o réu, por conta de sua posição hierárquica, sabia do crime e teria dado ordens para a realização do mensalão. A defesa de Dirceu e o PT criticaram a decisão do STF, dizendo que a condenação ocorreu sem provas.

Outro tema que gerou discussão foi em relação à exigência de haver ato de ofício para caracterizar os crimes de corrupção ativa e passiva. No caso dos parlamentares acusados de receber dinheiro do esquema, a maioria dos magistrados entendeu que bastou o recebimento de propina para haver o crime, mesmo que o servidor não tenha praticado nenhum ato funcional em troca disso.

Entenda o dia a dia do julgamento

Troca de farpas

O julgamento também foi marcado pela intensa troca de farpas entre os ministros Joaquim Barbosa, relator, e Ricardo Lewandowski, revisor. O primeiro desentendimento se deu logo no início. Como apenas três réus tinham foro privilegiado por ocuparem cargo parlamentar, Lewandowski queria acatar uma questão de ordem apresentada por um dos advogados de defesa para que a o processo fosse desmembrado e os demais réus respondessem à ação em outras instâncias.

Barbosa também se desentendeu com o ministro Marco Aurélio, que, em certa ocasião, chegou a dizer que tinha receio de ver Barbosa na presidência do STF. Em resposta, o relator do mensalão divulgou uma nota em que sugeria que Aurélio tinha chegado à Suprema Corte por conta de suas relações familiares, já que foi indicado pelo seu primo Fernando Collor, quando este era presidente.

O clima entre os dois magistrados ficou tenso em diversos momentos do mensalão, quando Barbosa interrompia o voto dos colegas que divergiam dele para fazer apartes. Marco Aurélio deu declarações à imprensa de que era difícil “manter o diálogo com quem não admite compreensão contrária”.

Durante o julgamento, dois ministros se aposentaram por terem atingido a idade-limite de 70 anos: Cezar Peluso, em setembro, e Ayres Britto, que então presidia a Corte, em novembro. A presidência passou, então, a ser ocupada pelo relator, Joaquim Barbosa. No lugar de Peluso, assumiu o ministro Teori Zavascki. Para a posição de Britto, a presidente Dilma Rousseff ainda precisa indicar um nome para ser sabatinado pelo Senado.

*Colaborou Guilherme Balza, em São Paulo